Paulo Arantes: para militares brasileiros, Venezuela é uma Síria em potencial

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Por Marco Weissheimer

Em entrevista concedida ao Brasil de Fato, em novembro de 2018, Paulo Arantes, professor de Filosofia aposentado da Universidade de São Paulo (USP), definiu assim o que chamou de “encrenca brasileira”: “abriu-se a porteira da absoluta ingovernabilidade no Brasil”. Nos primeiros dias de janeiro de 2019, Paulo Arantes participou, em Porto Alegre, de uma conversa com um grupo de lideranças políticas, sindicalistas, professores universitários e representantes de movimentos sociais sobre o cenário político que se abre no país a partir da vitória de Jair Bolsonaro nas eleições do ano passado. O ponto de partida dessa conversa foi o detalhamento desta noção de ingovernabilidade que, na avaliação de Arantes, é um fenômeno que não se restringe ao Brasil.

Segundo ele, o Brasil tornou-se ingovernável não no sentido mais tradicional da palavra, de que não possa haver um governo e instituições formalmente funcionando, mas sim em um sentido mais profundo: falta o que governar, o que vai se governar exatamente? Em sua reflexão sobre as raízes dessa governabilidade, Paulo Arantes recua até 1964, quando a democracia foi interrompida no Brasil por um golpe de Estado. Para ele, a ideia de um que país periférico como o Brasil pudesse se tornar uma democracia com desenvolvimento social “foi rifada em 64”. Essa inviabilidade vai se tornar ainda mais evidente com a eleição de Collor, em um momento em que o capitalismo vivia um processo de reestruturação produtiva em nível internacional.
“A partir da redemocratização, violência passou a ser o nexo social central”

Neste momento de “catástrofe nacional”, no entanto, assinala Arantes, emerge um partido de massas, renovando as energias utópicas na sociedade brasileira. Para ele, porém, essa novidade que foi a criação do Partido dos Trabalhadores, ignorou o diagnóstico da inviabilidade de construção de um projeto nacional, estabelecido em 64. “Havíamos batido no teto e a lógica era outra. A partir do período da redemocratização, a violência passou a ser o nexo social central”, sustenta. A sociedade estava mudando radicalmente e isso não foi percebido como deveria ser. O PT cresce, obtém sucessivas vitórias eleitorais e começa a irrigar esse “campo catastrófico” (uma sociedade onde a violência vai se tornar o principal nexo social) com dinheiro, via políticas públicas. “Isso ruiu. Não se governa mais. É disso que se trata”, resume.

No Rio de Janeiro, exemplifica, as milícias tem poder suficiente para esnobar os políticos, já administram vastos territórios e fazem parte da ingovernabilidade. Em São Paulo, o PCC (Primeiro Comando da Capital), os evangélicos, os agentes do Estado e os trabalhadores precarizados habitam mundos incomunicáveis. “A única coisa que os reúne é o dinheiro. Tem que circular uma grande massa de dinheiro nas periferias, se não a coisa explode”. Os governos do PT, na opinião do professor, executaram com primazia um conjunto de políticas compensatórias, apoiadas pelo Banco Mundial, mas esse modelo bateu no teto.

“As periferias estão por toda parte”

Na avaliação de Paulo Arantes, não há mais possibilidade de um planejamento estratégico em um país como o Brasil. “Fazemos parte de uma sociedade global que está se periferizando. A diferença entre o Brasil e a França não é mais tão grande. As periferias estão por toda a parte. O mundo inteiro está nestas periferias. Não temos mais uma sociedade salarial. Quem herdar essa massa falida vai governar o quê? “, questiona. Para o professor da USP, o círculo militar que cerca Bolsonaro tem esse diagnóstico em mente. Ele chama atenção para uma recente entrevista do general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), onde ele disse: “se o governo não der certo, a única coisa que a minha geração terá visto dar certo foi o Pelé jogar bola”. A entrelinha dessa declaração, avalia Paulo Arantes é: essa é a última cartada que nós temos. Há um colapso do sistema andamento e precisamos (nós, militares) entrar em campo. E pensam: Se conosco não der certo….

Ele destaca outra marca importante do diagnóstico que os militares fazem sobre a situação do Brasil e do mundo. A maior parte do staff militar de Bolsonaro é formado por veteranos da contra-insurgência, como é o general Augusto Heleno, que comandou a força militar do Brasil no Haiti. “Eles sabem que poder militar depende de industrialização e que não dá mais. Ficamos muito para trás (com o processo de desindustrialização que o país viveu nas últimas décadas). Além disso, eles preveem que vem aí um grande conflito

mundial, envolvendo Estados Unidos, China e Rússia, e que o Brasil precisa se realinhar imediatamente. Para eles, há uma Síria do nosso lado, que é a Venezuela, onde a Rússia, a China e outros países já estão presentes. Se a Venezuela explodir, o conflito vai vazar por todas suas fronteiras. Esse diagnóstico explicaria a velocidade com que o novo governo aderiu à agenda política dos Estados Unidos.

