João Pedro Stedile, economista y coordinador del MST en Brasil: «No hay espacios más que para un gobierno de composición de clases»

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Stedile: «Não há espaços mais para um governo de composição de classes»

Em sua vivência política, João Pedro Stedile afirma que nunca viu uma eleição tão acirrada. Para ele, há uma disputa clara entre dois projetos, que representam a «final» da luta de classes – e o juiz é o povo. Nessa disputa ficam esquecidos. a discussão de projetos e as candidaturas sem chance de ganhar o páreo. Para os movimentos populares, fica a tarefa de pensar novas formas de dialogar com o povo, apoiar projetos populares e tentar evitar a ascenção do facismo, representado pela candidatura de Jair Bolsonaro (PSL).

Stedile não acredita nas preocupações de parte da esquerda e pondera que mesmo com altas intenções de voto, a população brasileira não é nem de perto majoritariamente fascista. Mas reconhece que com o atual grau de polarização, a possibilidade de um governo de conciliação de classes capitaneado pela esquerda, é muito pequena.

O programa Democracia em Rede, produzido pela Rede Lula Livre e Rádio Brasil de Fato, entrevistou João Pedro Stedile, economista e membro da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Na conversa, ele analisa a conjuntura nacional das eleições e também os desafios no período pós-eleitoral, apontando perspectivas em relação ao resultado das eleições em primeiro e segundo turno. Confira.

Brasil de Fato: Como os movimentos sociais enxergam essa eleição? 

João Pedro Stedile: Nós estamos vivendo um período histórico da sociedade brasileira, que transformou as eleições numa disputa de luta de classes, uma disputa de projeto, que, inclusive, na minha pouca vivência política, eu não me recordo de outra eleição em que os dois projetos estavam tão claros. Mesmo a eleição de 89, que foi muito disputada, foi mais um festival de democracia e a figura do Collor era vista como um caçador de marajás – e ele procurou se distanciar da Globo e dos capitalistas.

Agora, essas eleições têm um significado muito importante, porque elas levaram para disputa eleitoral uma luta de classes que se acentuou na sociedade brasileira a partir da eclosão da crise econômica que afeta a todos nós. A crise econômica começou em 2008, se agravou em 2013, e em 2014 emergiu com força. A burguesia, então, para se salvar da crise econômica, cujas causas, inclusive, vêm de fora, deu o golpe político. Para aplicar um plano que significa, na verdade, ela se proteger e jogar todo o peso da crise sobre a classe trabalhadora.

O Brasil está tal e qual o Titanic, como disse o comandante do Exército, [General] Eduardo Villas Bôas. Quando a crise econômica acontece, ou seja, quando o barco começa a afundar, a primeira classe corre pegar os botes e a segunda e terceira classes, que são a classe trabalhadora, vão se afogar. E eles botaram ainda a orquestra do navio para distrair a segunda e terceira classes. Esse papel da orquestra, aqui no Brasil, é a Globo, com as novelas, com seus fakes, com toda a máquina midiática que eles têm, eles ficam tentando dispersar e enganar a classe trabalhadora. Mas nesse projeto que eles deram o golpe para se salvar, eles não conseguiram nem tirar o Brasil da crise econômica e, ao contrário, geraram uma crise social, pelo aumento da desigualdade; geraram uma crise ambiental, pela voracidade com que as empresas vêm para o Brasil agora tomar conta do pré-sal, do minério de ferro, da água; e geraram uma crise política, porque o governo não representa ninguém. Na história da nossa república, nunca houve um governo que tivesse só 3% de apoio. Pior, essa crise política, então, aparece agora, nessa semana, quando eles não conseguiram ter unidade suficiente para ter um só candidato da direita, para ser porta-voz do seu projeto.

Que seria o Geraldo Alckmin, no caso?

Eles tentaram, partidariamente, criar essa unidade em torno do Alckmin, com seus 10 partidos que se somaram. Mas esqueceram de combinar com o povo. Porque, pra você dar unidade popular, precisa ter carisma popular, precisa ter representatividade popular. E o povo negou essa representatividade popular aos golpistas. E o único que emerge no campo da direita, que é o desastre deles, foi o [Jair] Bolsonaro. O Bolsonaro é o fruto do que eles semearam durante os últimos cinco anos: todo dia falando na Globo contra o PT, contra a esquerda, contra a Venezuela, contra o Lula, contra a igualdade social, contra as cotas, contra os negros, contra os sem-terra. Bom, se tu fica fazendo uma mensagem diária que leva à discriminação, à misoginia, às ideias fascistas, evidentemente que essas ideias vão aparecer agora em torno de um candidato, que é Bolsonaro.

