Amazonía y los militares | La triada ocupación-desarrollo-soberanía es indisociable – Entrevista a Adriana Aparecida Marques

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Por João Vitor Santos

Um modo de compreender a “ala militar” do governo Bolsonaro, de acordo com a pesquisadora Adriana Aparecida Marques, é através das tipologias criadas pelo sociólogo americano Charles Moskos, que caracteriza os militares como profissionais com “larga experiência em organizações internacionais e missões de pacificação/estabilização: eles seriam militares diplomatas ou estadistas, são negociadores hábeis e se relacionam bem com a imprensa”. Particularmente no Brasil, “os oficiais generais das Forças Armadas que ocupam funções importantes no atual governo são em sua maioria militares da reserva que nasceram nas décadas de 1940 e 1950, terminaram o curso da Academia Militar das Agulhas Negras, e suas congêneres nas outras Forças, entre o final da década de 1960 e o início da década de 1980. Eles alcançaram os postos de oficiais superiores no período que vai da ‘abertura’ política do Regime Militar à transição para a democracia e a instauração da Nova República, ou seja, suas carreiras transcorreram durante o processo de afastamento da instituição militar do exercício direto do poder político”, informa.

Autora da tese de doutorado intitulada “Amazônia: pensamento e presença militar” (2003-2007), Adriana Marques explica, na entrevista a seguir, concedida por e-mail para IHU On-Line, a atuação das Forças Armadas na Amazônia e seu projeto de desenvolvimento para a região. “As Forças Armadas e as missões religiosas foram os dois principais agentes de ‘ocupação’ da Amazônia. As Forças Armadas foram e ainda hoje são, em algumas localidades, a única instituição estatal presente na Amazônia e assumem responsabilidades na região que vão muito além do tradicional papel de defesa militar”, como “assistência médica, odontológica, construção de estradas”. Segundo ela, “é natural que uma instituição que age por tanto tempo e com tanta autonomia em uma área como a Amazônia brasileira desenvolva uma percepção própria sobre quais sejam os problemas e as soluções para a região”. O Exército brasileiro, menciona, “vê a ocupação, o desenvolvimento e a proteção da Amazônia como três fatores indissociáveis. Nesse sentido, a soberania sobre a região amazônica depende da sua ocupação e seu desenvolvimento. É nesse ponto que a visão dos militares sobre a Amazônia se choca com a visão dos ambientalistas e dos religiosos mais progressistas, da Igreja Católica em particular”.

De acordo com Adriana Marques, a “preocupação” dos militares com o Sínodo Pan-Amazônico “remete às divergências já bastante documentadas entre o setor progressista da Igreja Católica, as pastorais e as Forças Armadas durante a luta pela demarcação das terras indígenas no Brasil”. Ela lembra o caso da demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em que o “general Heleno, que era o Comandante Militar da Amazônia durante este processo, discordou publicamente, não da demarcação, mas da forma como a demarcação foi feita, contrariando os interesses econômicos dos produtores de arroz na região”.

Adriana Marques comenta ainda que o trabalho cumulativo realizado pelo Ministério das Relações Exteriores, pelo Ministério do Meio Ambiente e por outros órgãos governamentais durante os últimos anos para mudar a percepção da comunidade internacional sobre a Amazônia “foi posto em xeque com as declarações do presidente da República e seus ministros das Relações Exteriores e do Meio Ambiente sobre as questões ambientais”. E acrescenta: “O que é perceptível no atual governo é uma mudança em outras políticas para a região, como a política ambiental e a política externa, principalmente. São as mudanças nessas políticas que impulsionaram a crise diplomática que estamos vivendo”.

Adriana Marques é graduada em Ciências Sociais e mestra em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, e doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo – USP. Atualmente leciona no Bacharelado em Defesa e Gestão Estratégica Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Foi professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Militares da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, entre 2011 e 2015, e diretora da Associação Brasileira de Estudos de Defesa – Abed.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como o Brasil constitui sua concepção de Defesa Nacional? Como essa ideia foi ressignificada ao longo dos anos da redemocratização, chegando até o governo de Jair Bolsonaro?

Adriana Aparecida Marques – Em minha dissertação de mestrado, estudei as concepções de Defesa Nacional desde o Império até a década de 1990 e identifiquei alguns padrões durante a pesquisa, como o alto grau de autonomia com que as três Forças Armadas formulavam as suas concepções estratégicas e a falta de articulação entre a política externa e a política de defesa. Com a criação do Ministério da Defesa e dos documentos normativos que orientam a atuação das Forças Armadas, esta tendência histórica à autonomia e ao insulamento burocrático estava diminuindo. Há alguns anos o Ministério da Defesa incorporou no processo de atualização de seus documentos normativos o conceito de Grande Estratégia justamente para reforçar a importância da articulação entre o setor militar e outros setores governamentais.

