A Frente Ampla e o segundo turno no Uruguai – Por Jeferson Miola

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Por Jeferson Miola

O segundo turno da eleição uruguaia entra na reta final num cenário de polarização política e disputa acirrada. Há um relativo favoritismo do direitista Lacalle Pou, do Partido Nacional.

No 1º turno, Daniel Martínez da Frente Ampla [FA] liderou com 39%, livrando mais de 253 mil votos de diferença sobre Lacalle Pou, que ficou em 2º lugar com 28,6% dos votos.

Uma diferença bastante significativa a favor de Martínez, considerando-se o pequeno colégio eleitoral uruguaio de 2,4 milhões de eleitores. Apesar dessa expressiva diferença, entretanto, os sinais indicam dificuldades para a conquista do 4º mandato consecutivo da Frente Ampla.

Desde a eleição de 2004, quando a FA elegeu Tabaré Vázquez à presidência pela primeira vez e interrompeu o ciclo de 170 anos de revezamento entre governos blancos ou colorados, nenhum candidato frente-amplista teve desempenho inferior a 47% no 1º turno da eleição presidencial: em 2004, Tabaré venceu direto no 1º turno com 51,6%; em 2009, Pepe Mujica foi ao 2º turno com 47,9%; e, em 2014, Tabaré fez 47,8%.

Numa sociedade com enorme tradição de estabilidade partidária e ideológica como a uruguaia, essa aritmética é relevante. Nas presidenciais anteriores, a transferência de votos de eleitores dos partidos direitistas entre si foi consideravelmente maior do que para a FA.

O potencial de crescimento de Lacalle Pou no 2º turno, confirmada esta tendência, poderá lhe abrir o caminho da vitória.

O mapa da votação do 1º turno sinaliza que a FA perdeu eleitores majoritariamente no interior do país, mas também diminuiu sua votação na capital Montevidéu, que concentra 40% do eleitorado nacional e é governada pela FA desde 1989.

Houve deslocamento de votos populares identificados com a Frente Ampla principalmente para a extrema-direita, cuja agenda fanático-evangélica, militar e reacionária foi apresentada e defendida abertamente pelo partido Cabildo Abierto. Algo inédito na política uruguaia.

Formado recém em março deste ano, o Cabildo Abierto teve um desempenho meteórico: alcançou 11% dos votos, quase empatado com o candidato do Partido Colorado, fundado no ano 1836 do século 19. Com isso, elegeu 11 deputados e 3 senadores – a FA perdeu 8 deputados e 3 senadores e, consequentemente, a maioria congressual.

O Cabildo Abierto foi criado pelo general Guido Manini Rios logo após sua demissão do comando das Forças Armadas. Tabaré o demitiu porque no cargo, Manini encobriu violações de direitos humanos e torturadores que atuaram na ditadura militar de 1973/1985.

Identificado com Jair Bolsonaro, com quem esteve por 2 ocasiões neste ano, Manini teve seu desempenho eleitoral mais relevante no norte uruguaio, justamente na fronteira com o Brasil, onde viceja o bolsonarismo de raiz.

O Cabildo Abierto preocupa acadêmicos, cientistas sociais e políticos do país, que entendem representar um projeto nefasto e ameaçador à democracia. Este partido não criou, contudo, “discípulos” novos; apenas capturou um sentimento pré-existente na sociedade uruguaia; um sentimento odioso, fanático, racista e anti-esquerda mantido em estado de latência pelos grupos de mídia, por líderes de igrejas evangélicas e políticos opositores.

Manini [assim como Bolsonaro no Brasil] significa a remoção da tampa da cloaca. Uma vez removida a tampa, o sentimento abjeto vaza e então ocupa a superfície da arena pública.

Com os 260 mil votos obtidos principalmente nas camadas humildes [pobres, trabalhadores, soldados subalternos etc], e mesmo que não seja o candidato da oposição no 2º turno, Manini é um forte complicador para a continuidade do governo nacional-democrático da Frente Ampla. Mas não é o único.

O próximo domingo, 24 de novembro, dirá se Daniel Martínez conseguirá superar as circunstâncias difíceis e, em certo sentido, inéditas, que a Frente Ampla enfrenta nesta eleição para, assim, assegurar o 4º mandato à frente do governo deste adorável país.


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