O primeiro adeus de Pepe Mujica – renunciou ao Senado, mas não à política – Por Rubén Armendáriz

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Por Rubén Armendáriz*

O ex-presidente do Uruguai José “Pepe” Mujica já havia avisado, no começo deste mês, que deixaria o Senado para tomar uma “licença antes de morrer”. Fiel à sua palavra, o velho guerrilheiro tupamaro, que governou seu país entre 2010 e 2015, renunciou nesta terça-feira (14/8), para se dedicar à aposentadoria, embora prometendo que continuará militando na política.

A vaga de Mujica, eleito senador em 2014 com a maior votação daquele pleito, e encabeçando a lista do seu partido – o Movimento de Participação Popular (MPP) da coalizão centro-esquerdista Frente Ampla – será ocupado agora por Andrés Berterreche, um engenheiro agrônomo e ex-ministro da Pecuária.

Sua renúncia foi anunciada como parte de um plano de renovação do MPP, a fim de facilitar a renovação dos quadros políticos. O primeiro em se afastar foi o já ex-senador Ernesto Agazzi, em dezembro de 2016. Também se previa que Lucía Topolansky fizesse o mesmo gesto, mas a renúncia de Raúl Sendic Jr à vice-presidência da República obrigou à ex-primeira dama a ocupar esse cargo.

Pouco antes de renunciar, Pepe Mujica deu uma entrevista à televisão criticando as políticas sociais do governo do seu aliado Tabaré Vázquez, e apontou ao fato de que essa falência é a causa do aumento dos delitos violentos no país. “É preciso reconsiderar as políticas de repressão, e também afinar mais as políticas sociais”, e acrescentou que se necessita “menos assistencialismo e mais políticas que promovam a ascensão dos jovens”.

Os analistas continuam apontando Mujica como o grande eleitor do candidato presidencial da Frente Ampla para as próximas eleições. Em outra entrevista dada no mesmo dia, em um programa de rádio, ele disse que as políticas sociais “não deram totalmente certo”, e que “assistir não equivale a convencer, eu não posso esperar que a polícia solucione esse problema de porque os mais jovens acham que compensa mais o caminho do crime”.

Disse que o segredo para solucionar os problemas de segurança pública está na educação. “Creio que é preciso equipar melhor a escola, dar melhor estrutura, maior importância para os resultados que ela produz, porque o que mais surpreende na massa de gente presa hoje em dia é que há uma imensa maioria de pessoas jovens que mal terminaram o ensino básico”.

E logo explicou: “eu vejo a promoção da cultura como parte das soluções mais importantes, mas sem esquecer que os problemas complexos são multicausais”.

Também falou de outro de seus temas favoritos nos últimos tempos: a cultura do consumo. “Vivemos em um tempo de cultura superconsumista, e nos ensinam a ver riqueza e querer riqueza em tudo. E isso certamente está afetando o acervo cultural de muita gente”.

A oposição o despediu com respeito. O senador nacionalista Luis Alberto Heber afirmou que lamenta o afastamento do senador Mujica, “porque é uma figura de referência importante, relevante no espectro político nacional e de grande influência na força de governo. Naturalmente, está bem que dedique seu tempo livre a descansar, não a trabalhar contra o nosso partido e a favor de sua força política”.

Esta é a dúvida, temor e preocupação de muitos: Mujica deixará sua bancada no Senado para se dedicar a fazer campanha? Ele assegura que não será candidato a mais nada. Contudo, e mesmo aos 83 anos, ainda é uma peça fundamental da campanha do MPP.

Após afirmar que ficou em choque ao ler a notícia de que Mujica deixaria o Senado, o senador conservador José Amorín Batlle (Partido Colorado) registrou seu pesar, dizendo que sentirá “saudades” do colega no parlamento. Porém, logo lançou sua suspeita de que o ex-presidente fará campanha durante as eleições de 2019. “ Temos certeza de que ele continuará aparecendo na televisão, e de que nos cruzaremos com ele na campanha”, indicou.

Pepe Mujica já tramitou sua licença para viajar à Europa, na semana próxima, para ajudar na promoção do filme de Emir Kusturica El Pepe, una vida suprema, que começou a ser filmado em abril de 2013. Na carta de renúncia, enviada à presidenta do Senado e vice-presidenta do país, Lucía Topolansky, ele solicitou que aceite sua desistência do Congresso, expressando que “enquanto minha mente funcione, não posso renunciar à solidariedade e à luta de ideias”.