“A construção da sociedade do trabalho foi para o brejo”

Como é que a esquerda pode se contrapor a esse cenário? – questiona Paulo Arantes. O início de sua resposta a essa questão: “não é com um programa de 40 anos atrás”. Para ele, a esquerda de um modo em geral e, em especial, o PT, não deu a devida a atenção para as profundas mudanças que aconteceram na sociedade brasileira. “Acabou a utopia varguista da carteira assinada. Não tem mais solução pelo pleno emprego no mundo inteiro. A construção da sociedade do trabalho foi para o brejo”, opina. A direita e a extrema-direita, por outro lado, entenderam muito melhor o que estava se passando, avalia. “A era de direitos humanos pós-guerra fria está encerrada. O renascimento da política se deu com a extrema direita. Ela reinventou a luta política no mundo.”

O corolário desse avaliação, para a esquerda, conclui Paulo Arantes, passa, entre outras coisas, pela atualização do diagnóstico acerca do tipo de sociedade na qual vivemos hoje, com a formação de crescentes periferias ingovernáveis pelo mundo inteiro. Além disso, esse diagnóstico deve vir acompanhado por novas respostas a questões nada singelas, como, por exemplo: o que fazer, do ponto de vista da luta política de esquerda, em uma sociedade onde a violência passou a ser o principal nexo social?

Sul21


Entrevista: Paulo Arantes, professor de Filosofia aposentado da Universidade de São Paulo (USP)

Abriu-se a porteira da absoluta ingovernabilidade no Brasil, diz Paulo Arantes

Conhecido por definir o Brasil como uma «democracia de baixa intensidade» ou «democracia racionada», o filósofo Paulo Arantes não explicaria o fenômeno Bolsonaro por essa perspectiva. Para analisar a vitória do candidato da extrema direita nas eleições deste ano, o professor aposentado do departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP) questiona, inicialmente, qual é o tipo de regime que vivemos desde o fim da ditadura militar (1964-1985). Segundo ele, o Brasil está ingovernável e o pilar desse contexto é o renascimento da política como luta.

«A encrenca brasileira é essa: abriu-se a porteira da absoluta ingovernabilidade no Brasil. O que nós temos agora é um comportamento destrutivo da classe dominante brasileira que está apostando todas as fichas em tirar sua castanha do fogo com o braço da delinquência fascista. Ferre-se o resto. E isso é realmente o inacreditável. Houve várias chances de acordo desde que se instaurou a crise na Era Lulista. Mas eles resolveram puxar o tapete, fazer o impeachment e abrir a porteira do inferno. Um caos político e social», avalia, em entrevista ao Brasil de Fato.

Arantes foi um dos mais importantes intelectuais ligados ao Partido dos Trabalhadores (PT) até romper com o partido, em 2003. Autor de 12 livros e importante pensador marxista, ele avalia que o campo popular precisa mirar sua política para além da próxima eleição.

«O prisma para se entender o que ocorreu agora é o renascimento da política. Nós não imaginávamos. Quando eu digo nós, eu estou falando, sobretudo, da esquerda. Nós estávamos completamente anestesiados com um tipo de esquerda que se consagrou com a abertura [pós ditadura], dos anos 1990 em diante, que é uma esquerda que pensa em governo e não se imagina fora dele, uma esquerda para governar. Essa é a grande novidade do petismo e, portanto, gestionária», argumenta o filósofo.

Confira a entrevista na íntegra. 

Brasil de Fato: Você sempre alertou para o que chamamos de «democracia de baixa intensidade». E agora, nestas eleições, tivemos a consolidação de candidatos como Jair Bolsonaro e uma bancada forte de deputados, por exemplo, do MBL [Movimento Brasil Livre], de movimentos que pautaram sua campanha no ódio, em posições antidemocráticas. O que significa a ascensão destes movimentos neste contexto?

Está todo mundo em um estado catatônico. A expressão «democracia de baixa intensidade» não sei se ainda a adotaria. É uma analogia com «guerras de baixa intensidade». O Lincoln Secco prefere uma denominação do [Carlos] Marighella, democracia racionada.

Por um lado, eu acho que eu não começaria discutindo pela questão da democracia para entender o fenômeno Bolsonaro. Não é que tenhamos uma democracia ruim, incompleta, de baixa intensidade, racionada, assim por diante, que tornou possível a vitória dele. Teria sido possível uma vitória do outro lado e, nem por isso, eu iria desqualificar porque a democracia não é intensiva, digamos assim. Eu acho que a boa pergunta seria que regime é esse no qual nós vivemos desde o fim da ditadura?

O prisma para se entender o que ocorreu agora é o renascimento da política. Nós não imaginávamos. Quando eu digo nós, eu estou falando, sobretudo, da esquerda. Nós estávamos completamente anestesiados com um tipo de esquerda que se consagrou com a abertura [pós ditadura] em diante, dos anos 1990 em diante, que é uma esquerda que pensa em governo e não se imagina fora do governo. Uma esquerda para governar. Essa é a grande novidade do petismo e, portanto, gestionária.

