A sobrevivência dos sindicatos depois do fim do custeio obrigatório pela contribuição sindical – Por Francisco de Assis Macedo Barreto

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Por Francisco de Assis Macedo Barreto

A ruptura sistêmica do Direito Material do Trabalho, instrumentalizada na Lei 13.467/2017, a chamada “reforma trabalhista”, também refletiu no custeio das entidades sindicais, nos seus três níveis hierárquicos. A fonte heterônoma, legal, e, por conseguinte, imperativa, era a contribuição sindical, descontada, substitutiva e anualmente, pelo Empregador, no valor do salário solvido ao Empregado, agora não mais obrigatória. As demais fontes são avençadas autonomamente pelos membros do sindicato.

Pretende-se estudar se a supressão da obrigatoriedade, inviabilizando a existência econômica do sindicato, autoriza intuir que se trata da concretização do escopo da globalização em obliterar o sindicalismo, destruindo a solidariedade profissional entre Trabalhadores, reduzindo-os ao papel de Consumidores.

E, sob o contexto do ordenamento jurídico brasileiro, abordar-se-á a constitucionalidade da norma. Como fonte dessas ilações subsidiar-se-á na Hermenêutica, em especial na Jurisprudência, nas Diretrizes europeias e na Doutrina.

A metodologia empregada se consubstanciará na análise e cotejo da construção doutrinária e jurisprudencial no tempo, sendo esta última na apreciação de julgamentos pertinentes ao tema emitidos pelos órgãos julgadores brasileiros, tomando por fulcro a mudança legislativa nacional, tudo sob a sistemática principiológica do Direito do Trabalho, acompanhada do escólio apurado na literatura integrante da Sociologia.

O aspecto da desconstrução do sindicalismo

A crítica usual destinada ao enfraquecimento das entidades sindicais se faz na via do seu “déficit de legitimidade”, na locução-conceituação habermasiana. Os sindicatos não se importam em lograr novos associados pôr a tanto não influenciar no recolhimento da contribuição sindical, cujo desconto salarial alcança a todos os Trabalhadores integrantes da categoria profissional. Não obstante, por uma visão puramente instrumental, como bem sustentado na peça vestibular da indigitada ADIN 5.794, as entidades sindicais prestam serviços advocatícios aos Trabalhadores que não são complementados pelo Estado, embora seja uma exigência constitucional, a par de representarem os Trabalhadores por via da legitimação extraordinária no ajuizamento de ações judiciais individuais substituindo-os e assim os protegendo dos Empregadores processados, bem como no ajuizamento dos Dissídios Coletivos e na avença de Acordos Coletivos e Convenções Coletivas, quando são acrescidos direitos subjetivos em prol da patrimonialidade de todos os integrantes de toda a categoria profissional, e não apenas em favor dos associados do sindicato.

Mas a questão perpassa a esfera jurídica. O reconhecimento do Direito do Trabalho no Brasil se deu no bojo da Revolução de 1930, sintetizada aqui pela locução Estado Novo, que rompeu com o tecido social anterior no qual predominava a elite ruralista, convolando-a pela ascensão de uma categoria industrial-comercial burguesa, cujo fulcro gerador de riquezas tem empa na empresa mercantil e não mais na propriedade rural. A mudança no conteúdo das relações sociais produtivas alcançou as relações trabalhistas — antes consideradas um caso de polícia, como imputado ter sido dito pelo Presidente da República deposto Washington Luiz, diante dos conflitos proletários paulistas —.  Impunha-se, assim, regulamentar esta nova relação jurídica trabalhista por meio de uma sistematização jurídico-normativa com principiologia própria, para a qual contribuiu o gênio de Oliveira Vianna, que veio a compor, como membro governista, as Comissões paritárias constituídas no escopo de serem “lançados os primeiros fundamentos legais do novo direito social” .  A narrativa de Oliveira Vianna de que nesta normatização limitou-se a um singelo “aproveitamento dos usos, tradições, praxes, costumes, mesmo instituições administrativas oficiosas”, que se amalgamariam em um “sistema orgânico de normas fluidas”, “cuja existência os nossos legisladores não haviam sequer pressuposto”, parece se contradizer quando o mesmo eminente professor da Faculdade de Direito de Niterói  explica, imediatamente, que cabia ao membro do Governo “dar forma legal e sistematizada à ganga bruta, mas viva e radioativa, que nos vinha às mãos, elaborada grosseiramente pelos leigos representantes das classes interessadas, a quem havíamos confiado, intencionalmente, a preparação das primeiras bases da futura legislação (anteprojeto)”.  Intui-se que os interesses que deveriam ser assegurados na gênese da sistematização do Direito do Trabalho brasileiro, e as “formas possíveis de resoluções jurídicas”, não foram “extensamente esclarecidas mediante discussão e agitação e amadurecidas para o pronunciamento dos profetas” , mormente pela norma legal não ter sido fruto de processo legislativo, posto ter sido outorgada por Decreto-lei. Logo, a intervenção heterônoma do Estado nas relações trabalhistas é ínsita em sua gênese e, portanto, a manutenção do sistema sindical é uma atribuição estatal.

