Dilma: “La tercerización no puede comprometer los derechos de los trabajadores”
Terceirização: presidenta Dilma Rousseff defende direitos dos trabalhadores
A presidenta Dilma Rousseff afirmou, nesta quinta-feira (9), que o governo acompanha com atenção a votação do Projeto de Lei 4.330/04, que amplia as possibilidades de contratação de trabalho terceirizado no País, inclusive para a atividade-fim das empresas. “A posição do governo é no sentido de que a terceirização não pode comprometer direitos dos trabalhadores. Nós não podemos desorganizar o mundo do trabalho [com essa lei]”, afirmou a presidenta.
As declarações foram feitas durante a cerimônia de entrega de 500 moradias do Residencial Volterra, construído por meio do Programa Minha Casa, Minha Vida em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense (RJ). A presidenta chamou a atenção para o fato de que é preciso garantir que as empresas que sejam contratadas de forma terceirizada assegurem pagamento de salários, de contribuições previdenciárias “e, ao mesmo tempo também, que paguem seus impostos”, salientou a presidenta.
Por isso, acrescentou, “olhamos com muito interesse como vai se desdobrar a votação daqui pra frente, principalmente no sentido da responsabilização solidária daquelas empresas que forem contratadas. Tem que se ver como se dará o processo negocial no Congresso”, enfatizou.
Representação sindical de terceirizados não resolverá problemas, aponta CUT
A possibilidade de os trabalhadores terceirizados na atividade-fim das empresas serem representados pelos sindicatos das categorias, como prevê o projeto das terceirizações (PL 4.330), cujo texto-base foi aprovado ontem (8) pela Câmara dos Deputados, não garante poder de mobilização, segundo centrais sindicais. Isso porque haverá várias relações de trabalho em um mesmo espaço, com salários e benefícios diferentes, o que deve dificultar as negociações.
“Vai ficar pela metade. Vamos continuar com os riscos que temos hoje de precarização do trabalho. Os trabalhadores terceirizados que tem uma vida completamente diferente dos permanentes, recebem menos, tem um índice muito mais alto de acidentes de trabalho e de doenças laborais e uma jornada maior”, afirma a secretária de Relações do Trabalho da CUT, Maria das Graças Costa.
Pelo projeto original, se um metalúrgico fosse contratado em uma fábrica de carros de forma terceirizada, por exemplo, ele seria representado pelo sindicato dos terceirizados, com menos força e influência que o dos metalúrgicos. Pelo projeto aprovado, esse metalúrgico, que exerce a atividade fim da empresa, poderá ser representado pelo sindicato de sua categoria. Isso vale para todas as categorias profissionais.
“É uma medida que não vai resolver. Uma empresa terá dez outras empresas terceirizadas que sequer são da mesma atividade econômica. Na prática, só será possível fazer a representação da categoria preponderante, as outras vão seguir com os mesmos problemas”, afirma Graça Costa. “Aqui no Brasil temos empresariado muito conservador, que não se relaciona da melhor maneira com a atividade sindical. Vamos generalizar os problemas.”
O presidente da CTB, Adilson Araújo, concorda. “Com as terceirizações vamos enfrentar um ambiente de muita complexidade, com relações de trabalho diferentes. O que defendemos é isonomia. Não se faz sindicalismo por decreto no Brasil”, afirma.
Hoje, o país possui 12,7 milhões de terceirizados. Em dezembro de 2013, os trabalhadores terceirizados recebiam 24,7% a menos do que os contratados diretos e cumpriam jornada semanal de três horas a mais, segundo o dossiê Terceirização e Desenvolvimento: uma conta que não fecha, lançado pela CUT em março.
“As empresas vão querer nivelar por baixo. Ninguém vai querer manter pessoas exercendo a mesma atividade e pagando mais. A visão que prevalece é a do máximo lucro. Quando se verifica a pressão dos grandes grupos econômicos fica nítido que a intensão é instituir o trabalho precário no Brasil e aumentar as cestas de lucros, que já tem uma rentabilidade absurda”, avalia Adilson. “As medidas que preveem sindicalização são insuficientes para garantir democracia no ambiente de trabalho, autonomia sindical e regulamentação dos direitos.”
Os trabalhadores indiretos também eram as maiores vítimas de acidentes de trabalho: só no setor elétrico, segundo levantamento da Fundação Comitê de Gestão Empresarial (Coge), morreram 3,4 vezes mais terceirizados do que os efetivos nas distribuidoras, geradoras e transmissoras da área de energia elétrica.
Segundo o pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit) da Unicamp Vitor Filgueiras, “dos dez maiores resgates de trabalhadores em condições análogas à de escravos no Brasil, entre 2010 e 2013, em 90% dos flagrantes, os trabalhadores vitimados eram terceirizados”.