De tal maneira nós estávamos impregnados por essa ideia que nós, de certa maneira, tínhamos abandonado a ideia clássica de política como conflito social canalizado em torno de algumas grandes expectativas – e nos aferramos à ideia de gestão, governo e administração. E eu acho que estava subentendido que não haveria mais política. No fundo, era isso: a política tinha se resumido na disputa dos fundos públicos e políticas orçamentárias alternativas e como encaminhar esses fundos através de políticas públicas conquistadas ou implementadas através de negociações com o Congresso, lobbys e assim por diante.

A ideia de eleição ou alternância de poder praticamente era uma rotina sem nenhum significado político. Isto é, por mais acirrados que fossem os embates nas campanhas eleitorais que acontecessem de dois em dois anos – e dá uma ilusão de mobilização em torno de projetos, mas são projetos de poder em disputa eleitoral. E isso não muda estruturalmente nada. Se a gente imagina a alternância do FHC e Lula, a política econômica basicamente tem um fundo comum. Tanto é que se tira e põe o [Henrique] Meirelles, que é pau para toda obra. Nós achávamos que não haveria mais inovação política, que seria representada pelos dois projetos que se alternavam, tucanos, ortodoxia e um governo social, digamos assim. Mas o pano de fundo era o mesmo. Nós, nos anos 1990, definimos quais eram os dois projetos em disputa e, a partir disso, eles poderiam se alternar sem que houvesse nenhuma quebra, nenhum tipo de ruptura.

O que, de certa maneira, indica que nós havíamos desistido da ideia de política enquanto transformação ou como conquista, luta. Ora, a direita reinventou isso. Nós estamos presenciando um retorno da política pela extrema direita, se nós imaginarmos que havia um bloco só de centro-direita e centro-esquerda que convergia ao centro e a política era uma variação macroeconômica em torno disso e uma maior intensificação ou não de programas sociais compensatórios, emancipatórios.

Do ponto de vista do rumo nacional a ser disputado, nada mais poderia ocorrer. E eis que de maneira surpreendente, a partir de 2013, aparece uma nova direita. E essa nova direita dá um trança-pé e contorna a centro-direita e a centro-esquerda ao mesmo tempo, o que faz com que ambas apareçam configurando um só establishment. Então, o lulismo está sendo defenestrado assim como o tucanismo, porque são identificados como parte do establishment. Não é apenas demagogia populista contra o sistema porque eles foram identificados como tal, são governos. E a grande reviravolta que aconteceu foi contra o establishment. E em condições que nem a esquerda mais exasperada poderia imaginar.

Como o senhor avalia o papel das fake news nesse contexto?

Por mais que se fale em financiamento externo ou fake news, isso é absolutamente irrelevante. O fato de que um pequeno grupo folclórico, até então, de extrema direita conseguiu, por uma espécie de sexto sentido, enxergar alguma coisa diante de si e, pelo simples faro, dizer ‘é a nossa hora’ e contornar um sistema político e de financiamento de campanha, contornar os grandes partidos políticos, golpear a mídia e fazer quase 60 milhões de votos. Em cinco anos. Exatamente de 2013 a 2018. Essa é a novidade.

Ora, em função dessa grande novidade, que é uma ameaça, a pergunta pela democracia fica prejudicada. A pergunta é: o que estamos entendendo por democracia quando nós entendemos essa grande vitória política da extrema direita como uma ameaça à democracia? Que democracia existia antes que nos estão ameaçando? E, se nós ganhássemos, que tipo de democracia era essa que permitiria esse tipo de vitória?

Então, eu acho que não raciocinaria nestes termos. Eu disse de maneira clara e fazendo uma tirada, se existe alguma política leninista no Brasil neste momento, ela foi feita pela extrema direita. Havia uma vanguarda informal. Eles se organizaram, interpretaram um movimento de rebelião de massas que foi 2013, disseram para aqueles que foram às ruas qual era o programa deles (que eles não sabiam ao certo qual era, não era apenas corrupção), o que eles estavam buscando, por que eles estavam indignados, por que a corrupção os deixava naquele estado, o que significava os megaeventos… E, em três anos, derrubaram a presidenta. Souberam surfar num golpe malogrado. O impeachment era golpe de centro-direita clássico que não deu o que eles imaginavam, que era reconduzir e abreviar essa alternância que estava se prolongando demais. Eles aproveitaram a primeira chance para encurtar o caminho. Mas quando eles atalham o caminho, é outro bloco que entra e leva a rapadura.

Isso é uma coisa inacreditável. Ninguém imaginava que isso pudesse acontecer. E aconteceu só que não é um grupo organizado. É um grupo exaltado, com princípios mais exóticos e anti-democráticos possíveis e que não sabe bem o que quer, em termos programáticos. Eles não têm programa de governo. É qualquer coisa que abra para a economia de pilhagem, que vai acontecer. É como se fosse um conglomerado de lobbies que vai disputar anos de poder econômico, que vai se desmanchando.

E o pano de fundo, a trilha sonora da extrema direita que garante o apoio popular e de massas eleitoral para esse projeto que não existe. Se perguntarem qual é o programa de governo deles, ninguém saberia dizer.