Então, eles estão em um pepino muito grande, porque Bolsonaro, a bem da verdade, ele não é também um legítimo representante da burguesia, ele é um fascista, ele quer resolver tudo na porrada, na arma. Tanto é que ele usa aquilo de mostrar com os dedos o símbolo de uma arma. Eu acho que a burguesia está com muitos problemas, eles não conseguiram viabilizar o Alckmin e agora não sabem o que fazer com o Bolsonaro.

Você acha que existe a possibilidade de a burguesia rechaçar ou tentar impedir mesmo que o Haddad tome posse, se for eleito, e apoiar massivamente o Bolsonaro em um segundo turno?

Eu não acredito. Claro, tudo isso são hipóteses, e vocês podem entrevistar vários companheiros com opiniões diferentes, mesmo no campo da esquerda. Mas a minha leitura é que a burguesia não vai arriscar com o Bolsonaro. Até porque a burguesia, como máquina econômica, não tem mais tanta força. Isso se revelou com o Alckmin. A burguesia com a máquina da Globo também não tem mais tanta força. Vocês veem que a Globo tentou viabilizar o Alckmin de todas as formas. A imprensa, em geral burguesa, tentou. A última revista desta semana da Veja é pau no Bolsonaro, evidenciando os seus pequenos grandes pecados familiares, mostrando que ele também teve um enriquecimento mal explicado. Mas mesmo assim, você vê que os votos do Bolsonaro estão consolidados. Então, eu acho que no segundo turno, os votos da burguesia vão se dividir. Ela não tem mais tanto poder de influenciar o voto dos trabalhadores. De certa forma, os trabalhadores também estão consolidados na sua leitura do que está acontecendo no Brasil.

Então há uma divisão na burguesia?

Eu acho que a burguesia vai dividida. Ela não tem mais tanta força de ela decidir as eleições pelo poder econômico. Eu acho que a burguesia mais inteligente, que é representada pelos seus intelectuais orgânicos, como Delfim Neto, como Fernando Henrique Cardoso, como o próprio Tasso Jereissati, eles já estão acenando. Aqui no Paraná mesmo, os próprios tucanos paranaenses já deram vários sinais de que não apoiarão o Bolsonaro. Então, eu acho que essa é a medida mais inteligente. O que eu fico mais preocupado é se depois que o Haddad ganhar, eles tentarem reconstruir um governo de conciliação, que, do ponto de vista econômico não tem mais espaço. Nós ganhamos a eleição de 2002 porque parte da burguesia brasileira se aliou ao Lula. E com isso foi possível uma vitória, mas resultou dessa vitória um governo de composição de classes. Então o governo Lula foi um governo bom para todo mundo. Todas as classes se sentiam representadas no governo Lula. Desde os banqueiros, como o [Henrique] Meirelles, que está aí mostrando quem é, até os mais pobres, que foram beneficiados pelo Bolsa Família e por todas as políticas.

Eu acho que, nesse quadro de crise econômica, não há espaços mais para um governo de composição de classes. Ou seja, porque quando tu não tem uma crise econômica, que há excedentes econômicos na sociedade, é fácil fazer políticas públicas que atendam aos pobres sem atingir o lucros dos ricos. Agora os ricos estão em crise. Os únicos que não estão em crise são os bancos e as empresas transnacionais.

Como deve ser então um eventual governo petista?

Então, um governo Haddad terá que, necessariamente, atingir os bancos e atingir as grandes corporações para poder voltar a criar emprego e atender aos mais pobres. E a pauta econômica é urgente, então o governo Haddad vai ter que, imediatamente, tomar medidas no campo tributário. Ainda que do ponto de legislativo só sirva para o ano que vem, mas o governo tem mecanismos de controlar o lucro dessas empresas e mesmo usar todo o dinheiro público para, invés de pagar juros, fazer investimentos pesados na reindustrialização do país.

O PT tem falado em usar, inclusive, as reservas internacionais…

Eu acho que isso não é necessário. O Brasil é um país rico. Deixa lá os 200 bilhões como uma espécie de retaguarda, do ponto de vista econômico. Mas você faz um programa de habitação popular muito barato. Imagina, cada casa popular custa R$ 50 mil, então, pra fazer um milhão de casas não precisa muito dinheiro. E a mesma coisa a reforma agrária. E a mesma coisa a indústria que gera emprego. Com um bom programa do BNDES, como, aliás, o Lula fez em 2008, tu consegue retomar. Mesmo uma boa administração da Petrobrás. Coloca de novo lá o Gabrielli na Petrobrás e faz com que a Petrobrás volte a fazer as encomendas no Brasil, cancele os leilões que eles fizeram do pré-sal, que isso foi à revelia da lei. E então, com medidas de emergência, a gente possa recuperar o emprego, a renda e o bem-estar para a classe trabalhadora. Mas nota: não dá mais para melhorar de vida a classe trabalhadora sem mexer no lucro dos bancos e das grandes empresas.

