Sete bilhões a mais do FMI, antes que o barco de Macri afunde – Por Rodolfo Koé Gutiérrez
Por Rodolfo Koé Gutiérrez*
Depois de vários dias de incertezas, e da quarta greve geral contundente durante o governo de Mauricio Macri, o ministro argentino da Fazenda, Nicolás Dujovne, acompanhado de Christine Lagarde, diretora do Fundo Monetário Internacional (FMI), confirmou um novo acordo, que contempla um empréstimo ainda maior à Argentina, passando dos 50 bilhões originais a 57,1 bilhões.
Os recursos serão entregues paulatinamente até 2021 – dois anos depois do fim deste mandato presidencial. O acréscimo parece grande, mas frustrou um pouco as expectativas do macrismo, que solicitou um incremento de 20 bilhões.
Dujovne afirmou que os valores já não terão “caráter precatório”, e poderão ser “plenamente utilizados como suporte orçamentário”, por parte do governo. Com respeito à inflação, o ministro não especificou as cifras, adiantou que haverá uma alteração no esquema de metas, e que será estabelecida uma política de tipo de câmbio flutuante com “uma zona de não intervenção”.
Em Nova York, com a bandeira argentina adornando a sala do seu encontro com a manda-chuva do FMI, Dujovne explicou que o montante do empréstimo aumentou em 7,1 bilhões de dólares porque, com isso, é possível incrementar os recursos destinados ainda este ano e durante 2019 (quando haverá eleições presidenciais). Assim, o país receberá mais 14 bilhões este ano e 23 bilhões de dólares no ano eleitoral de 2019, quando o macrismo tentará de manter no poder.
Este segundo acordo com o FMI (em menos de três meses) é resultado de uma nova corrida cambiária, que elevou o dólar a uma cotação máxima histórica de 42 pesos. Somente esta segunda corrida do ano (a primeira ocorreu em abril, e provocou o primeiro resgate do Fundo) consumiu 15 bilhões de dólares, exatamente o total da primeira parte do empréstimo entregue em junho, numa fracassada tentativa de frear a desvalorização do peso.
O homem que liderou a intervenção nos mercados foi o agora ex-presidente do Banco Central, Luis Caputo, que renunciou na segunda-feira (24/9), após três meses de gestão, em meio às novas negociações com o FMI. Seu substituto, Guido Sandleris, já anunciou que a entidade não atuará no mercado cambiário enquanto a divisa flutue entre 34 (piso) e 44 pesos (teto). Se superar esse valor, o BC limitará sua intervenção a 150 milhões de dólares por dia, sem importar o valor que o dólar alcance.
“No hipotético caso de que essa teoria funcione, o país chegaria a uma situação de equilíbrio para o dólar e a inflação, mas com consequências sociais imprevisíveis, em matéria de recessão e queda de capacidade de demanda dos setores de renda fixa (assalariados)”, comenta o analista Raúl Della Torre. Ademais, agrega que “Sandleris avisou que o combate à inflação será feito a partir de uma taxa de crescimento zero, daqui até junho de 2019, uma medida de concepção monetarista extrema, que poderia provocar uma queda imensurável no nível de atividade”.
Tampouco haverá um teto explícito às taxas de juros, que serão definidas diariamente pelo nível das chamadas “leliq” (títulos de liquidez), instrumento pelo qual o Banco Central retribui os bancos por colocações a sete dias. Ambas as medidas, foram aprovadas pelo FMI, consideradas de caráter ortodoxo extremo, e partem do princípio de que o dólar e as taxas sobem sem limites somente pelo efeito da tentativa de frear a mega inflação.
Ao limitar o dinheiro em circulação, se espera que um aumento dos preços possa reduzir a quantidade de operações que podem se concretizar, o que criaria um teto para a inflação. E se os pesos circulando na praça fossem tragados pela compra de dólares, poderia subir a cotação, mas somente até o limite de pesos disponíveis.