Esses movimentos se sustentaram, nos últimos cinco anos, pelo discurso de ódio e por um antipetismo latente. Como eles vão conseguir, no governo, se sustentar sem projeto de governo? Eles vão conseguir permanecer sustentados apenas por esse ódio e alimentando esse inimigo? O Bolsonaro em sua primeira entrevista, por exemplo, não abriu mão do projeto de tipificar movimentos como o MST como terroristas…

Tudo aparece como uma catástrofe de tal envergadura que temos a tendência de falar em um antes e depois. Claro que há um antes e um depois. E o que vem por aí não se sabe direito. Mas acontece que não há uma ruptura com o que tinha antes. Quando se fala em criminalizar os movimentos sociais, há quanto tempo nós falamos em criminalização dos movimentos sociais? E há quanto tempo nós estamos em uma coalização democrática popular? Não é preciso acrescentar nenhuma legislação nova para enquadrar qualquer movimento social.

É uma intensificação de coisas que já vinham ocorrendo por um período histórico. Não houve, nenhum momento, talvez nos fins dos anos 1980 – talvez até 1987 no caso do MST em que ele fosse considerado um protagonista social construtivo, que a ruptura dele era encarada como um benefício geral para o país, com reforma agrária, entre outras coisas. Isso foi um breve instante em que isso ocorreu. Fora esse breve instantes, eles sempre foram criminalizados, massacrados. Massacre de camponeses ainda é uma coisa recorrente no Brasil. De modo que, quando dizem que agora haverá uma tipificação penal em que movimento social passa a ser terrorista e uma ocupação passa a ser um ato de terror e será reprimido como tal; do ponto de vista dominante, isso sempre foi encarado assim. Nosso temor é que essa ameaça se cumpra de maneira mais intensificada e mais generalizada. É uma diferença de grau para o que tinha antes, mas não uma mudança qualitativa, que antes não havia e agora tem.

Eu acho que a resistência se equivoca um pouco achando que é tudo absolutamente novo e nós estamos desarmados. Nós já estávamos desarmados há muito tempo. Algo que é novo é essa nova direita nas ruas, há cinco anos, e com um eleitorado de 60 milhões que optou pela figura do ódio, raiva, preconceito.

O senhor tem evitado caracterizar esse movimento como fascista, mas afirmou que estamos em um período em que monstros aparecem. O Mano Brown, em um comício, deu uma declaração parecida e disse que viu «muito dos seus se tornarem monstros». Como podemos caracterizar esse fenômeno?

Raiva, ódio, rancor, ressentimento não nascem por geração espontânea. Há uma matéria-prima que estava fermentando na sociedade brasileira há muito tempo e nós não queríamos enxergar. Se nós computarmos os quase 60 milhões de votos do bolsonarismo, teria um número irrisório de pessoas que estariam dispostas a violar, linchar, matar, estuprar, humilhar e barbarizar.

O que é mais assustador é que o Bolsonaro não enganou ninguém. Ele fala disso há muito tempo. E agora passou a ser verossímil. Ele não está enganando ninguém e não há razão achar que seja apenas bravata. Então, por que que as pessoas não ligam para isso? Como não são 60 milhões de fascistas, o que significa uma maioria esmagadora de pessoas para as quais esse discurso não conta, não afeta, que podem ficar indiferentes a isso, simplesmente virar o rosto para o outro lado? Isso é o que eu acho mais terrível. Não é o fato de que o fascista seja um brutamontes e vá barbarizar – é da natureza dele, não pode fazer nada que não seja isso. O mais assustador é que haja essa imensa maioria que vira a cara para o outro lado e fica indiferente. E não é apenas por medo. Eu não diria cumplicidade porque as pessoas ficariam horrorizadas se assistissem a um ato de selvageria, com pessoas sendo oprimidas e massacradas. Mas isso não as afeta nessa vontade de ser indiferentes a um horror que é anunciado. Significa então que tudo é possível.

As comparações históricas são muito complicadas, mas no entre-guerras na Alemanha as pessoas tendiam a virar o rosto para o outro lado. Havia uma espécie de consentimento. E isso é o mais aterrorizante.

Ou chegamos a um ponto que nós não entendemos mais como uma pessoa pode raciocinar friamente, articuladamente e racionalmente quando votam e aderem [à campanha de Bolsonaro]. Eu não falo dos apoiadores fanáticos, mas aquele que faz o voto estratégico no Bolsonaro e diz que não concorda com homofobia, racismo, xenofobia. Se deve imaginar que a vida se tornou tão invivível que, mesmo alguém que fala coisas horríveis, eu tendo a dar um desconto porque eu quero mudar, não dá mais para viver desse jeito. Então, mesmo que Fulano diga que vai fazer todos os horrores que ele promete, eu acho que isso ainda não está na altura do preço que eu estou pagando pela minha vida cotidiana, como assalariado, desempregado, precarizado, esculachado de tudo o que é jeito. Tornou-se invivível para dois terços da população. É uma reação que pede algum tipo de mudança.

