«Las rosas de la resistencia nacen del asfalto»: el último discurso de Marielle Franco en la Cámara de Río
‘As rosas da resistência nascem do asfalto’: O último discurso de Marielle Franco na Câmara do Rio
Seis dias antes de ser assassinada, juntamente com o motorista Anderson Gomes, há cinco anos, a vereadora Marielle Franco fez seu último discurso na Câmara Municipal do Rio. Naquela quinta-feira, 8 de março, Dia da Mulher, a parlamentar tomou a palavra para discorrer sobre questões presentes em seu mandato, como diversidade de gênero, a dignidade feminina no trabalho, a violência sexista no país e o drama cotidiano das moradoras de favelas.
De acordo com um artigo escrito por pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Mídia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), esse pronunciamento de Marielle é marcado pela parresia. Conceito sobre o qual o filósofo Michel Foucault dissertou em seus últimos cursos no College de France, parresia é a fala franca, sem retórica, nem lisonja, «uma modalidade de dizer a verdade, independentemente dos riscos». Parresia é, portanto, falar com coragem.
Em seu texto, os acadêmicos analisam trechos do pronunciamento, destacando as linhas de ideias que formavam as causas da vereadora e que teriam, devido a seu caráter «parresiático», motivado o seu assassinato, no dia 14 de março de 2018. Apesar de passados cinco anos, até hoje os investigadores do caso não descobriram quem mandou matar a vereadora e por que razão. Leia, abaixo, na íntegra, o último discurso de Marielle na Câmara Municipal do Rio.
Boa tarde a todas, especialmente nesta data de hoje; boa tarde a todos; saúdo a presidência da vereadora Tânia Bastos, bem como os demais vereadores desta Casa. Saúdo as assessoras e as terceirizadas, neste dia de luta, de resistência. Uma palavra de ordem para a nossa vida, em meio a essa crise: que nós possamos viver com respeito a todas, cada uma com seu corpo, cada uma à sua maneira, cada uma na sua forma de resistência diária!
Neste dia 8 de março, ocupando uma das apenas sete cadeiras aqui do Parlamento Municipal, precisamos sempre nos perguntar: o que é ser mulher? O que cada uma de nós já deixou de fazer ou fez com algum nível de dificuldade pela identidade de gênero, pelo fato de ser mulher? A pergunta não é retórica, ela é objetiva, é para refletirmos no dia a dia, no passo a passo de todas as mulheres, no conjunto da maioria da população, como se costuma falar, que infelizmente é subrepresentada.
Este 8 de março é um março histórico, um março em que falamos de flores, lutas e resistências, mas um março que não começa agora e muito menos é apenas um mês para pautar a centralidade da luta das mulheres. A luta por uma vida digna, a luta pelos direitos humanos, a luta pelo direito à vida das mulheres precisa ser lembrada, e não é de hoje, é de séculos, inclusive com origem em séculos passados, quando nas greves e manifestações, principalmente as russas, no período pré-revolucionário, mulheres lutaram com firmeza, lutaram pelos direitos trabalhistas.
Eu fico muito à vontade porque esta tribuna, este lugar legítimo, que não ocupamos só no 8 de março, é onde podemos falar contra as reformas da Previdência, onde podemos falar sobre a nossa posição em oposição ao governo Marcelo Crivella, onde podemos falar sobre o processo da intervenção federal. E ocupar este dia no Grande Expediente, na luta por direitos, vem reforçar o simbólico e o objetivo da luta das mulheres.
Mas a luta das mulheres começa, como falei, lá atrás, na revolução em que comemoramos, lutamos e reverenciamos, em 2017, um século da luta das mulheres indígenas por demarcação; da luta das irmãs mulheres negras, que vieram antes de nós, que resistiram a tamanho absurdo que foi o período da escravidão; da luta pelo fim de toda forma de opressão, que se reflete no racismo, na misoginia, na luta contra o patriarcado. Assim, seguimos lutando.
No dia 5, segunda-feira, foi aniversário de uma mulher que é referência para mim, que disputou o partidão, Rosa Luxemburgo, que era coxa. A história conta que ela figurava ali com 1,50m de altura, ia para a linha de frente do front da luta política do seu momento na história. Se é tempo de outro momento histórico, é tempo, sim, de celebrar o 8 de março; é tempo, sim, de reivindicar que esse 8 de março começa muito antes. Como diria a Rosa, aniversariante do dia 5, nós, mulheres, na nossa diversidade e resistência, lutamos por um mundo no qual sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres.
