As violações da multinacional Glencore, e o diálogo social sugerido pela OIT – Por Eduardo Camín

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Por Eduardo Camín*

Pouco a pouco, a globalização vai levando a economia mundial a tomar a forma desta economia financeira, virtual, pré-disposta a todos os atalhos da ilegalidade d da exploração. Nossa longa experiência com essas rotinas cria a ilusão de que as dominamos e, ao mesmo tempo, sabemos que contra ela não há outra arma a não ser a exatidão e a frieza da verificação.

Despertamos diariamente e encontramos um mundo assustado com o temor pela iminente possibilidade de algo pior. Alguns pensam – com razão – que a vergonha deveria ter sua cotação na bolsa de valores. A vergonha como valor contábil e acumulativo, como o sofrimento que provoca em outros.

Hoje, faremos referência a uma dessas empresas que estão na bolsa, cuja vergonha é a de tantas vidas amarradas, encurraladas, sinais de uma sociedade em retrocesso. Entre esses despossuídos e seus contemporâneos vai se formando uma espécie de janela, que deixa passar a luz da decência, a partir do trabalho realizado por algumas organizações que não têm medo de denunciar os donos do poder econômico.

Recentemente, o Centro Europeu para o Terceiro Mundo (CETIM), com sede em Genebra, acusou a multinacional Glencore PLC, uma das principais empresas mineradoras e de comércio de matérias primas e alimentos do mundo.

No ano de 2010, o faturamento da Glencore foi de 145 bilhões de dólares, 36% a mais que em 2009, e o lucro líquido aumento em 41%, chegando a 3,8 bilhões. A companhia conta com mais de 190 mil empregados (incluindo terceirizados) e opera em 30 países. Sua taxação prévia à sua saída à bolsa, em 24 de maio de 2011, foi de 22,8 bilhões de dólares (15,7 bilhões de euros).%u20B

A Glencore controla 50% do mercado mundial de cobre, 60% do de zinco, e 38% do de alumínio, 28% do de carvão para centrais térmicas, 45% do de chumbo. Em se tratando de alimentos básicos, ela controla quase 10% do mercado de trigo do mundo, próxima dos 25% do mercado mundial de cevada, girassol e couve-nabiça. Possui cerca de 300 mil hectares de terras de cultivo, sendo uma das maiores produtoras de grãos do mundo. É também acionista majoritária da Xstrata, com uma participação de 34%.

O propósito da declaração apresentada pela CETIM no 38° período de sessões do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) – que se realiza entre junho e julho de 2018 – é revelar ao mundo as graves violações cometidas pela multinacional Glencore, suas filiais e empresas terceirizadas em alguns países.

Segundo testemunhas de primeira mão, procedentes de sindicatos do setor de mineração, conceder direitos fundamentais aos seus trabalhadores – e nos referimos aos direitos humanos básicos garantidos pelo Direito internacional – não é uma prática habitual da Glencore.

A indústria All Global Union tentou fazer com que a Glencore se comprometesse a iniciar um diálogo social global significativo sobre as condenáveis práticas da empresa em matéria de saúde e segurança, o tratamento precário aos trabalhadores, os conflitos trabalhistas sem solução e as práticas anti sindicais. Glencore não se comprometeu com essas ideias.

O CETIM instou os Estados que albergam sedes de Glencore e de suas filiais a cumprir os compromissos básicos das empresas em matéria de direitos humanos e de normas trabalhistas internacionais, tomando medidas concretas para garantir que os direitos dos trabalhadores à segurança, à saúde, renda digna e liberdade de sindicalização e associação pacíficas sejam respeitados.

Também instou as autoridades suíças a cumprir com sua obrigação de garantir que as corporações multinacionais com sede em seu território não violem os direitos humanos, em particular quando desenvolvem atividades em outros países, e garantir o acesso à Justiça, caso essas violações aconteçam, em assistência às vítimas. A organização apelou em particular ao governo da Suiça, para que atuasse e obrigasse a Glencore a deixar de violar os direitos humanos dos trabalhadores e ajudar as vítimas a obter justiça.

Não devemos esquecer que quando os Estados assumem obrigações internacionais em matéria de direitos humanos, mediante tratados multilaterais, contraem um tipo de compromisso complexo. Isso significa que todos os indivíduos nacionais ou estrangeiros eventualmente sujeitos à soberania do Estado em questão devem gozar das liberdades próprias da dignidade humana que a comunidade mundial define como tais, e que isso deve acontecer na prática, não só na teoria, e deve ser observado através de seus instrumentos e organismos especializados.

Há poucas semanas, fervorosos discursos na Conferência Internacional realizada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), falavam das virtudes do diálogo social tripartite. Mas parece que algumas empresas se mantêm surdas. Muito surdas.

(*) Eduardo Camín é jornalista, ex-diretor do semanário Siete Sobre Siete, membro da Associação de Correspondentes de Imprensa da ONU, redator-chefe internacional do Hebdolatino e analista associado ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)

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