Como o PT pode fazer garantir essas reformas, principalmente na conjuntura da luta de classes, que está muito acirrada e também numa ascensão do fascismo que vai apontando em pautas contrárias à classe trabalhadora? Como fazer isso? Talvez, muitas das críticas dos movimentos sociais aos governos do PT foi o afastamento das bases. Talvez não seria essa a saída para o governo Haddad conseguir implementar essas reformas?

O governo Haddad não pode ser visto como um governo PT, nem da esquerda. «Ah, mas então vamos de novo compactuar?» Não. O governo Haddad só se viabiliza se ele for um governo popular. Isso significa que a primeira pactuação tem que ser feita com o povo, com as massas e isso se faz de várias formas: com setores organizados, como são as centrais sindicais, com os movimentos populares, com as igrejas, que têm muita capilaridade e falam com o povão, com a juventude. Mas, sobretudo, nós temos que recuperar no Brasil métodos de participação popular no governo, que pode acontecer de muitas formas, com plebiscitos populares por exemplo.

Então, o primeiro plebiscito que o governo teria que fazer é para revogar as medidas contra o povo, que o governo golpista do [Michel] Temer tomou, seja a reforma trabalhista, seja a PEC 55, sejam outras medidas perversas que ele tomou. Bom, o plebiscito é uma forma, o referendo é outra forma, e há outras formas de estimular o debate com a sociedade, mesmo na rua.

Quais seriam as principais tarefas dos movimentos sociais para responder em um governo de ultra direita, que seria representado pelo Jair Bolsonaro?

Honestamente, eu acho que as ideias fascistas e o Bolsonaro não têm a maioria da sociedade. Você mesmo pode pesquisar no seu ambiente. Para ter maioria de fascista, eles já estavam na rua nos trucidando. Então, não pode ter maioria de fascista na universidade, não pode ter maioria de fascista nas igrejas, não pode ter maioria de fascista entre os comerciantes e ninguém quer a violência como solução. Pode fazer qualquer pesquisa aí, não há nenhum setor social que quer a violência. Mesmo entre os policiais militares, cuja tarefa é repressão, mas dentro da lei, mesmo os tenentes coronéis, eu tenho visto nos últimos dias apareceram vários artigos de coronéis da PM do Sergipe, do Ceará, de São Paulo alertando que não será distribuindo arma para a população ou a polícia ser mais truculenta que vai resolver o problema da violência. Ao contrário, as armas matam. Ou seja, vai criar mais violência.

O caso do Rio de Janeiro é ainda mais didático, porque eles aumentaram a repressão, botaram o Exército na rua e o índice de criminalidade aumentou. Então, não resolveu nenhum problema do Rio de Janeiro, ao contrário, se agravou. Eu não acredito na viabilidade de um governo Bolsonaro, acho que seria uma crise permanente que levaria, certamente, em poucos meses, ao impeachment. Porque a própria direita, como eu disse, a ela não interessa o caos no Brasil e um conflito permanente. Porque o caos e o conflito tiram a legitimidade e a tranquilidade que o capital precisa para produzir, para ter lucro, para exportar. Então, você imagina uma greve geral, que seja contra o governo Bolsonaro, ela vai afetar os capitalistas.

Eu acho que, já que tu perguntou como hipótese, eu acho que o exemplo da Argentina é um bom exemplo para nós dos movimentos populares. E olha que a situação da Argentina era pior, porque o governo de direita ganhou as eleições. A burguesia argentina recebeu o passe livre do povo, pelo menos da sua maioria, foi democraticamente eleita. Mas o povo não saiu da rua, continuou se mobilizando, fazendo mobilizações e agora na greve geral foi espantosa a adesão de toda a população, até os aviões pararam no aeroporto de Ezeiza. E o governo Macri, praticamente, foi pras calendas. Então, nós não temos outra saída. Por isso que vai ser um período histórico muito ativo, nós vamos nos mobilizar com Haddad para criar um programa de governo e medidas de governo que resolvam os problemas do povo. E se, Deus o livre, o Bolsonaro ganhar, nós temos que continuar na rua para impedir retrocessos ainda maiores.

Falando mais da agenda do MST em relação à reforma agrária e também da agricultura familiar, como é que você analisa a pauta dos candidatos em relação a esse tema?