Presidente licenciado da Força Sindical, o deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho (SD-SP), que votou a favor do projeto, a medida pode ajudar os trabalhadores terceirizados a serem beneficiados com as convenções coletivas feitas pelos sindicatos. “Conseguimos trazer todos os terceirizados que estavam abandonados e que agora terão os mesmos direitos dos contratados diretos. A lei prevê que as empresas ficam obrigadas a avisar os sindicatos das terceirizações em até dez dias, assim as entidades vão poder acompanhar de perto”, diz. “Toda convenção coletiva continua valendo para a categoria.”
‘Lei da terceirização é a maior derrota popular desde o golpe de 64’
Especialista em sociologia do trabalho, Ruy Braga traça um cenário delicado para os próximos quatro anos: salários 30% mais baixos para 18 milhões de pessoas. Até 2020, a arrecadação federal despencaria, afetando o consumo e os programas de distribuição de renda. De um lado, estaria o desemprego. De outro, lucros desvinculados do aumento das vendas. Para o professor da Universidade de São Paulo (USP), a aprovação do texto base do Projeto de Lei 4330/04, que facilita a terceirização de trabalhadores, completa o desmonte dos direitos trabalhistas iniciado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na década de 90. “Será a maior derrota popular desde o golpe de 64”, avalia o professor em entrevista a CartaCapital.
Embora o projeto não seja do governo, Braga não poupa a presidenta e o PT pelo cenário político que propiciou sua aprovação. Ele cita as restrições ao Seguro Desemprego, sancionadas pelo governo no final de 2014, como o combustível usado pelo PMDB para engatar outras propostas desfavoráveis ao trabalhador, e ironiza: “Esse projeto sela o fim do governo do PT e o início do governo do PMDB. Dilma está terceirizando seu mandato”.
CartaCapital: Uma lei para regular o setor é mesmo necessária?
Ruy Braga: Não. A Súmula do TST [Tribunal Superior do Trabalho] pacificou na Justiça o consenso de que não se pode terceirizar as atividades-fim. O que acontece é que as empresas não se conformam com esse fato. Não há um problema legal. Já há regulamentação. O que existe são interesses de empresas que desejam aumentar seus lucros.
CC: Qual a diferença entre atividade-meio e atividade-fim?
RB: Uma empresa é composta por diferentes grupos de trabalhadores. Alguns cuidam do produto ou serviço vendido pela companhia, enquanto outros gravitam em torno dessa finalidade empresarial. Em uma escola, a finalidade é educar. O professor é um trabalhador-fim. Quem mexe com segurança, limpeza e informática, por exemplo, trabalha com atividades-meio.
CC: O desemprego cai ou aumenta com as terceirizações?
RB: O desemprego aumenta. Basta dizer que um trabalhador terceirizado trabalha em média três horas a mais. Isso significa que menos funcionários são necessários: deve haver redução nas contratações e prováveis demissões.
CC: Quantas pessoas devem perder a estabilidade?
RB: Hoje o mercado formal de trabalho tem 50 milhões de pessoas com carteira assinada. Dessas, 12 milhões são terceirizadas. Se o projeto for transformado em lei, esse número deve chegar a 30 milhões em quatro ou cinco anos. Estou descontando dessa conta a massa de trabalhadores no serviço público, cuja terceirização é menor, as categorias que de fato obtêm representação sindical forte, que podem minimizar os efeitos da terceirização, e os trabalhadores qualificados.
CC: Por que os trabalhadores pouco qualificados correm maior risco?
RB: O mercado de trabalho no Brasil se especializou em mão de obra semiqualificada, que paga até 1,5 salário mínimo. Quando as empresas terceirizam, elas começam por esses funcionários. Quando for permitido à companhia terceirizar todas as suas atividades, quem for pouco qualificado mudará de status profissional.
CC: Como se saíram os países que facilitaram as terceirizações?
RB: Portugal é um exemplo típico. O Banco de Portugal publicou no final de 2014 um estudo informando que, de cada dez postos criados após a flexibilização, seis eram voltados para estagiários ou trabalho precário. O resultado é um aumento exponencial de portugueses imigrando. Ao contrário do que dizem as empresas, essa medida fecha postos, diminui a remuneração, prejudica a sindicalização de trabalhadores, bloqueia o acesso a direitos trabalhistas e aumenta o número de mortes e acidentes no trabalho porque a rigidez da fiscalização também é menor por empresas subcontratadas.
CC: E não há ganhos?
RB: Há, o das empresas. Não há outro beneficiário. Elas diminuem encargos e aumentam seus lucros.
CC: A arrecadação de impostos pode ser afetada?
RB: No Brasil, o trabalhador terceirizado recebe 30% menos do que aquele diretamente contratado. Com o avanço das terceirizações, o Estado naturalmente arrecadará menos. O recolhimento de PIS, Cofins e do FGTS também vão reduzir porque as terceirizadas são reconhecidas por recolher do trabalhador mas não repassar para a União. O Estado também terá mais dificuldade em fiscalizar a quantidade de empresas que passará a subcontratar empregados. O governo sabe disso.