O atual presidente da República foi contra a criação do Ministério da Defesa quando era deputado federal. À época, o então deputado acreditava que a criação do Ministério da Defesa era uma imposição dos Estados Unidos com o intuito de enfraquecer as nossas Forças Armadas. O presidente mudou bastante sua opinião em relação aos Estados Unidos, mas continua reticente quanto ao papel do Ministério da Defesa e colocou um general da reserva à frente da pasta, sinalizando que os militares devem ter proeminência na condução dos assuntos de defesa. As consequências dessa atitude para o desencapsulamento da política de defesa que estava em curso nas últimas décadas só poderão ser verificadas com mais propriedade nos próximos anos.

HU On-Line – Como esses militares de hoje se relacionam com o governo Bolsonaro? Quem são os militares que aceitam compor sua gestão?

Adriana Aparecida Marques – Os oficiais generais das Forças Armadas que ocupam funções importantes no atual governo são em sua maioria militares da reserva que nasceram nas décadas de 1940 e 1950, terminaram o curso da Academia Militar das Agulhas Negras, e suas congêneres nas outras Forças, entre o final da década de 1960 e o início da década de 1980. Eles alcançaram os postos de oficiais superiores no período que vai da “abertura” política do Regime Militar à transição para a democracia e a instauração da Nova República, ou seja, suas carreiras transcorreram durante o processo de afastamento da instituição militar do exercício direto do poder político.

Em relação aos generais do Exército que a imprensa convencionou chamar de “ala militar”, pode-se dizer que eles têm em comum a experiência de terem assumido missões importantes no exterior, vários deles comandaram Forças de Paz das Nações Unidas. O sociólogo americano Charles Moskos criou algumas tipologias para caracterizar esse novo profissional com larga experiência em organizações internacionais e missões de pacificação/estabilização: eles seriam militares diplomatas ou estadistas, são negociadores hábeis e se relacionam bem com a imprensa. Nós temos aqui no Brasil uma réplica, por motivos que fogem ao escopo da nossa conversa, de uma prática que o presidente Trump estabeleceu nos Estados Unidos, levando para o seu governo um grupo de “militares diplomatas/estadistas”. Ele inclusive os chama de “os meus generais”, ainda que eles sejam, como no Brasil, profissionais que já estão na reserva.

IHU On-Line – Como a Amazônia se insere num projeto nacionalista brasileiro? Qual o papel das Forças Armadas na ocupação, no desenvolvimento e na proteção desse território?

Adriana Aparecida Marques
– As Forças Armadas e as missões religiosas foram os dois principais agentes de “ocupação” da Amazônia. “Ocupação” esta que envolvia a interação com os povos que viviam na área muito antes da chegada dos europeus à América. As Forças Armadas foram e ainda hoje são, em algumas localidades, a única instituição estatal presente na Amazônia e assumem responsabilidades na região que vão muito além do tradicional papel de defesa militar. Assistência médica, odontológica, construção de estradas etc. estão entre as ações subsidiárias que as Forças Armadas desempenham na Amazônia e há também a atuação frequente em operações de Garantia da Lei e da Ordem, além do combate aos ilícitos transnacionais.

Cabe ressaltar que as forças militares historicamente substituem outras agências estatais que deveriam estar mais presentes na região e que, por vezes, mesmo quando estão não cumprem seu papel de forma satisfatória, o que leva à utilização rotineira do aparato militar em funções que extrapolam as missões tradicionais de Defesa Nacional. Por conta da natureza das missões e das demandas frequentes dos governadores e prefeitos da região, o Exército brasileiro, na época em que o general Villas Bôas era o comandante militar da Amazônia, decidiu dividir a área de atuação do Comando Militar da Amazônia, criando o Comando Militar do Norte.

É natural que uma instituição que age por tanto tempo e com tanta autonomia em uma área como a Amazônia brasileira desenvolva uma percepção própria sobre quais sejam os problemas e as soluções para a região. O Exército brasileiro vê a ocupação, o desenvolvimento e a proteção da Amazônia como três fatores indissociáveis. Nesse sentido, a soberania sobre a região amazônica depende da sua ocupação e do seu desenvolvimento. É neste ponto que a visão dos militares sobre a Amazônia se choca com a visão dos ambientalistas e dos religiosos mais progressistas, da Igreja Católica em particular.

Preocupação dos militares com o Sínodo da Amazônia

A preocupação dos militares com o Sínodo da Amazônia remete às divergências já bastante documentadas entre o setor progressista da Igreja Católica, as pastorais e as Forças Armadas durante a luta pela demarcação das terras indígenas no Brasil. O caso da demarcação da reserva Raposa Serra do Sol é emblemático. O general Heleno, que era o Comandante Militar da Amazônia durante este processo, discordou publicamente, não da demarcação, mas da forma como a demarcação foi feita, contrariando os interesses econômicos dos produtores de arroz na região. Havia também preocupações com a ação das organizações não governamentais na área, que teriam interesses escusos. Todo o processo de demarcação da reserva era visto pelo general através da tríade ocupação-desenvolvimento-soberania.

