Há um compromisso do G20 com o futuro do trabalho? – Por Eduardo Camín

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Por Eduardo Camín*

No começo deste mês de setembro, a cidade argentina de Mendoza foi sede do compromisso dos ministros do Trabalho e Emprego do G20, com a meta de promover o trabalho digno, para forjar um futuro inclusivo. Ademais, também foi a primeira vez que se realizou uma reunião conjunta com os ministros de Educação.

O Diretor Geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Guy Ryder, destacou “a ênfase nos esforços para dar forma a um futuro do trabalho inclusivo e com equidade, sem deixar ninguém de fora”, se referindo à declaração assinada pelos ministros após dois dias de debates na Argentina.

“Fico satisfeito ao ver um forte compromisso com inovadoras políticas sociais e de emprego, particularmente aquelas dirigidas a reduzir as brechas de habilidades e acelerar o progresso, buscando a equidade de gênero em um mundo do trabalho que muda rapidamente”, agregou.

Há apenas um ano, as decisões do G20, eram consideradas o caminho correto para sair da crise, ou seja, colocar o emprego de qualidade como prioridade para a recuperação econômica e fomentar as medidas de estímulo, ao mesmo tempo em que se fortalecem a economia e os índices de emprego.

De repente, este consenso começou a ser questionado. A crise da dívida soberana e o crescente déficit fiscal na Europa levou a um corte do gasto social, se elevaram as taxas de juros e foram impostas novas medidas de ajuste. Todos estes temas dominaram a recente Conferência Internacional do Trabalho da OIT, em junho 2018, na qual participaram mais de 4 mil representantes de governos, trabalhadores e empregadores.

O informe final traz uma quantidade abundante de promessas, que não passam de mera declamação. Obviamente, a OIT não será a vanguarda esclarecida em defesa dos trabalhadores.

Já a reunião em Mendoza teve como eixo as mudanças produzidas no mundo do trabalho, a partir da “revolução das tecnologias da informação e da comunicação, pela proposta de que o sistema educativo deve acompanhar essa mudança para que as pessoas estejam capacitadas para os desafios deste novo momento. São as grandes corporações transnacionais e o sistema financeiro global as que discutem as “formas deste novo mundo”.

Neste novo mundo, insistem, os Estados parecem ser somente meras ferramentas para gerar os espaços da “nova governança”, onde as sociedades e suas problemáticas mais urgentes parecem não estar contempladas nas discussões que levam a estas transformações no mundo do trabalho e no sistema educativo. Com o avanço das novas tecnologias cada vez mais trabalhos estão sendo digitalizados ou substituídos por máquinas, robôs ou outras formas de inteligência artificial, o que gera novas formas de emprego, de produção e de organização do trabalho.

As transformações tecnológicas vieram através de decisões político-estratégicas que definiram um salto de escala no polo do capital, que hoje levam a profundas modificações nas estruturas sociais, trabalhistas, educativas e culturais. Educação, saúde, administração (no âmbito privado e estatal) e serviços são setores atravessados por esta revolução tecnológica.

Assistimos a uma expansão geométrica do comércio eletrônico, a um uso progressivo da big data na comunicação e na imprensa, a uma implementação progressiva do governo eletrônico, a uma agricultura e uma indústria digitalizada e até à criação de plataformas onde turismo e finanças são programados “online”.

As mudanças afetam o mundo do trabalho e criam a necessidade de adequar os sistemas de aprendizagem permanente, fortalecer a proteção social e alcançar uma cobertura que faça com que ninguém seja excluído. Esses temas foram centrais na reunião de Mendoza e os ministros reafirmaram seu compromisso de promover políticas inovadoras, desenvolver habilidades, impulsar a proteção social e formalizar os mercados de trabalho, para torná-los mais equitativos e inclusivos.

Os ministros apoiaram a “estratégia do G20 para erradicar o trabalho infantil, o trabalho forçado, o comércio de pessoas e a escravidão moderna”, e se comprometeram a impulsar medidas para aumentar a participação de pessoas com deficiências nos mercados de trabalho, além de reconhecer a necessidade de apoiar as mulheres na luta por uma participação equitativa na economia digital.

“Estes desafios requerem soluções globais. O multilateralismo é uma força poderosa e especialmente adequada para resolver os problemas mais complicados do mundo. Foros multilaterais como o G20 devem priorizar suas respostas sobre a desigualdade e ir além do mero crescimento econômico. Juntos, podemos e devemos construir um novo consenso internacional a favor do crescimento e do desenvolvimento, contra a pobreza e o desemprego”, destacou o diretor-geral da OIT.

Uma vez mais, “a declaração” pede aos membros do G20 trabalhar visando as garantias para que todos possam se beneficiar das oportunidades que se criarão no futuro do trabalho, reconhecendo o papel da proteção social para se alcançar estas metas, ao mesmo tempo em que ressalta a necessidade de priorizar as pessoas e o emprego nas estratégias de crescimento sustentáveis.

Também acrescenta que o trabalho digno, a inclusão, a igualdade e a proteção dos princípios e direitos fundamentais no trabalho, junto com o diálogo social efetivo entre os governos e os interlocutores sociais, são fatores cruciais para se atingir estes objetivos. As declarações serão apresentadas na Cúpula de Líderes do G20, que terá lugar em Buenos Aires, a partir do dia 30 de novembro.

