Celso Amorim, ex-chanceler: «México e Argentina podem formar ‘eixo do bem’ na América Latina»
Por Rafael Targino
O ex-chanceler Celso Amorim disse, durante entrevista exclusiva concedida na última segunda-feira (11/11) a Opera Mundi e ao coletivo QuatroV, que a América Latina atravessa um momento histórico muito importante e que, neste contexto, México e Argentina, que têm (ou terão, no caso do nosso vizinho) governos de esquerda, podem representar um “eixo do bem” no continente.
“É um momento muito importante para a América Latina, e isso preocupa muito a direita continental. O Brasil, agora, está do outro lado, mas Argentina e México podem formar uma espécie de “eixo do bem” na região, contrariamente ao “eixo do mal”, de que falava o [ex-presidente dos EUA George W.] Bush, disse.
O México é governado por Andrés Manuel López Obrador, representante da esquerda, e a Argentina, a partir de 10 de dezembro, será liderada pelo peronista Alberto Fernández, tendo a ex-presidente Cristina Kirchner como vice.
Amorim se referiu ao Grupo de Puebla, que reúne intelectuais e políticos da esquerda latino-americana – e do qual o próprio ex-chanceler participa -, como um instrumento para pensar a região e atuar frente a outros blocos. “O Grupo de Puebla é muito importante porque tem capilaridade. Acho que um desafio nosso é nos aproveitarmos de um mundo multipolar, não dominado por um único país. Nenhum país da América Latina, nem o Brasil, é grande o suficiente para lidar com esse mundo de blocos. Mas a América Latina é. E o Grupo de Puebla pode ajudar nisso”, afirmou.
“A América Latina não é uma só, são muitas, porque cada lugar tem suas características, mas, por outro, lado, tem uma desigualdade imensa e a dependência em relação ao poder hegemônico do continente, que são os EUA. Acho que essas duas coisas caminham juntas de alguma maneira, e o Grupo de Puebla pode ter um papel importante nisso”, disse.
Bolívia
E a Bolívia é, talvez, o país latino-americano mais em evidência no momento, por conta do golpe que levou à renúncia do presidente Evo Morales no último domingo (10/11). Para Amorim, o racismo e o rancor da elite boliviana, que nunca aceitou um líder indígena cocaleiro, desempenharam um grande papel na queda.
“O ressentimento, os rancores e ódios das classes dominantes bolivianas nunca aceitaram que um índio cocaleiro pudesse ser Presidente da República e fazer uma política de distribuição de renda, de benefício para os mais pobres. As elites bolivianas nunca aceitaram que um líder cocaleiro pudesse ser presidente”, disse.
Amorim, que chefiou o Itamaraty nos governos de Itamar Franco (durante o qual ocupou o posto entre 1993 e 1995) e Luiz Inácio Lula da Silva (entre 2003 e 2011), relembrou uma conversa que teve com Morales sobre o assunto.
“Em 2008, eu visitei a Bolívia, juntamente com o chanceler da Argentina, [Jorge] Taiana, e com o chanceler interino da Colômbia. E o Evo, na conversa particular que tive com ele, que durou muito tempo, falou: ‘querem tumbar el índio’ [querem derrubar o índio]”, contou.
Na mesma época, Amorim disse que se encontrou com representantes da direita boliviana, e que sentiu total inflexibilidade por parte deles. “Esse pessoal, encarnado principalmente pelo [Luis Fernando] Camacho, não quer conversa. Dessa vez em que estive na Bolívia, aproveitei também para ter conversas com líderes da direita. Eles são radicalmente contra a ascensão dos índios”, afirmou.
Lula
Amorim também falou sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que foi libertado no último dia 8 de novembro. Para ele, o petista virou um símbolo não só da esquerda, mas da “justiça social”.
“Depois da prisão, ele virou um símbolo do que é a luta por justiça social. Vinham [visitar o ex-presidente na cadeia] pessoas de esquerda tipo o [francês Jean-Luc] Mélenchon, que não era nenhum radical, nunca tocou fogo na Bastilha nem nada, mas também da social-democracia alemã. O Brasil era o único país em que uma prisão de província era mais visitada do que o palácio presidencial”, disse.
O ex-presidente, em entrevista exclusiva a Opera Mundi em setembro, chegou a dizer que Amorim foi “o melhor chanceler do mundo” no período em que ocupou o Ministério das Relações Exteriores durante o período petista no poder. Por sua vez, o chanceler disse que era “muito fácil ser chanceler do Lula”.
“O Brasil era requisitado. As pessoas todas queriam sair na foto com o Lula, e não era só a esquerda não. A direita pensante – claro que a extrema direita não – também: [o ex-presidente francês Jacques] Chirac, o Bush… o Bush veio aqui e botou o capacete da Petrobras na cabeça. Eu nunca pude imaginar isso, eu que sou antigo, da época do ‘petróleo é nosso’…”, contou.