Senado discutirá ley sobre terrorismo y alteración del orden público
Congresso discutirá projetos sobre crimes de terrorismo
A discussão em torno dos projetos de lei que tipificam os crimes de terrorismo e de desordem pública, apresentados no Senado, será retomada a partir desta terça-feira (18). O primeiro está na ordem do dia do plenário da Casa, mas não é foco ainda de consenso entre os senadores. O segundo foi sugerido pelo secretário de segurança pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, como forma de ajudar a conter os excessos cometidos por manifestantes nos protestos dos últimos meses.
Em ambos os casos uma mesma polêmica tem sido levantada tanto por senadores como por membros da sociedade civil: o receio de que as novas leis criminalizem as manifestações de rua e os movimentos sociais que as convocam. Em artigo publicado recentemente, o advogado e professor de direito penal da Universidade de São Paulo (USP) Pierpaolo Bottini considera a proposta de tipificação do crime de desordem pública temerária. “O conceito de desordem é vago, impreciso, e pode ser preenchido por qualquer matiz ideológico”, alega o jurista.
Em entrevista à Agência Brasil, Bottini alertou para o grande risco de que um projeto como esse atinja diretamente manifestantes populares que tenham a intenção de protestar pacificamente. Na opinião dele, o mesmo pode acontecer com relação ao crime de terrorismo. “Não acho que esse tipo de lei seja inconstitucional. A maior preocupação é não criar um categoria de crime ampla, que acabe atingindo as manifestações populares”, alertou.
O jurista reconhece que o Brasil deve ter uma legislação que trate de terrorismo, uma vez que o país não poderia se eximir do “esforço mundial de combate a esse tipo de ato” que vem sendo praticado. No entanto, ele não vê relação entre os atos de violência praticados pelos black blocs em manifestações com crimes de terror. Na opinião de Bottini, o terrorismo é um “ato político, que provoca pânico nas pessoas por meio de extrema violência”.
No caso dos manifestantes violentos que têm agido desde junho depredando patrimônio público, provocando saques e enfrentando a polícia, o jurista define de outra forma. “O que temos é vandalismo e, para isso existe uma série de penas severas previstas no código [penal]”, alega. “É muita areia para o carrinho dos black blocs chamá-los de terroristas”, concluiu.
Assim como o jurista da USP, os integrantes do Movimento dos Sem Terra também condenaram as propostas. Em nota divulgada no site após a última marcha em Brasília, o movimento repudiou os dois projetos. “Eles fortalecem um estado policial em detrimento de um estado de direito”, diz o texto que cobra ainda que o Parlamento ouça mais os movimentos sociais ao formular e reformar leis e que dê encaminhamento à reforma política.
Os defensores das duas leis alegam que a intenção delas não é inibir manifestações. Ao levar seu projeto para os senadores, José Mariano Beltrame disse que o objetivo não é prender pessoas e sim garantir o direito delas de se manifestar sem serem incomodadas por quem comete excessos. “Para prender pessoas no Brasil esta tudo muito claro na Constituição. O que nós queremos é garantir as manifestações mas com ordem”, disse o secretário. O projeto dele tipifica como crime o ato de provocar desordem em local público, agredir ou cometer ato de violência contra pessoas, invadir bem público ou particular e bloquear vias públicas. As penas variam de 2 a 6 seis anos e podem ser aumentadas se forem usadas armas de fogo ou brancas, explosivos, entre outros.
O relator do projeto antiterrorismo, senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), também disse que esse assunto não é novo e não tem a ver com a atuação específica de grupos em manifestações populares. Segundo ele, a matéria surgiu a partir da comissão de juristas que propôs a reforma do código penal e da comissão especial que regulamenta dispositivos constitucionais. “Eu jamais me prestaria ao papel de proibir manifestações legítimas”, disse Eunício. Segundo ele, o que está sendo feito é apenas discutir a regulamentação desse assunto. “O Brasil em sua Constituição e nos tratados internacionais que assina prevê o crime o crime de terrorismo, mas não tem nenhuma legislação que o tipifique ainda”, alegou.
Os dois projetos que tipificam o crime de terrorismo que estão em tramitação no Senado podem ser unificados e harmonizados por Eunício. Antes disso, os líderes partidários devem fazer uma reunião para apresentarem as demandas de suas bancadas sobre o assunto. A intenção é que o relatório de Eunício seja apresentado em plenário, para que a matéria não precise voltar para as comissões.
Terrorismo e inquisição à brasileira – Por Rosana Pinheiro-Machado
A lei antiterrorismo apresentada no Senado é um dos maiores atentados à democracia brasileira dos últimos tempos. A aprovação do Projeto de Lei 499 é defendida por senadores do PT como Jorge Viana (AC) e Paulo Paim (RS) com o objetivo de “conter quem provocar o pânico generalizado”. Qualquer ligação com a necessidade desesperada de mostrar um espetáculo imagético de corpos dóceis durante a Copa do Mundo não é mera coincidência.
Não passará! Estamos a um passo de jogar fora as conquistas democráticas brasileiras, concretizando a paranoia coletiva que legitima a repressão e uma estrutura punitiva, baseada na ação policial violenta, que, neste caso, visa apenas à criminalização dos movimentos sociais de massa, ampliando a zona do terror espalhada pelo Estado brasileiro. Não restam dúvidas que a corda vai romper no lado mais fraco. Os terroristas terão cor, classe e ideologia.