CC: Por que a terceirização aumenta a rotatividade de trabalhadores?
RB: As empresas contratam jovens, aproveitam a motivação inicial e aos poucos aumentam as exigências. Quando a rotina derruba a produtividade, esses funcionários são demitidos e outros são contratados. Essa prática pressiona a massa salarial porque a cada demissão alguém é contratado por um salário menor. A rotatividade vem aumentando ano após ano. Hoje, ela está em torno de 57%, mas alcança 76% no setor de serviços. O Projeto de Lei 4330 prevê a chamada «flexibilização global», um incentivo a essa rotatividade.
CC: Qual o perfil do trabalhador que deve ser terceirizado?
RB: Nos últimos 12 anos, o público que entrou no mercado de trabalho é composto por: mulheres (63%), não brancos (70%) e jovens. Houve um avanço de contratados com idade entre 18 e 25 anos. Serão esses os maiores afetados. Embora os últimos anos tenham sido um período de inclusão, a estrutura econômica e social brasileira não exige qualificações raras. O perfil dos empregos na agroindústria, comércio e indústria pesada, por exemplo, é menos qualificado e deve sofrer com a nova lei porque as empresas terceirizam menos seus trabalhadores qualificados.
CC: O consumo alavancou a economia nos últimos anos. Ele não pode ser afetado?
RB: Essa mudança é danosa para o consumo, o que inevitavelmente afetará a economia e a arrecadação. Com menos impostos é provável que o dinheiro para transferência de renda também diminua.
CC: Qual a responsabilidade do PT e do governo Dilma por essa derrota na Câmara?
RB: O governo inaugurou essa nova fase de restrição aos direitos trabalhistas. No final de 2014, o governo editou as medidas provisórias 664 e 665, que endureceram o acesso ao Seguro Desemprego, por exemplo. Evidentemente que a base governista – com PMDB e PP – iria se sentir mais à vontade em avançar sobre mais direitos. Foi então que [o presidente da Câmara] Eduardo Cunha resgatou o PL 4330 do Sandro Mabel, que nem é mais deputado.
CC: Para um partido de esquerda, essa derrota na Câmara pode ser considerada a maior que o PT já sofreu?
RB: Eu diria que, se esse projeto se tornar lei, será a maior derrota popular desde o golpe de 64 e o maior retrocesso em leis trabalhistas desde que o FGTS foi criado, em 1966. Essa é a grande derrota dos trabalhadores nos últimos anos. Ela sela o fim do governo do PT e marca o início do governo do PMDB. A Dilma está terceirizando seu mandato.
CC: A pressão do mercado era mesmo incontornável?
RB: Dilma deixou de ser neodesenvolvimentista a partir do segundo ano de seu primeiro mandato. Seu governo privatizou portos, aeroportos, intensificou a liberação de crédito para projetos duvidosos e agora está fazendo de tudo para desonerar o custo do trabalho. O governo se voltou contra interesses históricos dos trabalhadores. O que eu vejo é a intensificação de um processo e não uma mudança de rota. Se havia alguma dúvida, as pessoas agora se dão conta de que o governo está rendido ao mercado financeiro.
CC: A terceirização era um dos assuntos preferidos nos anos 90, mas não passou. Não é contraditório que isso aconteça agora?
RB: O Fernando Henrique tentou acabar com a CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] por meio de uma reforma trabalhista que não foi totalmente aprovada. Ele conseguiu passar a reforma previdenciária do setor privado e a regulamentação de contratos por tempo determinado. O governo Lula aprovou a reforma previdenciária do setor público e agora, com anos de atraso, o segundo governo Dilma conclui a reforma iniciada por FHC.
CC: Mas a CLT não protege também o trabalhador terceirizado?
RB: A proteção da CLT é formal, mas não acontece no mundo real. Quem é terceirizado, além de receber menos, tem dificuldade em se organizar sindicalmente porque 98% dos sindicatos que representam essa classe protegem as empresas em prejuízo dos trabalhadores. Um simples dado exemplifica: segundo o Ministério Público do Trabalho, das 36 principais libertações de trabalhadores em situação análoga a de escravos em 2014, 35 eram funcionários terceirizados.
CC: A bancada patronal tem 221 parlamentares, segundo o Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar). Existe alguma relação entre o tão falado fim do financiamento privado de campanha e a aprovação desse projeto?
RB: Não há a menor dúvida. Hoje em dia é muito simples perceber o que acontece no País. Para eleger um vereador em São Paulo paga-se 4 milhões de reais. Para se eleger deputado estadual, são 10 milhões. Quem banca? Quem financia cobra seus interesses, e essa hora chegou. Enquanto o presidente da Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo], Paulo Skaf, ficou circulando no Congresso durante os últimos dois dias, dando entrevista, conversando com deputados e defendendo o projeto, sindicalistas levavam borrachada da polícia. Esse é o retrato do Congresso brasileiro hoje: conservador, feito de empresários, evangélicos radicais e bancada da bala.