“Solicito ao corpo que você preside que aceite a minha renúncia ao cargo de Senador. Os motivos são pessoais, diria que se trata do `cansaço pela longa viagem´”, agregou em sua despedida.

Uma vez, Mujica brincou dizendo que faria um curso para aprender a calar a boca. Os meios de comunicação uruguaios registram uma centena de entrevistas entre 1994 e 2015, nas quais se podem ver as idas e voltas do seu discurso, suas ideias originais, sua pirotecnia, sua trajetória política e sua atitude como presidente: “sigo pensando que o Estado jamais pode ser neutro (…) é preciso ser prudente com o poder, para ser mais justo (…) a direita assegura o conflito social”.

“Vive como pensas, ou terá que pensar como vives”, repete sempre, e conta que “uma vez, alguém me perguntou quem era meu chefe de marketing. Parece que não perdoam o fato de alguém ser como é. Hoje, parece ser algo tão irreal, em um mundo onde tudo parece que deve ter uma imagem cultivada”, comenta.

A chácara de Pepe e Lucía, nos arredores de Montevidéu, recebe ônibus com turistas de diferentes lugares do mundo, que tentam conhece-lo. Pepe e sua companheira de luta vivem com simpleza, e sobriedade. Mujica odeia a palavra “austeridade”, porque diz que é utilizada para reduzir direitos e deixar as pessoas seu trabalho.

Ninguém poderia vaticinar que aquele deputado que chegou ao parlamento numa moto, vestido de jeans, levaria o MPP a arrasar nas eleições internas da Frente Ampla, e alcançaria a Presidência.

Ao falar de sua “aposentadoria”, os meios locais uruguaios lembrar de algumas frases e definições desse político singular, ex-guerrilheiro e filósofo das ruas.

“Sou um velho manso, mas não domado”. “Se vai dar uma de senhor pacato, melhor que não queira brigar com o governo”. “Somos socialistas convictos e convertidos”. “A grande pergunta é: o homem terá capacidade de reagir ou vai direto ao abismo?”. “Em que terminará este modelo de civilização que destrói tudo, contamina a água, a terra, o ar, e gera desperdícios explosivamente?”.

Sendo presidente, confiava: “sinto os golpes nos rins todos os dias, porque, sendo governo, você coloca a cara para bater todos os dias. Eu defendo o direito de opinar, quando se deve tomar decisões, eu me alinho com o governo, mas tenho a consciência para opinar, e às vezes posso me equivocar”. E completa, dizendo à sua equipe: “estou farto de que se fale somente dos aspectos financeiros, não há economia viável com este sistema de crédito”.

“A todos os meus companheiros de governo, eu queria transmitir, em duas palavras, qual será o novo desafio: a estética de hoje é a ética. A ética tem a ver com o que você ganha e como vive, e como atende as pessoas, como você luta e até se sacrifica por elas se for necessário”.

“As lutas do socialismo são mais justificáveis que nunca, o que está em jogo são os caminhos, mas há medo de se chocar contra o modelo de Lenin. A esquerda perdeu a audácia (…) chegou o momento de ter uma nova visão crítica e autocrítica, mas também ter uma visão criadora”, disse ele, em seu último discurso, em Buenos Aires.

“Lutar pela democracia não é só defender um voto de vez em quando, ou escolher um governante. Do ponto de vista do progresso humano, é lutar utopicamente por uma civilização melhor. Se melhorarmos a divisão (da riqueza), se fôssemos absolutamente equitativos, mas seguindo nessa espiral de progresso defendida pelo capitalismo, continuaremos no caminho do mesmo buraco”, acrescentou.

“Essa realidade de profunda desigualdade que nos golpeia se evidencia no fato de que 35 pessoas possuem mais riqueza que 50% da humanidade”, explicou.

Brasil

Mujica, que esteve na cela de Curitiba visitando sue amigo Luiz Inácio Lula da Silva (“o pacificador das contradições do Brasil”, segundo ele), disse que o viu bem de ânimo, “mais magro, sempre com seu temperamento brincalhão por um lado, mas também horrorizado pelo que está acontecendo no Brasil, do ponto de vista da destruição do patrimônio do Estado e a transformação da legislação trabalhista”.