Junho de 2013 foi uma das maiores insurgências populares da história do Brasil. É vulgar a manobra orquestrada – da grande mídia, da direita e do governo – de esvaziamento da luta dos movimentos sociais por meio da criminalização. Não funcionou a criação do personagem do vândalo. Mas a morte estúpida e injustificável do cinegrafista Santiago Ilídio Andrade é o elemento estopim que se precisava para institucionalizar um sistema injusto que, ao invés de avançar para reformas estruturais que a sociedade brasileira carece, regride no autoritarismo punitivo.
A criminalização não é um fato novo na história do Brasil. Ela atualiza estruturas históricas nacionais e globais.
De um lado, representa a continuidade de um modelo ocidental baseado no exercício do biopoder difuso e multifacetado que atinge seu ápice no neoliberalismo do século XXI. A modernidade e o capitalismo reforçaram discursos conservadores sobre a “normalidade”, tendo como consequência a marginalização e a criação de grupos “delinquentes” para os quais só resta a lógica punitiva, como já mostrava Michel Foucault. Isso ganha uma nova roupagem na virada do milênio com o que John e Jean Comaroff chamam de “fetiche pela lei”, que procura exorcizar os fantasmas do Estado, que supostamente detêm a custódia da civilidade contra a desordem.
De outro, temos a nossa modernidade tupiniquim, sentida pelos operadores públicos como eternamente incompleta no simulacro dos países desenvolvidos. A história do Brasil é repleta de exemplos sobre a criação do personagem “marginal” – o que fica à parte da modernidade. Capoeiras, ambulantes, pobres, manifestantes. Todos deslocados de nosso sonho que nunca alcançamos: a cidade moderna onde as elites consomem e flanam com tranquilidade. Para com os grupos “marginais”, em uma nação fundada na invasão, no extermínio e no estupro das populações nativas – estas também fora de lugar – aplica-se apenas uma medida: a violência.
Mas o século XXI no mundo como um todo apresenta novas características que apontam para um retrocesso de conquistas democráticas e plurais. Há um aperto conservador que vem ocorrendo em diversos campos. Eventos que parecem, à primeira vista, completamente distintos, na verdade, compõem o amplo corolário neoliberal da virada do milênio, em tempos nos quais os grandes paradigmas que governam o mundo têm sido questionados: a propriedade de ideias, o estado-nação, os sistemas tradicionais de informação, a política, a religião.
A lei antiterrorismo não emerge do vácuo histórico: mas do medo da perda do controle da tão desejada e necessária ordem que, em nome “dos cidadãos de bem”, apenas visa manter as estruturas políticas, econômicas, comunicacionais e religiosas dominantes. Trata-se de uma tentativa desesperada de calar a sociedade civil no ano de Copa do Mundo, que em vez de protestos, deveria mostrar um evento pirotécnico e uma população domesticada, que docilmente senta-se nos estádios ou toma uma cerveja em frente a sua tela plasma conquistada em um pagamento de 12 vezes com juros. Ela deveria chorar de emoção com o gol da seleção enquanto “inglês vê” as maravilhas conquistadas pelo crescimento econômico brasileiro. Malditos vândalos que não entendem que o Brasil está progredindo e que querem atrapalhar a nossa grande festa da modernidade.
Não vai ter espetáculo. Arma-se, ao contrário, um grande circo que aponta para o fracasso das estruturas democráticas brasileiras, em que o governo se vale das mesmas armas sórdidas das quais foi vítima no passado.
O que está por trás da lei antiterrorismo é uma caça às bruxas em nome das “pessoas de bem”. Por isso é bom lembrar o significado das expressões bem e mal. São categorias que se polarizam na história do ocidente e da Igreja Católica, dividindo o céu e o inferno. Os cidadãos de bem, é claro, seguindo fielmente as regras dominantes, assumem o seu lugar no paraíso. Endossado pela grande mídia que vê seu poderio ameaçado, o bem é uma categoria falsa e vaga para manter a velha e boa ordem que conjuga conservadorismo econômico, religioso e político.
O mundo dos movimentos sociais, entretanto, não se pauta pelos valores como o bem e o mal, mas pela ética e a justiça. A ética reside na possibilidade de exercer cidadania, de ir e vir, de reivindicar, de escolher e de circular. Não há critérios éticos nem justos para definir terrorismo. Serão critérios discriminatórios generalizantes que, em nome da paz e do bem, apenas visam espalhar aprisionamento, medo, sangue e tortura entre aqueles que não se enquadram nas regras do espetáculo.
Lei antiterrorismo é fruto do medo que gera ainda mais medo. Medo de que as coisas fujam da “normalidade”. Ao longo da história, em nome do “bem”, muitas vidas inocentes já foram executadas para no fim das contas manter a ordem. E se não barrarmos imediatamente esse absurdo, a zona do terror só tende a se ampliar.
* Rosana Pinheiro-Machado é cientista social, antropóloga e professora de Antropologia do Desenvolvimento da Universidade de Oxford.
http://www.cartacapital.com.br/sociedade/terrorismo-e-inquisicao-a-brasileira-2494.html