Os métodos de controle de produção transcendem à sua função instrumental nos setores econômicos-fabris para influírem na esfera mais ampla das relações sociais, a partir do desempenho de papéis sociais por cada Trabalhador, que assim se convola em um Cidadão, submetendo-se a uma estratificação social por critérios patrimoniais. No âmago da Sociedade o indivíduo detém um status e um papel, afirmando Hermes Lima que no papel está o aspecto dinâmico do “status”, pois “ao exercer direitos e deveres que constituem os “status”, o indivíduo desempenha um papel.

Sucessivamente, e na toada da globalização, posto que o “tempo livre atualmente existente é tempo para consumir mercadorias, sejam elas materiais ou imateriais”, o Trabalhador-Cidadão agora se metamorfoseia em um Consumidor. No exercício deste papel de Consumidor desconstrói-se a solidariedade classista-profissional em razão de que o Trabalhador não mais se identifique como tal, não reconhecendo sua própria dignidade objetiva e subjetiva laboral. Deste modo, robustece-se o controle social, retroalimentando o sistema de produção predominante na Sociedade. No dizer de Guy Standind “…os batalhões de trabalhadores industriais que integram os movimentos trabalhistas se retraíram e perderam seu sentido de solidariedade social”, obliterando-se o sindicalismo. Acresça-se a esta aporia de identificação os indivíduos do precariado, um “grupo econômico distinto”, comportando a ideia de uma classe global ainda em formação, composta de milhões de Trabalhadores, na maioria imigrantes, que não pertencem à “classe trabalhadora”, nem ao “proletariado” e tampouco à “classe média, ‘nem informal’”, ainda que detentores de titulação acadêmica. Sem dignidade e autoestima a saída do Trabalhador é “procurar por esse apreço em outro lugar” diminuindo sua “frustação de status”, o que o empurra para o papel de Consumidor, rejeitando seu papel de sindicalizado e, portanto, negando-se a contribuir pecuniariamente para a manutenção do sindicato. Constata-se, em verdade, o desiderato da concretização dos interesses econômicos subjacentes da globalização, — verbi gratia: o europeu Livro Verde na seara da flexisegurança, rompendo com o Welfare state — ou seja, interesses exógenos.

Na Doutrina e na Jurisprudência trabalhistas profliga-se esse processo degenerativo dos Direitos Fundamentais Sociais, a chamada precarização, posto seu substrato ser o status civitates, uma conquista civilizatória intangível ao retrocesso social.

Considerações finais

Negar a obrigatoriedade ao recolhimento da contribuição sindical é, na verdade, anodizar a atividade sindical, posto que o Trabalhador, nesta quadra da globalização, pretere este papel social em favor do papel de Consumidor. Por conseguinte, o Trabalhador afasta-se do convívio sindical, recusando legitimidade ao sindicato de sua categoria profissional, e assim, negando-se a contribuir pecuniariamente para a sua manutenção, contribuindo, em um circulo vicioso, para a precarização das relações trabalhistas. Não se pode falar, — como nunca se pôde falar —, em exercício da Autonomia Privada pelo Empregado, em sede de Direito Material do Trabalho.


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