Peru: Após o pacote tributário neoliberal, Vizcarra ficou na corda bamba – Por Mariana Álvarez Orellana

948

Por Mariana Álvarez Orellana*

Apenas dois meses depois de que assumir a presidência do Peru, Martín Vizcarra já começou a perder apoio da cidadania, e poderia perder ainda mais após o pacote tributário neoliberal decretado recentemente, e que despertou tamanha a rejeição popular que levou à renúncia do seu ministro de Economia.

Em abril e maio, somente 19% dos cidadãos desaprovavam o presidente, segundo as pesquisas. Hoje, a cifra já é de 44%, saltou 25 pontos em somente um mês. Paralelamente, a aprovação também se viu afetada, caindo nove pontos, de 54% a 45 %. Esse magro resultado se registra em todas as regiões, exceto em Lima. A maior rejeição foi no sul do país, onde 66% o desaprova.

O gabinete tampouco se salva. A gestão do primeiro-ministro, César Villanueva, considerado o grande orquestrador das políticas deste novo governo, é desaprovada por 49%, 17 pontos percentuais a mais que em maio. E o outro dado preocupante se refere à coesão do Executivo: 63% acredita que os ministros atuam cada um com uma agenda própria, sem seguir uma mesma linha de trabalho.

O desânimo popular cresceu especialmente pelo aumento do Imposto Seletivo ao Consumo, que os maus empresários usaram como pretexto para subir os preços todos os combustíveis e encarecer produtos e serviços, além do frustrado anúncio de ampliar a cobrança de tributos aos trabalhadores de baixa renda.

O Ministério de Economia decretou um pacote que afeta diretamente o bolso dos setores mais vulneráveis, e a grande maioria vive uma situação de precariedade, desemprego e aumento da pobreza. Este ajuste consiste em uma elevação dos impostos que pretende arrecadar ao menos mais 2 bilhões de sóis (2,3 bilhões de reais), e assim manter o equilíbrio fiscal e a sanidade do Estado, e que os custos desses objetivos sejam pagos pela classe trabalhadora e camponesa.

“O plano é fazer com que o investimento público seja financiado a partir do bolso dos cidadãos e usado em benefício das corporações privadas, que executarão as obras, com margens de lucro altamente favoráveis”, indica a socióloga Alejandra Dinegro.

O aumento seletivo dos impostos ao consumo, apontado com uma iniciativa que busca diminuir o incentivo ao consumo de certos produtos nocivos para a saúde e ao mesmo tempo aumentar a arrecadação tributária, deixa a salvo as milionárias isenções e os privilégios de alguns setores, sem modificar um regime impositivo regressivo, que sustenta sua maior porcentagem de captação de renda em impostos ao consumo, o que prejudica fortemente os setores de menor renda.

A renúncia do ministro de Economia, David Tuesta, que ficou apenas dois meses no cargo, se deu em meio à polêmica do aumento de impostos, tornando, por enquanto uma espécie de bode expiatório. Contudo, o vice-ministro da pasta, César Liendo, seguiu o mesmo caminho. O ex-diretor do Banco Central de Reserva, Carlos Oliva, aparece como o sucessor mais provável. O Peru teve quatro ministros de Economia desde julho de 2016: Fernando Zavala, Alfredo Thorne, Claudia Cooper e David Tuesta – na média, significa dizer que o país troca de ministro a cada semestre.

Um pouco de história

Martín Vizcarra assumiu a presidência do Peru no dia 23 de março, substituindo Pedro Pablo Kuckzynski, que renunciou após ser acusado de corrupção, não suportando a pressão de uma maioria parlamentária disposta a derrubá-lo.

Foi a segunda ocasião, em menos de duas décadas, em que se produziu uma sucessão presidencial forçada, seja por afastamento do mandatário através do Congresso, por incapacidade moral do ocupante do Poder Executivo, como foi o caso do ditador genocida Alberto Fujimori, após permanecer por dez anos na Presidência (1990-2000), ou pela renúncia, como no caso atual, que registrou uma breve permanência de apenas 20 meses à frente do al governo peruano.

“Vizcarra, vice de Kuczynski, recebeu a Presidência em um processo sucessório menos traumático, com uma situação social que parece ser menos aguda e com uma estabilidade macroeconômica de maior fortaleza relativa, mas com elementos e condicionantes estruturais de uma longa continuidade neoliberal, que reforçando os interesses do mercado, com a desregulação como centro de gravidade da dinâmica nacional, às custas do Estado, da política e da sociedade”, comenta Santiago Mariani.

A realidade mostra a falta de ideias que estimulem algo distinto à inércia neoliberal que sequestra a dinâmica econômica, política e social, deixando esquecido o novo pacto social que havia sido anunciado. A continuidade prevalece, apesar dos eloquentes anúncios carregados de boas intenções. Nenhuma mudança aparece no horizonte para colocar em risco o modelo produtivo extrativista e devastador do meio ambiente e das comunidades e populações periféricas.

Continuam imperando os limites da ideologia excludente do livre mercado, a liberdade de comércio e a subordinação à demanda internacional em momentos de crescente protecionismo. Nada sobre igualdade de gênero e direitos de minorias sexuais, quase nada em matéria de arrecadação tributária, e alguma leve menção sobre a possibilidade de vinculação à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e sobre a intenção de impulsar uma reforma institucional.

A última tentativa séria de impulsar uma alternativa que se traduzisse em um ciclo democrático inclusivo de longo prazo foi a liderada por Valentín Paniagua, entre 2001 e 2002. O tempo dessa transição foi breve demais para criar as bases de uma mudança estrutural. Os guardiães do modelo neoliberal não admitem revisões nem mudanças.

(*) Mariana Álvarez Orellana é antropóloga, docente e investigadora peruana, analista associada ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)

Más notas sobre el tema