Direitos humanos e corrupção, o espinhoso caminho para superar o fujimorismo – Por Mariana Álvarez Orellana
Por Mariana Álvarez Orellana*
O Peru vive uma conjuntura particularmente difícil: o presidente Martín Vizcarra insiste em realizar um referendo no dia 9 de dezembro sobre as reformas para mudar o sistema judiciário e promover a luta contra a corrupção e as negociatas entre juízes, e ao mesmo tempo segue sem definir uma política de Estado sobre os Direitos Humano, enquanto o fujimorismo tenta usar a força legislativa para dissimular sua forte queda eleitoral.
As recentes eleições municipais em Lima significaram uma autêntica surra sobre o fujimorismo e seu partido, Força Popular. Depois de chegar bem perto de vencer as eleições presidenciais de 2016, com Keiko Fujimori (filha do ditador), e apesar de ter a maioria absoluta no Congresso, o partido era considerada a força mais relevante, mas agora aparece em queda livre, e com sua líder sendo alvo de uma ordem preliminar de prisão, por casos de propina e lavagem de dinheiro.
Os direitos humanos e a Justiça peruana
O analista Francisco Pérez García comenta, no diário La Otra Mirada, que os fatos recentes mostram um vai e vem bastante contraditório em matéria de direitos humanos, onde o Poder Judiciário atua de diversas formas e o Executivo reage com ideias isoladas, que não seguem uma política estabelecida neste campo, o que é preocupante se consideramos que há menos de três meses o presidente Vizcarra deu um discurso no qual o tema humanitário foi abordado, mas não em sua real dimensão.
No dia 3 de outubro, o indulto negociado do ex-ditador e genocida Alberto Fujimori foi anulado pelo Poder Judiciário, no marco do processo de controle da sentença ordenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. A Suprema Corte do Peru determinou o retorno à prisão de Fujimori, de 80 anos, após invalidar o benefício outorgado pelo então presidente Pedro Pablo Kuczynski, na véspera do Natal de 2017, e que gerou protestos dos familiares das vítimas, que queriam vê-lo preso pelos delitos de lesa humanidade cometidos em seu regime.
Porém, uma semana depois, o pleno do Congresso aprovou um projeto de lei que permite o benefício da prisão domiciliar aos idosos maiores de 65 anos que já tenham cumprido um terço da pena. A aprovação foi alcançada graças à maioria fujimorista no parlamento, que votou em peso no projeto criado para beneficiar diretamente a Fujimori. Agora, o presidente Vizcarra deve decidir o que fará com o projeto legislativo.
No mesmo dia 4 de outubro, o ex-ministro do Interior, Daniel Urresti foi absolvido pela Sala Penal Nacional da acusação de homicídio com agravantes ao jornalista Hugo Bustios, assassinado por um contingente militar da base contra subversiva de Ayacucho, em 1988. Urresti, então ministro do Interior, era um dos coautores do assassinato. Esta decisão significa um sério retrocesso em matéria de direitos humanos.
Em setembro, a Corte Suprema ratificou em segunda instância a sentença de setembro de 2016, que condenou os militares Telmo Hurtado (comandante geral de Infantaria), Juan Rivera e Wilfredo Mori a 23, 24 e 25 anos de prisão, respectivamente, e qualificou a matança de Accomarca como um crime de lesa humanidade, de acordo ao direito penal internacional.
Também no mês passado, foi aprovado o decreto para a criação do Banco de Dados Genéticos, exigido pelos familiares das vítimas do conflito armado interno. Se trata de um instrumento que permitiria a busca de desaparecidos e seu posterior reconhecimento, para garantir a justiça aos familiares dos mais de 15 mil desaparecidos.
Keiko: propinas e lavagem de dinheiro
No dia 9 de outubro, a Primeira Sala de Investigação Preparatória ditou uma ordem de detenção preliminar judicial contra Keiko Fujimori Higuchi, filha do ex-ditador e genocida Alberto Fujimori, e principal líder do partido Força Popular – além de outras 19 pessoas envolvidas, o prazo para o cumprimento da ordem é de dez dias.
Não se trata de uma prisão preventiva, e sim de uma detenção preliminar. A acusação fala de uma “organização criminosa dentro do partido político Força 2011 (hoje Força Popular) que tinha entre os seus fins a obtenção do poder político, recebendo para isso recursos financeiros ilícitos provenientes de atos de corrupção do grupo empresarial brasileiro Odebrecht no Peru e em diversas localidades offshore do mundo”.
Esses recursos ilícitos eram dados em troca de concessões de obras superfaturadas (Executivo), benefícios legais (Legislativo) e favorecimento judicial (Judiciário), criando um mecanismo corrupção empresarial e estatal. A Procuradoria investiga o delito de ocultamento de ativos, uma fórmula utilizada para o financiamento de diversos partidos de direita na região.
A investigação surge das declarações de Marcelo Odebrecht e Jorge Barata, diretores da multinacional brasileira, sobre a entrega de um milhão de dólares ao partido Força Popular em 2011, aos quais depois se somaram mais 200 mil. Nos fundamentos da resolução está uma anotação na agenda de Marcelo Odebrecht “Aumentar Keiko 500” (mil dólares), que é o ponto de origem da investigação.
A Procuradoria aponta que, com as atividades (coquetéis e rifas) declaradas pelo fujimorismo não seria possível arrecadar tantos recursos, e que considera impossível que os primeiros 500 mil dólares tenham sido adquiridos sob esses conceitos. Ainda assim, afirma que existem indícios de ocultação de ativo ilícito, utilizando a estratégia da fragmentação dos fundos.
Enquanto isso, as testemunhas declararam não ter dado dinheiro que as organizações políticas haviam declarado, e que as pessoas que contribuíram não comprovaram a procedência do dinheiro – além do fato de que algumas delas evidentemente não possuem poder econômico suficiente para fazer tais contribuições. Assim, ganha força a hipótese de que utilizaram pessoas vinculadas aos captores dos ativos, ou seja, aqueles que intermediaram as propinas da Odebrecht.
Também está sendo investigada a suplantação de 114 contribuintes do sistema bancário: aparecem seus nomes, mas não suas assinaturas nem números de documento. A Promotoria afirma que um mesmo individuo, empregado da empresa Office USA (autorizada pelo Registro Nacional de Provedores para fazer contratações junto ao Estado), realizou 86 depósitos bancários, em um total de 458 mil dólares.
(*) Mariana Álvarez Orellana é antropóloga, docente e investigadora peruana, analista associada ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)
Publicado em estrategia.la | Tradução de Victor Farinelli