E, nessas circunstâncias, quem sofre diretamente é o establishment, de qualquer campo político. O antipetismo não é que as pessoas sejam burras, reacionárias, fascistóides. É como se dissessem: «Você não enxerga pelo que estamos passando e ainda nos chamam de burras e reacionárias? Nossa vida, independente de governo, tem sido uma desgraça». As políticas compensatórias, que é o jargão oficial, elas são, de certa maneira, insensíveis para o padecimento geral dos assalariados, daqueles que estão na engrenagem social. Elas protegem quem está fora, mas fecha os olhos para quem está dentro do olho do furacão. E isso é considerado intolerável e o fato de perseguirem, por exemplo, desvios da norma sexual, isso, para eles, não vai alterar nada. É apenas um bode expiatório para qual você canaliza tudo aquilo que te angustia. E esse tipo de curto-circuito não funciona mais e as pessoas sabem disso – e isso que é o espantoso porqueo bolsonarismo não está escondendo nada. Eles estão dizendo o que eram. Mesmo durante dois meses intensos de campanha. O enigma está aí. E enquanto a gente não decifrar isso vamos tomar no lombo mais uma bela temporada.

E o senhor tem uma pista?

Eu não tenho nenhuma pista que seja razoável. A gente leu quilômetros de sociologia sobre a realidade contemporânea brasileira. Mas não explica. Todo o repertório clássico de psicologia das massas para decifrar o que seria um fascismo contemporâneo, não há como encontrar uma descrição razoavelmente coerente.

É complicado imaginar por que as pessoas fizeram este tipo de aposta. Estamos realmente desnorteados e nenhuma explicação clássica satisfaz. É claro que eu posso descrever o que é bolsonarismo, da ditadura militar, posso falar da lei de anistia que não aconteceu. Mas tudo somado não dá para explicar nessa conjuntura que virou pelo avesso em cinco anos.

Outro fenômeno que aconteceu nessas eleições é o voto em Lula – que até então liderava as pesquisas de intenção de voto no primeiro turno – terem se convertido em votos para o Haddad, mas também em nulos, brancos e uma parcela se reverteu também para Bolsonaro. Quem é esse eleitorado?

Essa é a pergunta de um milhão de dólares. Os dados e mapas eleitorais ainda não foram totalmente desagregados… É difícil entender o que é uma revolta conservadora, dentro da ordem – que é uma das definições clássicas do fascismo. É um voto, para usar uma terminologia de uma socióloga americana, dos insurgentes contra os entrincheirados. Chegar ao ponto de você considerar um beneficiário de um programa como Bolsa Família como um entrincheirado, como um privilégio, não é fácil de entender isso. Eu não me contento com as explicações que estão circulando por aí. É um nó. Estamos fazendo uma entrevista sobre um beco sem saída.

Nós encontramos situações que são análogas ao que foi o fascismo histórico que é uma reação de autoproteção da sociedade. A gente não está conseguindo explicar absolutamente nada.

Então, existem 60 milhões de pessoas que nós temos que ganhar. E qual o caminho para dialogar com essas pessoas que, muito provavelmente, uma parcela delas será a primeira a sentir e ser atingido por algumas medidas desse governo?

Pois é. Como a decepção vai ocorrer rapidamente porque ele não vai entregar nada do que prometeu, vai ocorrer uma grande frustração e uma migração para o outro campo. Só que esse campo só se manifesta em movimentos eleitorais. O problema da esquerda é que ela está calculando que por mais que essa derrota eleitoral, por mais acachapante que seja, ela é recuperável. Seguramente, o vencedor vai enfiar os pés pelas mãos e não vai conseguir entregar o que prometeu. E eu digo: o Brasil está ingovernável, este é um problema fundamental.

Nós continuamos a investir na frustração possível de um eleitor que vai ocorrer, fatalmente, daqui a dois anos. Nós estamos pensando em termos eleitorais e partidários – os eleitores possíveis para implementar nossas políticas que são bem ou mal sucedidas. Nós não pensamos jamais o que foi o que aconteceu lá atrás para nós perdemos desse jeito, esse outro jeito que nós imaginávamos ser possível fazer no fins dos anos 1980 e 1990 que era política de massa. Nós continuamos apostando nisso, não no fundamento insurrecional por assim dizer – com toda a cautela possível – desse voto.

E ele foi um voto de protesto, óbvio que foi. Foi um voto para varrer do mapa tucanos, petistas. Mas nós estamos pensando que precisamos recuperar isso enquanto gesto eleitoral e não o que apareceu ali, que não é para ser trabalhado como uma massa uniforme, para mobilizar, fazer as velhas políticas antigas dos movimentos sociais. Nós não sabemos o que fazer, mas há uma coisa se preparando aí. E vai mudar.

O que PT e companhia está pensando em fazer? Exatamente o que foi feito nesses últimos cinco anos. Isso significa que a OAB, tribunais, ministérios públicos estão aí para conter a onda violenta que vem aí, esse rescaldo do fascista que ganha alguma coisa e se sente empoderado. E no médio prazo, o que nós vamos fazer? Exatamente o que eles fizeram e nós vamos repetir porque essa é a lógica: ninguém vai mais governar. Daqui a seis meses ou um ano, está correndo um processo de impeachment.