“Lula considera que todo esse episódio, que inclui a destituição da Dilma Rousseff, é parte de um projeto para mudar as condições do país. Para que, se um dia os governantes progressistas voltarem a comandar o país, se vejam praticamente amarrados pelos compromissos estabelecidos a longo prazo a nível internacional. Lula é o único que está em condições de permitir que o Brasil volte à sua natural alegria de viver.

O ódio

“Tenho uma bronca do ódio e do fanatismo. Uma coisa é a paixão, e outra coisa é o fanatismo. O ódio é cego como o amor, e o amor tem a vantagem de que é criador, reprodutor. O ódio não, é destrutivo. Quem vive olhando para trás, tentando cobrar o outro por coisas que não existem, e não vive o futuro, ficará dando voltas sem parar em torno de uma coluna. A natureza é sábia. Seria bárbaro se tivéssemos um olho atrás, ver o que acontece às nossas costas. Mas temos os olhos na frente, porque a vida é amanhã, é o que está por vir. Tenho lembranças de dor e de angústia”.

“Do que eu me arrependo? Puxa… tenho um monte de coisas. Do que mais me arrependo é da falta de velocidade para disparar. Aguentei um tempo em cana (preso) porque me capturaram. Deveria ter corrido um pouco mais rápido. Uma falha atlética”.

Argentina está fodida

Em julho passado, Mujica se solidarizou com as mulheres argentinas que lutam pelo aborto legal. O ex-mandatário, que legalizou a interrupção voluntária da gravidez em seu país, disse que a sociedade é “cínica”, porque proíbe o aborto “acha que essa proibição vai evitá-los”. Ademais, pediu aos homens “que não entendem do tem” que “calem a boca”, em um vídeo onde trazia um lenço verde (símbolo da campanha pela legalização) em suas mãos.

“Sou uruguaio, ou seja, um argentino chutado do porto de Buenos Aires. Essa é a história verdadeira, e não me convém falar muito sobre como vejo a Argentina. O que posso dizer, com preocupação, pela história, é que quando a Argentina vai mal, isso logo termina nos afetando também fortemente. O que mais me assusta nesse endividamento (do governo argentino), que terá que ser pago em algum momento, é que eu sei como isso aconteceu, e o que vai acontecer. A história se repete”.

“Também estou cansado dessa ladainha de que a Argentina está falida. Não, ela não está falida. A Argentina está fodida, mas não está falida. Porque depois pode se recuperar. É um país que tem a desgraça de ter enormes recursos naturais, e por isso se deixa cair no desperdício. Mas esse país também é o meu povo, e isso me dói”.

Crise ética

“Pensávamos que o mundo seria mudado somente modificando as relações de produção e de distribuição. Mudando a estrutura, parecia que teríamos um homem distinto, e melhor. E não percebemos que talvez um sistema seja também um gerador de uma cultura que lhe é funcional a longo prazo. Fomos substituindo as velhas religiões pela nova religião, que é o mercado”.

“Isso é mais forte que os exércitos e que as questões de força, porque é uma cultura tácita, subliminar, que está atuando no seio da sociedade, em todos os lares. Então, milhões de pessoas pobres que demandam mais, e que são potenciais consumistas, achando que isso é o equivalente a ser mais feliz”.

“Essa cultura nos leva, por um lado ao desperdício de recursos, que terminam sendo bastante supérfluos, e por outro, a não atender as necessidades vitais que a maioria da população tem. Se os africanos pudessem comer a quantidade de vezes que os cachorros europeus não estariam lutando contra a morte, nem se afogando no Mediterrâneo”.

“Aqui há uma profunda questão ética, e a política abandonou há muito tempo as perguntas mais elementares, e se transformou num apêndice da econometria: estamos fazendo isso para as pessoas serem mais felizes? Estamos nos preocupando demais ou somente com o desenvolvimento? É muito discutível essa ideia de que estamos melhor porque o PIB aumento. A sociedade japonesa é mais feliz que os pouquinhos aborígenes que restam na Amazônia?”.

“Temos uma única riqueza, que é o milagre de estarmos vivos, mas a vida nos escapa, e não há supermercado que nos venda anos de vida. Quando compramos algo, não compramos com dinheiro, compramos com o tempo da nossa vida. O mundo nunca produziu mais do que o produzido hoje, e ainda assim as desigualdades aumentaram como nunca”.