O naufrágio de Macri
O periódico britânico Financial Times, ao publicar sobre a renúncia de Luis Caputo à presidência do Banco Central argentino, alertou sobre a crise argentina, dizendo que “o pânico social se aprofunda, enquanto o presidente Mauricio Macri negocia um novo acordo com o FMI, em Nova York, para tentar restabelecer a confiança dos mercados e frear a corrida cambiária.
Longe de trazer mais confiança, a renúncia de Caputo gerou mais dúvidas e “provocou a queda do peso em mais de 5%, prejudicando as tentativas de Macri de restaurar a normalidade para atrair os investidores”.
Sobre a conjuntura econômica argentina, o Financial Times opinou que “os investidores estão cada dia mais preocupados” com os países de economias emergentes (como a Argentina), devido a governos “incapazes de pagar bilhões de dívidas em dólares, enquanto o valor da divisa continua subindo”. E o artigo continua: “a Argentina foi o mercado emergente mais agressivo na busca por fundos para tentar frear uma corrida cambiária contra a sua moeda, que perdeu a metade do seu valor este ano”.
A verdade é que o FMI entrega os dólares, mas não quer que façam qualquer coisa com eles, como rifar esses recursos diariamente com políticas erráticas de intervenção no mercado cambiário. Caputo e sua equipe começaram realizando leilões de reservas em horário predeterminado. Depois, passaram a fazê-lo em qualquer hora, segundo a evolução do mercado, até que, finalmente, terminaram com uma dinâmica de leiloar poucos minutos antes do fechamento, para influir na cotação final do dia.
Também vendeu contratos de dólar a futuro, que trarão fortes prejuízos ao Banco Central, para finalmente voltar a vender dólares de forma direta, ao largo da jornada cambiária. O resultado é demolidor: em apenas três meses de administração da mesa financeira do BC, Caputo dilapidou quase todo o primeiro envio do resgate do FMI – que foi de 15 bilhões de dólares. Ainda assim, o dólar subiu de 20 a 40 pesos, e a taxa de juros passou a 60% anual – nível que está levando a um colapso da economia real.
Para o FMI, não importa até onde a cotação pode subir, o que interessa é limitar a venda dos (seus) dólares no mercado cambiário. O organismo quer que esses dólares sirvam somente para garantir o pagamento dos juros e o capital da dívida. Para que o Fundo entre com uns bilhõeszinhos a mais, com a esperança de ganhar tempo até o processo eleitoral do ano que vem, Caputo foi lançado ao mar.
A Forbes, uma das publicações financeiras mais influentes do mundo capitalista, manifestou que “a Argentina poderia descarrilhar em breve, tão breve quanto o período deste último diretor do seu Banco Central”. O autor da matéria, Kenneth Rapoza, foi contundente em sua nota, assegurando que, para os mercados, o motivo da saída de Caputo é preservar o que lhe resta de imagem, e se salvar do “Buenos Aires Titanic”.
“O barco está afundando”, afirma categoricamente.
Enquanto isso, o orçamento
O orçamento nacional de 2019 reflete o conceito neoliberal do governo, que aplicou um ajuste de gastos desavergonhado neste ano de 2018, e que pretende ser ainda mais enérgico em 2019. “O governo de Macri está disposto a adotar todas as medidas que julga necessárias para assegurar o pagamento aos credores, que surgiram em grande parte do feroz endividamento deste governo, cujo objetivo foi financiar o déficit fiscal criado pelo erro de reduzir os impostos aos setores de maior renda”, comenta o economista Horacio Rovelli.
Contudo, por mais que deixe de cumprir com suas funções básicas, siga despedindo empregados públicos, ou conte com o apoio (e com novas dívidas) do FMI, o governo não pode garantir que o desproporcionado vencimento de capital de dívida seja renovado em sua maior parte, pela simples razão de que ninguém vai emprestar dinheiro a um país que não tem solvência econômica, e que, com suas medidas de ajuste, endurece o processo recessivo – e, com isso, diminui a arrecadação de impostos internos.
(*) Rodolfo Koé Gutiérrez é jornalista argentino e analista associado ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)
Publicado originalmente em estrategia.la | Tradução de Victor Farinelli