Brasil | Anielle Franco: “Somos semillas de Marielle, pero ¿quién se encarga de esas semillas?”

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Por José Eduardo Bernardes

“Somos sementes de Marielle, mas quem cuida das sementes de Marielle?”, questiona Anielle Franco.

A violência direcionada à mulheres eleitas para mandatos parlamentares no Brasil, tem preocupado a irmã da vereadora Marielle Franco (PSOL) – assassinada, junto a Anderson Gomes, seu motorista, em 14 de março de 2018, no Rio de Janeiro, em uma emboscada que, três anos depois, ainda permanece sem respostas.

“Ver cada mulher que representa a Mari, cada mulher que veste a camisa, cada mulher que assinou e se comprometeu com a agenda Marielle Franco, me deixa emocionada, mexida. Mas também me deixa muito preocupada”, conta Anielle.

Uma pesquisa organizada pelo Instituto Marielle Franco, que é presidido por Anielle com o objetivo de manter o legado da vereadora carioca, é um dos motivos para apreensão da ativista.

O levantamento ouviu 142 candidatas negras que participaram das eleições municipais de 2020 e descobriu que 98,5% delas sofreram algum tipo de violência durante o pleito.

As eleições de 2020, inclusive, são marco negativo para o país: foram mais de 150 casos de violência (cinco deles assassinatos) contra políticos, um aumento de 200% em relação às ultimas eleições.

Após a eleição, vereadoras negras eleitas foram ameaçadas de morte em várias cidades do país. Em São Paulo, a vereadora Erika Hilton (PSOL-SP), teve seu gabinete invadido por um homem que afirmava ser responsável por ataques virtuais feitos à parlamentar.

“Acho que os números de 2018 já comprovaram que muita gente vem a partir dela [Marielle], se inspirando nela. São sementes de Mari, que precisam ser regadas, precisam ser cuidadas, como uma planta mesmo, senão, elas podem inclusive morrer”.

Na conversa exclusiva para o programa BDF Entrevista desta semana – produzido pelo Brasil de Fato, que vai ao ar todas às sextas-feiras na Rede TVT – Anielle também fala sobre as investigações do caso de Marielle, os levantes do movimento negro no Brasil e no mundo e as lutas do mês de março, encabeçadas pelo Dia Internacional da Mulher.

“Março é um mês de muita luta, mas depois de 2018 se tornou um mês de resistência e muita saudade para a gente. Acalenta e nos inspira demais ver tantas fotos da Mari, tantas homenagens. Mas é um mês que a gente não pode deixar de olhar o que está acontecendo»

Anielle afirmou ainda que «muitas mulheres estão passando por necessidade, por violência, seja ela política ou com seus parceiros. É um mês no qual a gente cerra nossos punhos e fala que a gente vai resistir, que vai adiante”, reiterou a ativista.

Confira alguns trechos da entrevista:

Brasil de Fato: Nos últimos três anos, imagino que o mês de março tenha ganhado um outro significado para você, não?

Anielle Franco: Março é um mês de muita luta, mas depois de 2018 se torna um mês de luta, resistência e muita saudade para a gente. Acalenta e nos inspira demais ver tantas fotos da Mari, tantas homenagens. Eu já recebi uns 8 vídeos só hoje, com mulheres incríveis falando dela, citando.

Mas é um mês que a gente não pode deixar de olhar o que está acontecendo. É um março que a gente vê muitas mulheres passando por necessidade, passando por violência, seja ela política, seja violência com seus parceiros.

É um mês no qual a gente cerra nossos punhos e fala que a gente vai resistir, que vai adiante. Não só por nós, mas por nossas filhas, pelas que vieram antes, por Marielle, por todas as outras que nos inspiram.

E é um mês que a gente se inspira, um mês que a gente luta, um mês que a gente chora, que a gente lembra de muita coisa que a gente caminhou, mas entende que tem muito chão pela frente.

O assassinato da Marielle teve uma influência direta na maneira como os parlamentos Brasil à fora se transformaram desde 2018. Esse é o maior legado de Marielle?