Então, nós começamos pela desestabilização via oposição e essa desestabilização é fácil fazer porque temos setores organizados, no nosso campo, que podem por areia na máquina pelos erros que eles vão cometer. Inevitavelmente, eles vão enfiar os pés pelas mãos com a Previdência, na nova reforma dentro da reforma trabalhista. Isso posto, nós começamos no Congresso a desarticular a base parlamentar deles, inviabilizar o governo e, quando a mídia também mudar (a Folha já mudou).

Mas a mídia é tucana, não é bolsonarista, ela simplesmente está tirando a lasquinha dela e mostrando que está disposta a qualquer coisa, inclusive um governo delinquente como o bolsonarismo. Mas, se não der certo, eu os rifo. Então, como essa maré vai virar, nós podemos, regimentalmente como está na Constituição brasileira, impichá-lo, como eles fizeram conosco.

Mas isso não resolveria a crise política, não?

A encrenca brasileira é essa: abriu-se a porteira da absoluta ingovernabilidade no Brasil. É o que ficou claro na greve dos caminhoneiros, quando os militares se apavoraram, porque viram que não tinham um efetivo para controlar aqui, as milícias tomaram conta em boa parte e o conflito para onde vai a conta, ficou migrando. Não há mais nenhum tipo de acordo de concertação social entre as várias categorias sociais, empresários, bancos, agronegócio… Não há mais acordo possível. Ficou claro isso nos últimos cinco anos. Tanto é que ocorreu o impeachment, que era absolutamente desnecessário.

Havia a possibilidade de um rearranjo da casa, como foi no fim da ditadura, para o campo que pode ser chamado de democrático, que vai da extrema esquerda até a centro direita, e repactuarmos alguma coisa depois nos moldes da Constituição de 1988. Como foi no fim da ditadura. Mas o que nós temos agora é um comportamento destrutivo da classe dominante brasileira que está apostando todas as fichas em tirar sua castanha do fogo com o braço da delinquência fascista. Ferre-se o resto. E isso é realmente o inacreditável. Houve várias chances de acordo desde que se instaurou a crise da Era Lulista. Mas eles resolveram puxar o tapete, fazer o impeachment e abrir a porteira do inferno. Um caos político e social.

Você acompanhou a trajetória do PT, desde o seu início. E agora, se encerra um capítulo para o partido. Quais são as perspectivas para o partido?

Encerra, mas não encerra. O futuro do PT não é dos mais terríveis não. A perspectiva deles não é desoladora, nós é que estamos agoniados e aflitos. Eles têm a primeira bancada no Congresso, governadores no Nordeste, militância e um partido estruturado. O PSL é um partido socialmente desqualificado. Não há nenhuma força no campo popular capaz de substituir o PT com verossimilhança e como alternativa de poder e voto. Então, eles pensam, nós estamos no caminho. Enquanto não aparecer nada que nos suplante enquanto alternativa de poder e política social, por inércia, toda a política progressista de esquerda no Brasil cai no nosso colo. É inevitável. Não é ganância, sede de poder hegemônico. Eles querem sempre hegemonizar tudo, mas não podem fazer de outro jeito. O PT está atravessado no meio do caminho e a esquerda que está à esquerda do PT não ofereceu nenhuma alternativa credível. Para eles, a perspectiva não é ruim não. Eles podem, inclusive, perfeitamente ganhar a prefeitura daqui a dois anos.

E aí continua o jogo e isso é o mais incrível dessa conjuntura. Nós estamos aqui agoniados e o empenho deles é normalizar toda a situação. Não é que eles estão dizendo que o Bolsonaro seja bonzinho, normalizado que ele possa ser, assimilado, incorporado e será amansado se colocarmos uma focinheira nele durante quatro anos. Eles estão se comportando como se isso fosse possível, então é o que basta. Se disputa eleição, as instituições, o sistema eleitoral e o TSE estão aí, então nós vamos fazer uma campanha que nós sabemos que vai ser feita na mídia social, não mais com financiamento direto. E nós podemos voltar ao poder e continuar a não sair. Isso é o inacreditável.

Nós estamos ainda, por assim dizer, na era Geisel. Trata-se de neutralizar os dois extremos. E como se neutraliza um dos extremos? Fingindo que ele não é um extremo, procedendo normalmente para a próxima campanha eleitoral.

Você citou um texto de um colunista da Folha dizendo que o Bolsonaro é o anti-Geisel. A gente está nessa era Geisel, mas vem o Bolsonaro e ganha?