A alternativa

“É muito difícil imaginar como se constrói uma correlação de forças que signifique desaprender muitas coisas que são parte do sentido comum das nossas sociedades e construir um paradigma que busque um equilíbrio entre o eu e o nós. Somos antropologicamente gregários, necessitamos da sociedade. Tudo o que a civilização alcançou e avançou é a consequência de ter vivido e erigido sociedades. Todo o progresso que nos rodeia é consequência dessa construção. A civilização é a solidariedade intergerações, embora sejamos indivíduos”.

“A política existe para atenuar os conflitos entre os indivíduos, quando esses constroem a sociedade. Podemos discutir muito. Eu não posso mudar o mundo sozinho. O que posso fazer é educar as pessoas para que não sejam tão estúpidas ou que se deixem manipular. É preciso lutar muito nesta vida, para não se deixar levar por essa cultura que te transforma num pagador de contas. Ter liberdade é ter tempo livre para fazer o que a você gosta”.

“Sempre desconfiei que América Latina voltaria a um período de retrocesso. Eu tenho uma interpretação pendular da história humana. Se fala muito sobre a esquerda somente a partir das divisões na Revolução Francesa. Mas a sensibilidade para com a dor dos mais fracos não é um sentimento moderno. É tão velho quanto o homem andando sobre a terra, e o homem tem estado permanentemente tentando travar essa batalha. Por isso, essa onda reacionária irá fracassar, nunca poderá triunfar definitivamente, porque a nossa tampouco triunfará definitivamente”.

“Não há derrota porque tampouco há triunfo definitivo. A luta é ir avançando degraus a favor da civilização humana. Acreditávamos que nossa luta era pelo poder. Na verdade, nossa luta é para melhorar o conteúdo dessa herança que se chama civilização”.

“Devemos pensar que, por nossas imperfeições são inevitáveis os conflitos nas sociedades. Então, o capital da tolerância para conviver não é, como pudemos pensar em alguma época, um subproduto liberal da burguesia, e sim um valor para o gênero humano, com o qual não devemos retroceder, e sim defendê-lo. Diria até que é a coisa mais essencial de um ideário de democracia. Como conviver em democracia se não suportamos as diferenças que se dão na convivência?”.

“A burguesia fundadora, que mitifica o trabalho e a economia e a defende como o orgulho nacional, é diferente da burguesia acumulativa e especulativa do nosso sistema financeiro contemporâneo. Não são a mesma coisa, há diferenças, por mais que pertençam à mesma classe, certo?”.

“O capitalismo semeou uma ideia de progresso permanente que está ligada à melhoria da economia para consumir mais coisas. Então melhorar significa consumir mais. Logo, se criou a ideia de que o progresso nunca tem fim. E aí surge a outra pergunta: nesse progresso, o homem é mais feliz? As pessoas que têm 20 ou 30 anos acreditam que tendo mais coisas serão mais felizes, ou tendo mais poder, mais fama, mais dinheiro. Mas quando começam a passar dos 50, elas começam a pensar diferente”.

O declínio progressista

“Penso que algumas causas fundamentais para o declínio dos governos progressistas estão no esgotamento das possibilidades dadas pelo próprio sistema, e por não ter superado as contradições desse sistema. E algo muito importante: não ter estabelecido uma batalha no campo da cultura, uma batalha que substitua a cultura do consumo”.

“Houve uma época na qual pensamos que mudando as relações de produção e distribuição mudaríamos matematicamente a sociedade, e isso foi um grave erro. Sabemos que a cultura tem um papel determinante, cada vez mais, e nós decidimos não fazer essa batalha cultural. Nós, dirigente políticos (da esquerda de hoje), sofremos do mesmo problema: nos sentamos na mesma mesa na qual eles se sentavam. E depois de tanto negociar e acomodar o corpo, creio que repassamos essa confusão às pessoas”.

“Há um pêndulo histórico que agora se move agora para a direita, e que está fora da América Latina, está no mundo. Os discursos da ultradireita não me impressionam, e sim as pessoas que seguem esses discursos, que não são marcianos, são parte da sociedade estadunidense e europeia, das potências mundiais. Quando escuto os que votam contra Merkel como se ela fosse um epicentro da revolução mundial, me preocupa. Por favor! Como alguém pode pensar que Merkel é uma revolucionária? Estamos num momento complicado da conjuntura mundial, e isso também influi na América Latina”.

