Brasil: O que falta aqui é inteligencia estratégica – Por Luiz Gonzaga Belluzzo
Por Luiz Gonzaga Belluzzo (*)
O economista Tianley Huang, do Peterson Institute, publicou recentemente um artigo a respeito das políticas de investimento do governo chinês. O relatório sobre o Orçamento de 2019, submetido ao Congresso Nacional do Povo, salientou que o governo «daria pleno apoio para o papel dos fundos governamentais na orientação de capital e recursos para áreas-chave de importância estratégica».
Os fundos orientados pelo governo fazem prioritariamente investimentos em empresas não cotadas em bolsa e startups em setores escolhidos. Em alguns casos, esses fundos também investem em empresas cotadas, por meio de aquisições no mercado secundário, fusões e aquisições. A NDRC (Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma) enumera sete áreas nas quais os fundos orientados pelo governo são estimuladas a investir: 1- ensino superior, cultura e entretenimento; 2- infraestrutura; 3- habitação social; 4- proteção ambiental; 5- regiões subdesenvolvidas; 6- indústrias emergentes estratégicas e indústrias de manufatura avançada e 7- inovação e empreendedorismo. Nos últimos anos, os investimentos concentraram-se nas duas últimas.
No dia 23 de maio passado, a NDRC reforçou os programas de conversão de dívida em capital (debt-equity swaps) com novas abordagens para aliviar os encargos da dívida das empresas e impulsionar a sua vitalidade. O vice-presidente da comissão declarou que a conversão de dívida em capital baseada no mercado, com apoio na lei, é medida importante para ajudar as empresas com potencial de mercado a administrar os encargos da dívida e promover o crescimento, com eficiente gerenciamento do risco. Empresas zumbis não entram no programa.
A crise que hoje machuca a economia brasileira é, sobretudo, uma crise de inteligência estratégica
«Nossos esforços na busca de conversões dívida-capital baseados no mercado, com apoio na lei, nos últimos anos, funcionaram. O trabalho nessa frente atingiu uma conjuntura crucial, e desempenha um papel importante na promoção de um ambiente de negócios, energizando a vitalidade do mercado», disse Li Keqiang. «Sem sucesso neste empreendimento, os mercados de capitais da China dificilmente podem florescer».
Peço licença ao leitor para reproduzir o que já escrevi recentemente a respeito das peculiaridades da economia do Império do Meio. Os chineses cuidaram reforçar a centralidade da «organização capitalista» em que prevalecem nexos «cooperativos» nas relações entre empresas e burocracias civis, militares e de segurança encarregadas de fomentar e administrar o sistema de avanço tecnológico (P&D). É crucial a presença dos bancos públicos no provimento de crédito e para permitir a apropriação da tecnologia, mediante a utilização das empresas estatais para a formação de joint ventures com empresas privadas, nacionais e estrangeiras, promovendo a «administração estratégica» do comércio exterior. Essa arquitetura institucional não apenas assegurou excepcionais taxas de investimento e acumulação de capital, como também ensejou programas de «graduação» tecnológica.
O paradigma sino-asiático acentua sobretudo a importância das vantagens competitivas construídas na interação entre Estado, empresas, fornecedores e clientes: a- processos cumulativos de aprendizado «learning by doing» na produção flexível, no desenvolvimento de produtos); b – economias de escala dinâmicas (ganhos de volume associados ao tempo e ao aprendizado);c- estruturação de redes eletrônicas de intercâmbio de dados que maximizam a eficiência ao longo das cadeias de agregação de valor (economia de capital de giro, sobretudo minimização de estoques, de custos de transporte e de armazenagem); d – novas economias de aglomeração (centros de compras e de assistência técnica e formação de polos de conhecimentos técnicos e gerenciais);e- economias derivadas da cooperação tecnológica e do co-desenvolvimento de produtos e processos.
A crise que hoje machuca a economia brasileira é, sobretudo, uma crise de inteligência estratégica. Bolsonaro, Paulo Guedes e seus «seguidores», dentro e fora do governo, se empenham na desconstrução do arcabouço institucional que sustentou o desenvolvimento do país ao longo de cinco décadas. O debate econômico no Brasil está espremido no espartilho mental que abriga a oposição binária entre Estado e Mercado. Cortar, desmobilizar, privatizar, são os verbos mais conjugados nos gabinetes dos palácios e da finança. Não por acaso, a Secretaria que cuida das Privatizações ostenta também a alcunha de Desinvestimentos. O encolhimento do BNDES está inscrito no programa de desmontagem institucional patrocinado pelo governo Bolsonaro.
Vamos olhar para frente: a integração às cadeias globais vai certamente exigir políticas distintas daquelas executadas nos anos do nacional-desenvolvimentismo. A ênfase, agora, deve ser colocada na busca da construção de vantagens dinâmicas apoiadas em programas de inovação, sobretudo os articulados ao agro-negócio, às novas fontes de energia, à infraestrutura e às grandes demandas sociais, como educação, saúde, mobilidade urbana, segurança. Exemplos: estender a outros setores experiência do bem sucedido arranjo Embrapa /agronegócio, valorizar o sucesso da Petrobras na exploração em águas profundas e estimular a pesquisa e desenvolvimento nas novas fontes de energia renovável.
Na edição de outubro de 2014, o World Economic Outlook, do FMI, andou na contramão dos desinvestimentos. Recomendou o investimento público como indutor da demanda agregada e como instrumento de irradiação de expectativas favoráveis à formação bruta de capital fixo no setor privado.
«No curto-prazo, impulsiona a demanda agregada mediante a operação do ‘multiplicador fiscal’, incitando o investimento privado (crowding in), dada a forte complementariedade ensejada pelo investimento em serviços de infraestrutura… No longo prazo, há um efeito sobre a oferta, na medida em que a capacidade produtiva se eleva com a construção do novo estoque de capital».
O investimento em infraestrutura executado ou organizado pelo setor público, não concorre com o investimento privado, mas, ao contrário, serve como indutor ou o complementa.
(*) Luiz Gonzaga Belluzzo é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreve mensalmente às terças-feiras. Em 2001, foi incluído entre os 100 maiores economistas heterodoxos do século XX no Biographical Dictionary of Dissenting Economists.