A reforma agrária está parada nos últimos quatro anos. Já nos últimos dois anos da Dilma estava parada pela crise econômica. E a reforma agrária só se viabiliza, para resolver o problema dos camponeses sem-terra, se estiver no bojo de um novo projeto de país. Daí porque a nossa insistência com os militantes do MST: nesse período histórico, o papel dos militantes do MST é fazer campanha, é eleger Haddad, é eleger governadores progressistas, deputados progressistas, porque a reforma agrária não depende de um partido ou de um plano. A reforma agrária vai depender de um outro projeto para o país, que nessas circunstâncias só vai se viabilizar com a vitória do Lula-Haddad.

Agora, no contexto geral da disputa eleitoral, foi o que eu disse no início, nunca antes na história republicana nós tínhamos uma eleição tão claramente de luta de classes entre o projeto dos capitalistas e o projeto da classe trabalhadora. E o povão interpretou assim, ainda que sem consciência: «no outro lado, quem está? O Bolsonaro. O Alckmin não me interessa». E do lado de cá, o Haddad. Então, note as circunstâncias: quem tentou fazer um discurso de centro, pra agradar todo mundo, se ferrou eleitoralmente. Então, a gente sabe dos compromissos do Ciro com o povo. A Marina, menos. Mas eles não conseguiram se viabilizar como candidaturas de centro. E lá na esquerda a mesma coisa, todo mundo sabe dos compromissos do [Guilherme] Boulos, da companheira que é candidata pelo PSTU, que são pessoas de esquerda. Mas o povo nem quis tomar conhecimento. Olha a tragédia eleitoral, o PSOL, que é um partido de esquerda, caiu de um patamar histórico de 8%, 10% que ele fez com a Heloísa Helena, com a Luciana Genro e agora não vai fazer 1%…

O PSOL apostava muito numa reorganização da esquerda também?

Pois é, mas tu vê que não é julgamento nem do PSOL, nem do Boulos. Na verdade, o povo está julgando a luta de classes. É como se fosse assim: quem chegou na final dessa luta de classes? Chegou o Bolsonaro e o Haddad. Então, todos os outros times não me interessam. O povo repete a metáfora do futebol na luta eleitoral também.

É por isso também que não está se discutindo programa. O povo não está nem aí para o que tem no programa. Aliás, o Bolsonaro nem programa tem. E o Haddad tem um belo programa, mas você vê que ninguém pergunta sobre isso para ele. Não é isso que está em disputa. O que está em disputa é a luta de classes, são os golpistas, os capitalistas que vão continuar mandando nesse país ou a classe trabalhadora vai recuperar forças políticas para tirar o país da crise sem pagar o pato?

Eu queria que você deixasse uma mensagem para esses últimos momentos de corrida eleitoral. Uma eleição que começou muito tempo antes, essa eleição praticamente começou com o golpe na presidenta Dilma e, a partir desse golpe, a sociedade ficou claramente polarizada e praticamente começaram as eleições ali, né?

É verdade, mais do que eleições, se acirrou a disputa entre os dois projetos. E nós temos que arregaçar as mangas nesta semana para justamente explicar isso para o povo. A manifestação que as mulheres fizeram no sábado foi uma bela aula de política, didática, mostrando para o povo. O #EleNão não é só o Bolsonaro. É ele, o projeto da burguesia. E nós temos que reafirmar o nosso projeto. Então, quando a gente pede voto para o Haddad não é simplesmente proselitismo eleitoral.

O Haddad agora encarna o Lula e encarna o projeto da classe trabalhadora. Nós temos que arregaçar as mangas essa semana para explicar para o povo isso, que ele deve decidir entre dois projetos: os golpistas do capital ou os trabalhadores tentando a redenção de um programa de governo que vai jogar o peso da crise sobre a burguesia, não sobre os trabalhadores, e vai recuperar um Estado democrático para nós termos políticas a favor do povo. E depois do primeiro turno, já que certamente não vai se decidir no primeiro turno, nós então, naquele mês, temos que voltar a intensificar ainda mais um trabalho de conscientização e nós recomendamos para nossa militância: nós temos que usar formas criativas de fazer campanha política, usar música, as bandas, os painéis. Você viu que, praticamente, nessa campanha não teve comício, e quem vai em comício são os militantes. Então, a militância tem que ser mais criativa na forma de defender suas ideias para a população em geral.

E depois de 28 de outubro, nossa militância vai ter que voltar a fazer trabalho de base, fazer reunião nos bairros, assembleias populares no congresso do povo, para discutirmos que mudanças o governo Haddad terá que fazer a partir do seu primeiro dia de governo.

Brasil de Fato


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