Ele é o anti-Geisel, não o anti-Lula. Todo o comportamento do petismo, do lulismo é impedir qualquer tipo de radicalização, dizendo «nós não somos nenhuma ameaça ao ordenamento jurídico, ao poder estabelecido, nós acatamos». O Lula foi vítima de uma injustiça política, um erro judiciário, mas há duas outras instâncias ainda para corrigir esse erro. Ele não fugiu do país, não foi embora, não chamou a insurreição, acatou às leis, mas com o desejo de que seja feita a justiça porque é inocente e foi condenado sem provas. Isso é dizer: «não temos nada a ver com esse extremo, cedo ou tarde o bolsonarismo vai cair». Essa assombração social não vai refluir, esse é o problema. E ele se comporta como se fosse um acidente de percurso e a normalidade vai continuar a imperar, com todas as instituições e partidos. Vão, finalmente, reconhecer que o PT não é nem um bicho de sete cabeças, nem um extremista, não é radical, é uma alternativa de governo que está se revezando há muito tempo.

Com relação à academia, a gente viu, nas últimas semanas, uma perseguição com relação a alguns manifestos e o senhor chegou a ser citado pelo próprio Bolsonaro nessa questão do Haddad, dizendo que o senhor era um doutrinador marxista. Qual é o papel da universidade nesse sentido? Quais são as ameaças para a produção do conhecimento em um governo Bolsonaro?

Por enquanto, é pura especulação. O que a extrema direita faz, além de aprontar, aterrorizar e atemorizar? Só sabem fazer isso. Por exemplo, as grandes escolas da Universidade de São Paulo (Direito, Politécnica e Medicina) já são conservadoras, com professores titulares conservadores, que têm seus próprios centros de financiamento e fundações, então já é de direitta.

Bom, então o que eles vão fazer? Vão pegar as três unidades que são caracteristicamente de esquerda na Universidade de São Paulo (Filosofia, ECA e Educação). Eles podem fazer piquetes para atemorizar professores e alunos, vai haver denúncia em sala de aula. O que eles querem é que nós fiquemos aterrorizados, mas há uma espécie de inércia estrutural da instituição universidade pública, as particulares não vão mexer, porque é um comércio, eles não vão aterrorizar um comerciante que está vendendo seu produto e tem quem consuma pacificamente.

Quando começam essas ameaças, a opinião pública fica escandalizada, mas nem tanto, e passa. Aí, sim, começam as políticas do dito desmonte das universidades públicas, ou as políticas educacionais que vão aparecer, como o ensino a distância, que são lobbys funcionando, que vêem fronteiras de acumulação na educação do ensino básico e médio.

Do ponto de vista ideológico, não é uma reversão. Por exemplo, na minha faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, uma parte dos meus colegas são tucanos razoáveis, não são nada de extrema direita, pelo contrário. O que eu vou fazer com eles? Não faz sentido.

Acontece que existem muitas novas federais perdidas pelo Brasil afora que são mais vulneráveis a esse tipo de guerrilha, de expedição punitiva, de atemorização, mas vai interferir na contratação de professores, nos concursos públicos? Bom, nem a ditadura conseguiu fazer isso. Abre um edital para contratação de professores de Sociologia na Universidade do Cariri, o MBL vai lá impugnar o concurso, colocar quadros? A gente está muito atemorizado com isso, com aquela avalanche de mandados da Justiça Eleitoral na última semana e nos dois últimos dias de campanha, achando que isso vai ser o cotidiano das universidades nos próximos quatro anos. Elas serão atemorizadas, têm todo o debate sobre o Escola Sem Partido, etc.

A universidade vai ficar nesse embate ideológico para alimentar a excitabilidade na esfera pública brasileira. Mas, em termos concretos, eu não vejo o que eles podem fazer de pior. O que pode acontecer de pior, sim, é no governo, no ministério, onde não sabemos ainda o que eles pensam sobre o que fazer com as federais, a não ser ameaçar os reitores com cortes de verbas. Mas, eles já estão a pão e água há quatro anos. Mais do que isso, sucatear, entregar para organizações sociais, é claro que eles podem fazer muito estrago do ponto de vista administrativo central, mas isso é um embate que já vinha acontecendo desde a desaceleração nos anos Dilma.

Vai, talvez, se intensificar uma espécie de plano descendente, mas o plano inclinado para baixo já tem um bom tempo. Então, claro, que a universidade vai dizer: «nós resistimos, nós protestamos contra aquela deputada de Santa Catarina que pediu para denunciar [os professores]». Abaixo-assinado todo mundo assina, 150 mil assinaturas, isso vai acontecer sempre. Mas, estamos muito mais organizados e mobilizáveis do que era há 50 anos, então não é assim, nós estamos entregando a rapadura muito rápido. As universidades que já eram mais à esquerda, situadas em um campo mais esclarecido e progressista, vão continuar. Não haverá recrutamento de professores de extrema direita, os cursos não vão ser degradados, o Olavo de Carvalho não será o ideólogo, o novo Paulo Freire da universidade brasileira. Nós estamos raciocinando com parâmetros antigos, em um período histórico anterior. A luta vai ser diferente, não sabemos ainda.

É claro que se você entrar em uma sala de aula em um instituto de educação e se deparar com uma turma de 50 alunos urrando boçalidades, é diferente, aí você vai entrar no dia a dia de uma escola de ensino fundamental e médio da periferia.