Inclusive neste momento em que a democracia se coloca frágil, quando se questiona se vai ter processo eleitoral ou não, quando vemos todos os escândalos com relação ao Parlamento, falar das mulheres que lutam por outra forma de fazer política no processo democrático é fundamental. Inclusive em tempos em que a justificativa da crise, a precarização, a dificuldade da vida das mulheres são apresentadas, mas tudo com muita dificuldade real. Tempo da escola. Onde estão as vagas apresentadas pelo prefeito Marcelo Crivella, que seriam ampliadas na creche? Onde estão as educadoras e os educadores aprovados em concurso que ainda não foram chamados? Como ficam as crianças que, nesse período de intervenção…
(Neste momento, o vereador Ítalo Ciba, do partido Avante, aproxima-se de Marielle. Ao vê-lo chegando, a parlamentar reage dizendo: «Não vem me interromper agora, não é?». Ciba, então. entrega uma flor à colega, ao que ela responde com um comentário e um agradecimento: «Homem fazendo ‘homice’. Meu Deus do céu. Obrigada, Italo. Muito obrigada! Amém. Obrigada», antes de retomar o discurso).
Obrigada aos vereadores. Como falei antes, e falava na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no dia de hoje, as rosas da resistência nascem do asfalto. Nós recebemos rosas, mas também estaremos com os punhos cerrados, falando do nosso lugar de vida e resistência contra os mandos e desmandos que afetam nossas vidas. Até porque não é uma questão do momento atual.
O vereador, na última semana que falava sobre o processo de violência sofrido pelas mulheres no Carnaval, me questionava de onde eu tirava os dados apresentados. As mulheres, quando saem às ruas, na manifestação, do 8 de março, daqui a pouco na Candelária, fazem porque, entre 83 países, o Brasil é o sétimo mais violento. Volto a repetir, dados da Organização Mundial da Saúde. Esse quadro segue piorando, aumentando 6,5 % no último ano. Por dia, são 12 mulheres assassinadas no Brasil. O último dado que temos no Estado do Rio de Janeiro é de 13 estupros por dia. Essa é a relação com a violência contra as mulheres!
Tem um senhor que está defendendo a ditadura e falando alguma coisa contrária? É isso? Eu peço que a Presidência da Casa, no caso de maiores manifestações que venham a atrapalhar minha fala, proceda como fazemos quando a Galeria interrompe qualquer vereador. Não serei interrompida, não aturo interrupção dos vereadores desta Casa, não aturarei de um cidadão que vem aqui e não sabe ouvir a posição de uma mulher eleita Presidente da Comissão da Mulher nesta Casa.
(A vereadora Tânia Bastos, então presidente da Câmara, pede desculpas a Marielle porque «eu estava um pouco distraída, mas eu não ouvi a manifestação do cidadão». Em seguida, ela solicita aos seguranças da Casa que prestassem atenção no homem que atrapalhava)
Obrigada, Presidenta Tânia. Até porque sabemos que, infelizmente, não é a primeira nem será a última vez que esses casos… Não será a última nem a primeira vez, mas o embate, para quem vem da favela, e minha fala estava falando da violência contra as mulheres, nesses 20 minutos… Nós somos violadas e violentadas há muito tempo, em muitos momentos.
Nesse período, por exemplo, em que a intervenção federal se concretiza na intervenção militar, eu quero saber como ficam as mães e os familiares das crianças revistadas. Como ficam as médicas que não podem trabalhar nos postos de saúde? Como ficam as mulheres que não têm acesso à cidade?Essas mulheres são muitas. São mulheres negras, lésbicas, trans e camponesas. São mulheres que constroem esta cidade onde diversos relatórios, queiram os senhores ou não, apresentam a centralidade e a força delas, mas apresentam também os números.
O “The Intercept” publicou o dossiê de lesbocídio. No ano de 2017, houve uma lésbica assassinada por semana. Lesbocídio é um conceito que as mulheres lésbicas estão cunhando, assim como nós avançamos no debate com relação ao homicídio praticado contra mulheres, que se constituiu no feminicídio. Esses dados mostram a realidade absurda que, sim, vitima a nossa diversidade.
As mulheres negras, por exemplo, quando passam na rua, ainda ouvem homens que têm a ousadia de falar do quadril largo, das nádegas grandes, do corpo, como se a gente estivesse no período de escravidão. Não estamos, querido! Nós estamos no processo democrático! Vai ter que aturar mulher negra, trans, lésbica, ocupando a diversidade dos espaços.