Eu costumo dizer que a Mari tinha uma missão a ser cumprida. Eu prefiro acreditar dessa maneira. Quando eu paro e penso em todas as sementes, é óbvio, que particularmente eu queria que outra pessoa fosse essa semente, preferia mil vezes estar com a minha irmã viva. Mas eu entendo a importância e a grandiosidade, o gigantismo que a Mari toma e se torna após o assassinato dela.

Acho que os números de 2018 já comprovaram que muita gente vem a partir dela, se inspirando nela, mas ao mesmo tempo, essas sementes da Mari não podem ser vistas somente dentro da política institucional e parlamentar.

Ver cada mulher que representa a Mari, cada mulher que veste a camisa, cada mulher que assinou e se comprometeu com a agenda Marielle Franco, me deixa emocionada, mexida. Mas também me deixa muito preocupada. Eu acho que a virada de chave é: somos sementes de Marielle, mas quem cuida das sementes de Marielle?

Porque todas as mulheres que estão colocando seus corpos à disposição, com muita coragem, e se candidatarem, mesmo depois do que ouve com a minha irmã, me deixa muito preocupada.

A gente está vindo de uma eleição de 2018 agressiva, uma eleição tóxica. Chega em 2020 e é uma eleição bem pior, com inúmeros casos de violência política, e as mulheres estão aí, tentando exercer seus mandatos, tentando crescer, fazerem suas vozes serem ouvidas, mas diante de muita violência. São sementes de Mari, que precisam ser regadas, mas precisam ser cuidadas, como uma planta mesmo, se não, elas podem, inclusive, morrer.

Tivemos uma reunião com a vereadora Ana Lúcia [Martins] (PT-SC), de Joinville. Ela falava e eu me arrepiava, ficava muito preocupada quando ela dizia: “a minha segurança continua à deriva, eu continuo sem ter grana para ir ao meu mandato e voltar para a minha casa sem me sentir segura”.

E não é só contra as mulheres negras. Elas são a ponta desse iceberg, elas estão ali, sendo literalmente, as primeiras a serem atacas, mas a gente pega o caso, por exemplo, de Isa Penna (vereadora do PSOL-SP), sendo assediada na frente de todo mundo e ninguém faz nada. É inadmissível.

Acho que tem essa coisa do não seremos interrompidas, não nos calaremos, mas tem que ter ação. Quando o Estado brasileiro vai dar, de fato, alguma proteção para essas mulheres que estão eleitas, para que não aconteça o que aconteceu com a minha irmã? A gente não sabe.

Como andam as investigações do caso? Recentemente, o deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ) comentou sobre novidades no caso. 

Eu espero que a gente consiga descobrir, de fato, quem mandou matar a Mari. Isso é uma das coisas mais importantes desse caso, a gente segue esperançosas que exista alguma pista, alguma resposta, alguma coisa e que a gente não precise esperar mais três anos para sabermos qualquer coisa sobre esse caso.

Eu entendo que é uma investigação muito complicada. Eu sempre digo que a gente nunca quer colocar a Marielle em um pedestal: que esse crime seja resolvido e outros não. Jamais faria isso. Mas eu digo que é um crime muito bem arquitetado, um crime político, que envolve disputas políticas que a gente talvez nunca saiba o real motivo.

O Movimento Negro também se transformou nos últimos anos. E principalmente em 2020, os atos de rua mostraram que talvez seja necessária outra abordagem para dar fim ao racismo.

Infelizmente esses levantes vêm a partir da morte de alguém, de um dos nossos. A gente está muito cansado, é muito duro você acordar todos os dias com algum tipo de matéria, de que um dos nossos foi tombado.

O caso do George Floyd me marcou bastante, o “I Can’t Breathe”, e foi um momento marcante, para mim inclusive, incrível ver a foto da Mari lá fora nas manifestações nos Estados Unidos. E acho que a gente não volta atrás nunca mais.

Cada dia vem se tornando mais forte e agressivo porque ou eles vão fazer com a gente, ou não vão fazer. Não dá mais para aceitar, chegar mais para trás na cadeira e assistir mais um dos nossos morrer a cada dia que passa, a cada 23 minutos.

Brasil de Fato


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