“Para mim, isso é uma consequência não planejada do efeito do auge da globalização, da economia baseada nas multinacionais, que estão produzindo, entre outras coisas, uma concentração da riqueza de carácter pavoroso, acentuando a desigualdade. Não é que multiplica a pobreza, multiplica a distância entre os ricos e os pobres, a desigualdade”.

Venezuela, a integração

“Ninguém de fora tem o direito de se intrometer na Venezuela! Mas, além disso, é uma coisa muito sarcástica, porque os erros (cometidos pelo país) são deles e eles é que devem resolver, e não me encham o saco com a democracia ou não na Venezuela, sem dizer uma só palavra do que acontece na China, ou na Arábia Saudita. Mas sobram dedos apontados para a Venezuela, falando sobre o que são pequenas verrugas ao lado dos desastres que se provocaram no mundo”.

“Em outros casos ninguém diz nada. São potências que influem nas decisões do mundo de hoje as que cometem esses desastres. Então, não posso denunciar a tolerância dos Estados Unidos com alguns países que são seus amigos. É uma política bastante cínica, ao utilizar os direitos humanos. Não me fodam! Direitos humanos? Se vemos o que fizeram os Estados Unidos e seus aliados nos últimos anos, temos um balanço nefasto”.

“Nos lugares onde se intrometeram, não há outra coisa senão desastre, desarticulação: Afeganistão, Iraque, Líbia, Síria… Olhem só o que fizeram! Aposto que o modelo que têm para a paz na Síria é a balcanização, fazer o que fizeram na Iugoslávia, balcanizá-la, aproveitar uma Síria xiita, outra sunita, o Curdistão, e depois que estiverem atomizados, utilizá-los, um após o outro”.

“A Venezuela está sobretudo no que Chávez semeou, tudo! O mais colossal batalhador pela integração latino-americana, sem dúvida. O governo mais generoso que conheci na história, nos anos em que posso medir a história da América Latina”.

“A América Latina carrega uma tragédia nas costas. A tragédia de ser 10% da economia do mundo, de não ter massa crítica para nada, e de ter fracassado em suas tentativas de integração, como nesta mais recente. A integração é um imperativo, uma necessidade. Não teremos possibilidade de pesar na balança do mundo por falta de massa crítica, porque não podemos criar um sistema de investigação que nos dê liberdade na criatividade, porque sequer temos o controle de certas tecnologias, porque nossas universidades estão divorciadas entre si, porque nossos investigadores são poucos”.

“Tudo isso nos obriga a apostar na integração. Além do mais, neste mundo, quem vai nos levar a sério separados? Como negociar com a China ou com os países da Europa? Países como Equador ou Uruguai podem negociar em igualdade com a China? Recolheremos o que for possível, em determinada conjuntura, mas nunca em termos de igualdade, porque não pesamos. Uma coisa é um chanceler do Equador ou do Uruguai a negociar sozinhos, outra coisa é que apareça um em nome de toda a América Latina”.

“Nossa tragédia é a balcanização. Por outro lado, temos a nosso favor um pacote de recursos naturais muito valiosos. Provavelmente, somos o continente reserva mais importante que o mundo tem, mas também temos grandes desafios. O mundo continua crescendo loucamente, e nesse sentido a integração passa a ser a prioridade cronológica mais importante dos nossos dias”.

“Tivemos a possibilidade da integração muito próxima, mas fomos travados pelas necessidades dos nossos projetos nacionais, presas de nossas respectivas preocupações. Essa foi a maior falha dos governos progressistas e é um pouco cruel dizer, mas é preciso dizer para as gerações de progressistas que virá, para que saibam, e que cometam os seus erros, mas não os nossos. Para mim, a integração é uma condição sine qua non para a América Latina”.

Depois de todas essas palavras, Pepe Mujica abandonou o cargo de senador. E prometeu aos seus 83 anos, seguir militando na política – e, talvez, seguir cultivando flores em sua chácara em Rincón del Cerro, ao lado de uma escola agrária para 60 jovens alunos, construída por ele, que depende da Universidade do Trabalho do Uruguai (UTU).

(*) Rubén Armendáriz é jornalista e cientista político uruguaio, analista do Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)

Tradução de Victor Farinelli

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