Para quem gosta do porte de armas, por exemplo, que faz alusão a militarismo e tem a audácia de vir querer gritar, no processo da república democrática, hoje, nós rejeitamos nesta Casa o que poderia ser processo de armamento. Outros municípios negaram. Não tem eco. Nem a Polícia Militar hoje está preparada para utilizar armas de fogo.
Para contextualizar, alguém viu o que aconteceu na Praça São Salvador ontem? Pois é. Felizmente, os guardas municipais que estavam lá, que não estavam armados, correram para se proteger assim como todos os outros cidadãos. Se tivessem sacado armas de fogo, certamente teriam sido assassinados e perderíamos mais vidas dos servidores públicos da Cidade do Rio de Janeiro.
É por isso que homens e mulheres que pensam no processo democrático são contrários ao que pode vitimar ainda mais a população da Cidade do Rio de Janeiro, contrária a esse armamento. Em tempo de violência e de negação de direito, ter mais armas vai ser uma retirada de direitos. A saída é ter condições dignas de trabalho para esses trabalhadores e trabalhadoras. É por essas e outras, vários motivos, que a gente defende, sim, a presença de mais mulheres.
Quero saudar a presença da Vereadora Rosa Fernandes, uma referência. Por mais que tenhamos divergências, diferença de partido, é uma mulher que me acolheu. Ela me recebe e trata com o respeito devido.
A Vereadora Tânia Bastos falou novamente. Fico feliz de ter me citado, cedo, quando a gente fala das mulheres na política. O movimento que nós fizemos por mais mulheres nos espaços de decisão é para que as políticas públicas entendam o porquê de um vagão necessário em tempos de assédio. É para que nós possamos falar de mobilidade a partir da perspectiva de gênero. É para que a gente possa falar de economia solidária.
Saúdo a presença da Edjane, da Cristina, da Juliana, da Simone, das mulheres que aqui estão, da Renata Stuart; enfim, do meu corpo de assessoria – das mulheres que constroem este mandato e que elaboram essa política com afeto. O mandato é composto 80% de mulheres, porque a gente entende que o lema “Uma mulher sobe e puxa a outra” precisa ser concretizado.
Uma escritora de que gosto muito, Chimamanda, fala que isso só vai ser alterado se as mulheres que estão no espaço de poder de fato trouxerem, derem o pé, abraçarem, acolherem, construírem com outras mulheres.
Se este Parlamento é formado apenas por 10%, 13% de mulheres, nós somos a maioria nas ruas. E sendo a maioria nas ruas, somos a força exigindo a dignidade e o respeito das identidades. Infelizmente, o que está colocado aí nos vitima ainda mais. O lema deste ano – daqui a pouco estaremos na Candelária –, um dos lemas que a gente coloca de valorização da vida das mulheres é quando as mulheres internacionalistas falam, quando param nas greves internacionais, é quando as mulheres falam: “sim, nós somos diversas, mas não estamos dispersas”. Estamos construindo uma sociedade que, de fato, sendo a base da pirâmide, constrói esta cidade, da mesma forma que a maestrina Chiquinha Gonzaga construiu.
Daqui a pouco, no final do dia, nós, parlamentares, e nós, mulheres, estaremos felicitando aqui, com a Medalha Chiquinha Gonzaga, a Dida. Uma mulher que faz política com afeto, que faz gastronomia, que organiza o lugar de resistência na Praça da Bandeira, esse lugar de encontros das potentes mulheres negras, de resistência – Dida Bar.
Pra encerrar, gostaria de reforçar e dizer das mulheres negras que são nossas referências. Quero citar Audre Lorde, mulher negra, lésbica, escritora de origem caribenha, mas dos Estados Unidos. Feminista e ativista pelos direitos civis. “Eu não sou livre enquanto outra mulher for prisioneira, mesmo que as correntes dela sejam diferentes das minhas. Por isso, nós vamos juntas, lutando contra toda forma de opressão”.
Há uma diversidade de lutas na pauta pela vida das mulheres, na pauta pela legalização do aborto, na pauta pela luta das maternidades, na cultura, no empreendedorismo, pelas mulheres da Zona Oeste. E acho que é fundamental agradecer, neste final, nominalmente a: Elaine, Júlia, Vitória, Mônica, Fernanda, Fabíola, Mariana, Lana, Rossana, Priscila, Renata, Iara, Bruna, Rogéria, Natália e Luna. Às mulheres que constroem esta história, que estão junto comigo. Vamos que vamos!