Cambridge Analytica muda de pele, mas continua manipulando – Por Ricardo Carnevali
A companhia britânica culpou as denúncias de manipulação política pela sua quebra. Denúncias que inundaram os meios internacionais nos últimos meses. Mas a verdade é que principais executivos já trabalham em uma empresa com fins similares chamada Emerdata
Por Ricardo Carnevali*
A consultora britânica Cambridge Analytica, que protagonizou o escândalo pelo uso de dados de milhões de usuários de Facebook, anunciou o fim imediato de todas as suas operações e iniciou seu processo de falência. Porém, na prática, seus responsáveis continuarão oferecendo o mesmo serviço e trabalhando da mesma forma, usando outros nomes para manipular e ameaçar a pureza das eleições em vários países, entre eles Brasil, Argentina, Colômbia e México.
A companhia britânica culpou as denúncias de manipulação política pela sua quebra. Denúncias que inundaram os meios internacionais nos últimos meses. Mas a verdade (e o que a empresa não diz) é que principais executivos já trabalham em uma empresa com fins similares chamada Emerdata.
Não é de se estranhar que muitos meios do primeiro mundo difundiram a manobra. O jornal britânico Financial Times entrevistou ex-empregados, os quais afirmam que a empresa poderia se reinventar com um nome diferente, uma vez que “Cambridge Analytica como marca é absolutamente tóxica, mas o SCL Group certamente ressurgirá com outra cara e outra pele”.
Companies House, a entidade pública que registra as empresas e organizações no Reino Unido, revelou que existe uma nova companhia chamada Emerdata Limited, “com sede nos mesmos endereços usados pela SCL Elections, dirigida pela mesma administração e impulsada pelos mesmos investidores da Cambridge Analytica”. Inclusive se auto descreve da mesma forma, como “uma organização de processamento de dados, alojamento e atividades relacionadas”.
No dia 21 de março, o periódico Business Insider expôs a existência da Emerdata Limited, cujo conselho de administração conta com nomes diretamente vinculados com a Cambridge Analytica e o SCL Group. Alexander Taylor foi nomeado diretor da Emerdata em 28 de março, substituindo o demitido Alexander Nix. Outro diretor do SCL Group, Julian Wheatland, também aparece nos registros como diretor da Emerdata.
Nix, que reconheceu ter trabalhado nas eleições em países de todos os continentes – incluindo Estados Unidos, Reino Unido, Argentina, Nigéria, Quênia e República Tcheca – deixou a companhia após a revelação do escândalo dos dados do Facebook, graças a um vídeo gravado pela televisão britânica com câmara oculta, onde fez diversos tipos de comentários inapropriados, como oferecer grandes quantidades de dinheiro a um candidato e ameaçar publicá-los, numa clara tentativa de extorsão.
Jennifer e Rebekah Mercer, filhas do milionário Robert Mercer – fundador e financiador da Cambridge Analytica, que também apoiou financeiramente a campanha presidencial de Donald Trump –, tinham cargos de responsabilidade na Cambridge Analytica e também aparecem como diretoras da Emerdata desde 16 de março, no momento em que o escândalo era o assunto mais importante de todos os noticiários.
É mais: segundo o Business Insider, entre os responsáveis da Emerdata também aparece Johnson Chun Shun Ko, um executivo chinês ligado ao Frontier Services Group, a firma militar presidida por um proeminente partidário de Trump Erik Prince, fundador da empresa estadunidense do ramo militar Blackwater US, e irmão da secretária de educação dos Estados Unidos, Betsy DeVos.
A Emerdata foi constituída em agosto de 2017, mas já registrou muitas atividades desde que o escândalo do uso ilegítimo dos dados do Facebook chegou às manchetes, em março deste ano, incluindo as já mencionadas nomeações de diretores provenientes da Cambridge Analytica.
Fabricando sua própria falência
A Cambridge Analytica anunciou também que, em breve, anunciará a bancarrota definitiva da sua central em Londres e suas filiais nos Estados Unidos. Tudo isso parece uma cena montada para levar a crer que, uma vez fechada a empresa, o mal se terminou. Mas é óbvio que não será assim.
Em março, Christopher Wylie, um dos seus fundadores, denunciou que a consultora havia utilizado de forma ilegal a informação de 50 milhões de usuários do Facebook.
Recentemente, quando o escândalo tomou dimensão global, o Facebook reconheceu que a consultora britânica havia acessado (ou comprado?) as informações pessoais de ao menos 87 milhões de usuários, e utilizado para criar perfiles de eleitores.
Wylie esclareceu, na declaração ao Parlamento britânico, a mecânica interna da consultora, e denunciou a manipulação que a empresa realizou durante a campanha pelo referendo do Reino Unido, em favor da opção de que o país abandonasse a União Europeia (o chamado Brexit), aceitando de que esse trabalho influenciou os resultados.
AggregateIQ (AIQ), uma empresa canadense, trabalhou com a Cambridge Analytica durante a campanha do Brexit e “desenvolveu um software denominado Ripon, que utilizava algoritmos de dados do Facebook para apontar certos perfis ideológicos mais abertos ao discurso anti europeu”, explicou Wylie. A AIQ desempenhou um “papel muito significativo” na vitória do Brexit no Reino Unido, segundo ele.
Esta denúncia desatou diversas versões e rumores nos Estados Unidos, já que a Cambridge Analytica trabalhou na campanha presidencial de Donald Trump. O vínculo entre a consultora e o presidente republicano não é só de trabalho. Um dos donos da companhia é o multimilionário estadunidense Robert Mercer, um dos impulsores da chamada direita alternativa norte-americana, que na verdade é um movimento de extrema direita e apoiador do magnata imobiliário desde o início.
Mas a Cambridge Analytica não foi a única que recebeu golpes por este escândalo. A rede social Facebook teve uma queda abrupta na bolsa de valores estadunidense e uma diminuição igualmente grande em seu número de usuários.
O Facebook é apontado pelas autoridades estadunidenses e europeias de aproveitar as vantagens tributárias outorgadas pelas regulações mercantis os domicílios sociais, e de ser o principal agente empresarial envolvido nas mudanças de tendência nas urnas britânicas e estadunidenses em 2016.
A rede social administra mais de 300 milhões de gigabytes em informação pessoal dos seus usuários. Um arsenal de perfis que se configura também como uma das plataformas online mais importante do mundo, indispensável para quem quer se beneficiar de modelos de negócio que ampliam consumidores e diversificam mercados através da ação de bots e da automatização industrial.
Tudo isso acontece apenas duas décadas depois de Sergey Brin e Larry Page registrarem o domínio google.com e onze anos depois de Steve Jobs apresentar à sociedade, em San Francisco, o primeiro iPhone. Enquanto isso, o Facebook continua criando perfis de usuários e algoritmos que são usados pela Cambridge Analytica – ou pela Emerdata – por aqueles que queiram (ou possam) pagar.
(*) Ricardo Carnevali é doutorando em Comunicação Estratégica e investigador do Observatório em Comunicação e Democracia, associado ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)