No início da entrevista, você comentou sobre o renascimento da política…

Como luta e não como gestão. Pela primeira vez, o que se exprime nas eleições, uma espécie de impulso político que não se resumia a gerar ou gerir políticas públicas clássicas, era tomar o poder com embate político. E eles foram à rua ganhar no grito, nas redes sociais, e claro, ganharam na base da mentira. A pessoa foi lá, com paixão, e ganhou a insatisfação popular, souberam canalizar um determinado rumo que significou uma vitória política avassaladora. Portanto, eleição e luta política fazem sentido e podem fazer a diferença e mudar para uma coisa que nós não sabemos o que é ainda. Eu sei que não vai haver governo, no sentido real mesmo, vai haver um pandemônio, um deus nos acuda, todo mundo puxando o tapete de todo mundo, lobby de tudo quanto é jeito, banqueiros, agronegócio, bala… A Taurus, por exemplo, vai ficar sozinha e não vai deixar eles quebrarem o monopólio dela, que é o que eles querem para botar uma série de empresas na indústria bélica brasileira.

A política voltou a isso e nós estamos completamente desarmados, desarvorados, sem saber o que fazer, porque deixamos de fazer política há muito tempo, era só gestão e governo e por aí afora.

A correlação de forças mudou completamente, mas não vai ter mais governo, não vai ter mais gestão como nós conhecemos. Os tucanos fazem e nós fazíamos, até intercambiava, os nossos programas eram mais ou menos semelhantes, melhor ou pior geridos. É claro que vai continuar Prouni, Bolsa Família, FIES, mas tudo degradado, por inércia, não é uma inovação como foi na época dos tucanos essa gestão que eles fizeram. Então, a política voltou, mas aonde está o Estado? O Estado são as forças armadas, só, então outra incógnita: o que esses militares que estão lá vão fazer? Nós temos poucas entrevistas, poucos indícios, ninguém está pesquisando quem eles são, quais são os conflitos internos nas forças armadas, sobretudo no Exército, não sabemos, apenas suposições. Mas, o novo é isso, que os caras ganharam e ganharam a rua. O fato de que você tem gente vociferando, mesmo que seja energúmenos, que sejam coisas horripilantes, é uma energia política em movimento e que está passando por cima.

E nós não conseguimos empolgar ninguém, é essa a verdade. O cara é um líder de massa e o nosso está lá na cadeia e ninguém levantou um dedo. No ABC, no Sindicato, foi o pessoal que o Boulos conseguiu arregimentar no MTST ali do pedaço, não tinha mais de cinco mil pessoas. Seria uma história que seria bem diferente, mas os 30 anos pregressos não justificariam esperar um milhão de pessoas na Paulista. Se, por acaso, o Bolsonaro perdesse não ia sair barato.

Como a esquerda pode voltar a encantar e a fazer essa política? Quais são as fissuras e brechas?

Sinceramente, eu não sei. Há 50 anos a derrota foi acachapante, a força hegemônica do campo popular era o Partido Comunista Brasileiro e ninguém tinha nada para pôr no lugar, que, estrategicamente, perdeu tudo. Apostou em coisas impossíveis, como dispositivo militar, burguesia nacional e por aí afora. Perdeu tudo. Não saiu desmoralizado, mas saiu desacreditado. O primeiro movimento foi uma dissidência do Partido Comunista, que foi para a necessidade de luta armada, que também perdeu. A partir de 1974, o jogo começa a mudar com a via de governo institucional e, até aquele momento, não existia nada, só um conglomerado de partidos chamado MDB e pouquíssimos movimentos sociais surgindo, além do pólo industrializante do ABC. Em menos de 10 anos, você tinha um campo constituído, que é o que está se esfacelando agora. Então apareceu uma coisa nova que ninguém imaginava, depois do PCB o que poderia acontecer, inclusive o fim da União Soviética.

O que vai acontecer depois do fim do PT? O PT não vai morrer tão rápido quanto foi o PCB, que demorou de 10 a 15 anos até os sindicatos passarem para a Chapa 2, para as oposições sindicais. O que vai aparecer no lugar do PT é o próprio PT se refundando. As refundações do Partido Comunista Italiano não deram certo. Nós não sabemos por enquanto o que está aí. A não ser mobilizações eleitorais efêmeras em torno de gestão, isso ficou para trás. Podem até ganhar a prefeitura, mas não é o novo que vai aparecer. O que vem depois não sabemos, são grandes novidades. Por exemplo, veio o impeachment, quem se mobilizou e encarou a nova realidade? Não foi o petismo, o lulismo. Foram os secundaristas e as mulheres. Essas coisas novas ninguém pode prever. Quem é que imaginava que ia ter uma coisa daquelas dimensões com os secundaristas? Tem dois meses de transição, o que vem pela frente? O que eles vão aprontar a partir de janeiro? Vamos saber como vai ser a reação. É claro que o PT vai querer hegemonizar tudo isso para ganhar as próximas eleições daqui há dois anos, e vão conseguir, porque não tem nada para colocar no lugar, nada que os substitua. Quando apareceu alguma coisa que substituiu o antigo Partido Comunista Brasileiro, ele simplesmente desapareceu, depois virou um partido de esquerda.

Brasil de Fato

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