Os militares materializaram as preocupações com a presença de atores não estatais estrangeiros na Amazônia e a ameaça que isso poderia representar à soberania do Brasil sobre a região em uma estratégia militar, a estratégia da resistência, inspirada na experiência dos vietnamitas contra os franceses e americanos. Creio que o ponto a destacar nessa estratégia é que ela assumia que todas as outras alternativas para proteger a Amazônia haviam falhado. E haviam falhado porque o governo local não havia conseguido cumprir o seu papel.

Há um livro do general Alberto Cardoso chamado “Os 13 momentos da Arte da Guerra”. Nesse livro, o general, que foi o primeiro chefe do Gabinete de Segurança Institucional do governo de Fernando Henrique Cardoso, elenca uma série de medidas que o governo brasileiro poderia tomar para evitar uma campanha internacional em defesa da Floresta Amazônica que viabilizasse uma intervenção militar na região. Entre as medidas sugeridas, ele aponta a necessidade de o Brasil se aproximar dos outros países amazônicos, o que poderia dissuadir as potências estrangeiras de invadirem a Amazônia.

Reler esse livro no atual contexto é interessante porque desde o governo de Fernando Henrique Cardoso o Brasil vinha adotando uma política de aproximação com os países sul-americanos. Posteriormente, durante o governo Lula, a União de Nações Sul-Americanas – Unasul, através do Conselho de Defesa Sul-americano, trabalhou para formalizar uma série de contatos que já existiam entre as forças armadas dos países amazônicos, mas eram esporádicos e pontuais. Países como o Suriname e a Guiana, que eram refratários a acordos multilaterais na América do Sul e mais próximos do Caribe e da Europa, começaram a “sul-americanizar” suas agendas de segurança e defesa. Com o fim da Unasul e a crise na Venezuela, o processo de cooperação militar com países amazônicos que vinha avançando, está comprometido.

O mesmo pode ser dito sobre a política externa e a política ambiental. Havia um trabalho cumulativo de décadas do Ministério das Relações Exteriores, do Ministério do Meio Ambiente e de outros órgãos governamentais que estava mudando a percepção da comunidade internacional sobre as políticas do governo brasileiro para a Amazônia e para os povos que vivem na floresta. Nos últimos meses, todo esse trabalho cumulativo foi posto em xeque com as declarações do presidente da República e seus ministros das Relações Exteriores e do Meio Ambiente sobre as questões ambientais.

Políticas públicas desastradas para o meio ambiente enfraquecem nossa soberania sobre a Amazônia. Decisões na área da política externa que nos afastam dos outros países amazônicos e dos acordos internacionais na área ambiental e dos direitos humanos, que foram firmados nas últimas décadas, também enfraquecem a nossa soberania. Aliás, o descuido com a questão ambiental também sobrecarrega as nossas Forças Armadas que precisaram se envolver diretamente na questão das queimadas, através das operações de Garantia da Lei e da Ordem. E as Forças Armadas são a principais responsáveis pela manutenção da nossa soberania.

IHU On-Line – Há diferenças nas percepções da Marinha, Aeronáutica e Exército no que diz respeito à Floresta Amazônica? Quais e como compreendê-las?

Adriana Aparecida Marques – Eu conheço as percepções da Marinha e da Força Aérea até o começo dos anos 2000, mas faz tempo que não acompanho este tema.

IHU On-Line – De que forma as estratégias militares sobre a Amazônia se articulam com as visões civis acerca da floresta? Como essa relação se dá hoje, na prática do governo Bolsonaro?

Adriana Aparecida Marques – O governo ainda está no começo, então é difícil visualizar uma mudança na estratégia militar para a Amazônia. O que é perceptível no atual governo é uma mudança em outras políticas para a região, como a política ambiental e a política externa, principalmente. São as mudanças nessas políticas que impulsionaram a crise diplomática que estamos vivendo.

IHU On-Line – Ao longo desses primeiros meses de governo, Jair Bolsonaro entrou em rota de colisão com a ala militar do Planalto. Como a senhora observa esses conflitos? Em alguma medida as questões da Amazônia reaproximaram os militares do presidente? Por quê?

Adriana Aparecida Marques – Os conflitos entre o presidente e seus ministros de origem militar ou não, fazem parte da dinâmica de disputa de poder entre os diferentes grupos políticos que compõem o governo. Nessa dinâmica, a “ala militar” se comporta como um “partido” que age para defender interesses e valores que considera importantes. Quando esses interesses e valores não coincidem com os dos outros grupos, vemos os atritos.

Em relação à Amazônia, é evidente que o presidente da República gosta de ostentar o apoio e o reconhecimento do alto oficialato das Forças Armadas, até porque esse apoio e reconhecimento é bastante recente e não exprime o histórico das relações entre o capitão-deputado e os generais. O presidente sabe que precisa cultivar essa nova amizade, e a crise diplomática envolvendo as queimadas na Amazônia é um bom momento para isso.

Instituto Humanitas Unisino


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