Paraguai muda de presidente, mas a impunidade e a injustiça continuam – Por Celso Guanipa Castro
Por Celso Guanipa Castro*
Um total de 17 mortos e a destituição do presidente constitucional Fernando Lugo, foi o resultado deixado pelo massacre de Curuguaty ocorrido no dia 15 de junho de 2012, que permanece vivo na memória coletiva da sociedade no Paraguai, após seis anos.
Onze camponeses e seis policiais morreram em Curuguaty durante um operativo no qual centenas de agentes foram acionados para expulsar 70 trabalhadores rurais das terras públicas de Marina Kue, no departamento de Canindeyú (região leste do país), que haviam ocupado para pedir sua incorporação à reforma agrária.
Em julho de 2016, o Tribunal de Assunção, encarregado do caso, condenou 11 camponeses a penas de entre 4 e 30 anos de prisão. A propriedade era reclamada pela empresa privada, Campos Morombí.
“Um camponês sem terra não é camponês. Queremos semear feijões, mandioca e milho, para que todos possam comer. Obrigado às pessoas que nos apoiam na luta contra esta injustiça. Não conseguiram e não conseguirão matar os nossos sonhos. Nós somos presos políticos e queremos que vocês sejam os nossos porta-vozes”, diz a carta escrita pelos trabalhadores detidos na Penitenciária de Tacumbú, que foi lida entre lágrimas, em frente ao Palácio de Justiça, pela jovem Ramona González, esposa de Néstor Castro.
Castro, depois de atingido por um disparo no rosto, foi condenado a 18 anos de prisão. Ao lado de Ramona, Karina Godoy e a pequena Alma Vitória – esposa e filha de Arnaldo Quintana, também condenado a 18 anos – expressavam o respaldo das famílias à luta por “terra, justiça e liberdade”.
Uma investigação da historiadora Margarita Durán Estragó, indica que “quem invadiu terras que não lhe pertencem, em completa agressão ao Estatuto da Terra e aos instrutivos de soberania alimentar, foi o latifundiário Blas Riquelme, com seus mais de 75 mil hectares”.
O Serviço pela Paz e Justiça do Paraguai (Serpaj) recordou que Marina Kue, em guarani significa “terras de marina”. Os terrenos estiveram ocupados por uma unidade militar entre 1967 e 1999, o que desmente o principal argumento de Riquelme, proprietário da empresa Campos Morombí, que afirmou que ele ocupava esse território há 34 anos. “Recentemente, cinco anos depois que a Marinha deixou o local, Riquelme começou a derrubar a floresta e cercar a terra”, relata o documento do Serpaj.
Seis anos depois do golpe
Os advogados Jorge Bogarín e Raúl Caballero apresentaram recentemente na Corte Suprema de Justiça um pedido de habeas corpus reparador a favor de María Olmedo e Dolores López, que foram condenadas a seis anos de prisão. Elas tiveram suas penas diminuídas, apesar de condenação ainda se encontrar vigente.
Lucía Agüero Romero, uma das camponesas condenadas a seis anos de prisão pelo caso, ficou em liberdade após a Sala Penal da Corte Suprema de Justiça aceitar o pedido de habeas corpus, seis anos depois de sua injusta prisão.
Após o massacre de Curuguaty, o Congresso paraguaio iniciou um processo político contra o presidente constitucional Fernando Lugo, que se desenvolveu em apenas cinco dias e cujo juízo se realizou em 24 horas. No final da jornada Lugo foi destituído do cargo, em um golpe parlamentar que terminou com a chegada do seu vice, Federico Franco, ao poder.
“Houve um golpe de Estado parlamentar, cujos argumentos para um juízo político não têm nenhum valor, e foram rebatidos amplamente pelos defensores”, denunciou Lugo.
Como mandatário interino, Franco optou por deixar as investigações do caso nas mãos da Promotoria, e desativou uma comissão de investigação que havia sido formada por Lugo, que contava com a ajuda da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Após vários meses de investigação, o Ministério Público acusou 12 camponeses (entre eles três mulheres, duas delas grávidas) pelos assassinatos – os quais cinco foram considerados pela sentença como homicídios dolosos. A condenação também incluiu os crimes de invasão de imóvel alheio e associação ilícita. As penas variaram entre 4 e 30 anos de prisão.
De acordo com o integrante da ONG Articulação Curuguaty, Rogelio Ocampo, as investigações da Promotoria só validou os testemunhos de 84 policiais, deixando de lado os camponeses. Não se realizaram perícias nem estudos de balística para comprovar quem matou os policiais.
Como consequência destes fatos, o Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) e outras instâncias desta instituição emitiram, em março de 2013, duras observações tanto com respeito à Justiça quanto ao governo paraguaio. Entre as observações estava uma solicitação ao Estado, para investigar o caso de forma “independente e imparcial”.
A chancelaria paraguaia respondeu essa sugestão através de um comunicado, dizendo que os únicos responsáveis por investigar os fatos sucedidos em Curuguaty e julgar os implicados eram o Ministério Público e o Poder Judiciário.
Por sua parte, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) procedeu a tramitar a P-1950-14, um pedido para que o Estado paraguaio intervir no caso, mas este somente aceitou um instrutivo de exceção de esgotamento de recursos internos, negando-se a entrar no problema de fundo do caso.
Esta foi a resposta à demanda interposta em 2014, na que o Estado paraguaio é acusado por violação da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, por impedir o direito a um processo com garantias judiciais e direito de acesso pleno à Justiça.
Muda o presidente, mas o continuísmo colorado se mantém vigente, e nada leva a pensar que Abdo Benítez vai alterar a política do establishment paraguaio, de condenar as vítimas para favorecer os latifundiários.
(*) Celso Guanipa Castro é jornalista e cientista político paraguaio, do Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)