Para Macri, todos podemos ser terroristas – Por Débora Mabaires
Por Débora Mabaires(*), para Desacato.info.
Na República Argentina, a semana que passou não foi uma semana a mais, como também não foi pro Brasil ou para o Paraguai.
Em 18 de julho se cumpriram 25 anos desde o atentado à Associação Mutual Israelita Argentina -AMIA- acontecido em Buenos Aires em 1994.
Durante os 25 anos, o Poder Judiciário argentino encobriu os autores formulando teorias absurdas sobre as explosões que causaram a morte de 85 pessoas. Um dos presidentes que realizou mais manobras de encobrimento foi Mauricio Macri quando retirou os advogados do Estado na acusação do julgamento por encobrimento que aconteceu no país neste ano de 2019. Hoje, ainda, não existe nenhuma prova no prontuário judicial que possa guiar em direção aos autores de tão brutal ataque.
A maior mostra de cinismo foi o ato oficial que se realizou para comemorar o atentado, ato ao que o presidente Macri não compareceu. Com certeza queria estar descansado para apresentar à tarde, na Casa Rosada, o livro Justiça perseguirás,editado pelo Congresso Judeu Latino-americano, resignando mais uma vez más seu papel de chefe de Estado para virar um promotor de vendas.
Porém, a venda de livros com a palavra alheia não foi mais que o ato de distração para poder continuar com sua política exterior de submissão aos Estados Unidos e seus interesses do outro lado do mundo. Assinou um decreto para criar um Registro Nacional de Pessoas e Entidades Terroristas, em que qualquer um de nós poderia ser cadastrado só com menção do nosso nome numa resolução judicial.
Num país onde o ministro da Justiça – que será responsável por esse registro – é quem escreve o roteiro para que delinquentes culpem políticos opositores por crimes que não cometeram, é aterrador.
A trama vem sendo urdida faz meses. Em junho, na sede das Nações Unidas, e com a desculpa da comemoração antecipada do atentado à AMIA, o chanceler argentino Jorge Faurie, junto com delegados do Congresso Judeu Mundial, dirigido pelo estadunidense Robert Singer, tinha adiantado a realização do Encontro Hemisférico Contra o Terrorismo que finalmente aconteceu em 19 de julho, em Buenos Aires.
É claro que contou com a presença do roteirista mor, o Secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo.
“Hoje, na Argentina, vivemos um momento tremendo, quando refletimos que faz 25 anos o Irã efetuou uma campanha terrorista, aqui mesmo, na sede da AMIA, que assassinou 85 pessoas. Não só pessoas da Argentina, mas também cidadãos de outros países. Creio que isto é um indicativo de por que viemos trabalhar aqui sobre antiterrorismo” disse o estadunidense, e continuou com o roteiro geopolítico que seu país escreveu para a Argentina:
“O propósito da minha visita hoje à Argentina é ajudar na região toda a acabar com a ameaça do terrorismo de uma série de fontes, mas sem dúvida, do Irã. Vi com satisfação a decisão do presidente Macri de definir Hezbollah como uma organização terrorista. Nos Estados Unidos estamos fazendo tudo o que podemos para reduzir as tensões com o Irã. Só queremos que deixe de ser o maior Estado do mundo patrocinador do terrorismo”. Três vezes mencionou o Irã em apenas dois parágrafos do seu discurso.
Com estas palavras, selava assim o pacto de sangue com a Argentina, Brasil e Paraguai, recuperando o projeto 3 + 1, que tentaram impor desde o atentado à AMIA. Os três países mais os Estados Unidos, na Tríplice Fronteira. “Este acordo permitirá exercer uma maior coordenação de tarefas entre os países em uma zona tão complexa como a Tríplice Fronteira”, disse o chanceler argentino Jorge Faurie diante dos ministros das Relações Exteriores das Bahamas, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Estados Unidos da América, Guatemala, Honduras, Jamaica, Panamá, Paraguai e Peru; os do México, Uruguai e o Comitê Interamericano Contra o Terrorismo (CICTE) estiveram presentes em qualidade de observadores.
Pompeo, com o aplauso dos acólitos, não duvidou em vincular o Irã com o atentado de 1994, que, segundo o prontuário, não tem se conhece o motivo, nem existem indícios sobre quem foram os autores. E também não ficou vermelho ao associar o Estado do Irã com Nicolás Maduro, acusando o presidente da Venezuela de “trabalhar com o Irã para destruir a região” e “desenvolver uma ação terrorista”.
Enquanto na Argentina, os atores exigem justiça sobre a tragédia de 1994, os conspiradores vão cedendo soberania jurídica e territorial usando o Irã e a Venezuela como escusa.
O Brasil e o Paraguai fazem o mesmo enquanto mantém seus teatros às escuras: este acordo firmado na Argentina, por ser “de colaboração”, também não passará por seus congressos.
Quando o sábado 20 de julho amanheceu, os habitantes do Cone Sul acordamos convertidos em alvos móveis de uma suposta guerra que não escolhemos.
Nem Kafka em “A Metamorfose” foi tão ousado.
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Tradução: Tali Feld Gleiser, para Desacato.info. (Port./Esp.)
(*) Débora Mabaires é cronista e mora em Buenos Aires.