Mais do mesmo

O comunicado oficial aborda uma série de temas relacionados ao trabalho da OIT. Destaca a importância dos “mercados de trabalho eficazes (…) para sociedades inclusivas e coesas, e economias resilientes”.

Ao apontar o impacto das novas tecnologias, a transição demográfica, a globalização e as mudanças nas relações dentro dos mercados trabalho, os líderes do G20 se comprometeram mais uma vez a “promover oportunidades de trabalho dignas durante a transição desse mercado, fomentando a implementação das normas sociais, meio-ambientais e de proteção dos direitos humanos” dentro das cadeias mundiais de fornecimento.

Prestaram especial atenção à adoção de “medidas imediatas e eficazes para eliminar o trabalho infantil, o trabalho forçado, a comercialização de seres humanos e todas as formas de escravidão moderna daqui a 2025”.

Algumas destas medidas já foram definidas na Cúpula do G20 de 2014, quando se adotaram as “novas políticas para melhorar a qualidade do emprego feminino e eliminar a discriminação no emprego, reduzindo a diferença de remuneração entre os sexos e oferecendo às mulheres proteção contra todas as formas de violência”. Houve um reconhecimento de que é necessário fazer mais para reduzir a brecha de gênero de 25% na participação das mulheres no mercado de trabalho laboral até 2025.

Em maio passado, os ministros do Trabalho e Emprego do G20 assinaram a declaração “Em busca de um futuro inclusivo: Configurar o mundo do trabalho”.

Algumas cifras da OIT

Entre 2014 e 2016, o crescimento econômico anual do G20 se manteve em uma média de 3,3% – 0,6 ponto porcentual menos que durante o período 2000-2007.

Apesar de uma alta taxa de desemprego no G20 em 2016 (5,4%), esta foi inferior ao maior nível registrado no decênio, alcançado em 2009 (6,1%).

Em 2016, os jovens do G20 tinham três vezes mais probabilidades de estar em situação de desemprego que os adultos.

Em 2016, o G20 registrou uma taxa de atividade na força de trabalho de 62,2%, ou seja, dois pontos porcentuais a menos que em 2007.

No G20, a taxa de atividade das mulheres na força de trabalho era de 26 pontos percentuais menos que a dos homens em 2016.

Os países do G20 têm um papel muito importante nas cadeias mundiais de valor, pois juntos confirmam 77% das exportações e 70% das importações mundiais.

Metade dos migrantes internacionais do mundo residem em países do G20.

A outra cara do informe

As reuniões do G20 se sucedem e se assemelham, passando por Pittsburgh, Hamburgo, Melbourne, até chegar em Mendoza, enquanto as perspectivas de crescimento frágil e as irrisórias expectativas em matéria de emprego constituem o pano de fundo das intensas discussões mantidas entre os líderes, sobre a forma de configurar uma globalização mais inclusiva.

Quanto mais o tempo passa, as contradições vão se tornando mais eloquentes, e os tratamentos paliativos ao capitalismo não são capazes de fazer justiça, já que não podem trazer felicidade a todos os indivíduos da sociedade. Claro que o proprietário e o explorador podem se sentir felizes ao seu modo, mas essa satisfação é precária e passageira, porque está condenada pela história, e não é mais que uma felicidade anti humana por sua essência, já que se baseia no sofrimento da maioria dos trabalhadores.

O sistema fomenta uma profunda desigualdade econômica, onde uma pequena parte dona do capital, possui tesouros imensos, leva uma vida luxuosa e gasta somas indecentes de dinheiro na satisfação de suas demandas, enquanto os demais, que formam a maioria e criam os valores e as riquezas, vivem muitas vezes na miséria e na ignorância, sem poder cobrir suas necessidades elementares.

O homem não pode ser feliz numa sociedade sem futuro, onde os infortúnios da vida o ameaçam constantemente, onde a incerteza, o pessimismo, o medo contínuo são os espectros inseparáveis da vida humana. A justiça social que se predica é impossível numa sociedade que não dá segurança material aos indivíduos, onde uma grande parte da sociedade é obrigada a fazer trabalhos forçados, ou possui empregos precários. O ser humano não pode ser pleno se não está seguro do seu futuro.

A regra de ouro segue sendo o “comunicado oficial”, ou seja, “a declaração” que entretém o público intelectual e despista aqueles que anseiam por soluções práticas para “questões tão cruciais”, como a criação de novos empregos, o aperfeiçoamento de habilidades para o futuro do trabalho, o empoderamento das mulheres, a integração dos migrantes e refugiados nos mercados de trabalho, a questão dos efeitos climáticos sobre esses mercados, a promoção do trabalho digno dentro das cadeias mundiais de fornecimento e a implementação da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável.

Discutir o assunto, emitir e escutar opiniões diversas, determinar o ponto de vista da maioria, plasmá-lo numa resolução e cumpri-la escrupulosamente deveriam ser os passos a seguir dentro de um procedimento correto e eficaz. Mas as reuniões se repetem em todo o planeta e as soluções são cofres de palavras vazias, somente registradas em informes carentes de resultados concretos.

(*) Eduardo Camín é jornalista, membro da Associação de Correspondentes de Imprensa da ONU, redator-chefe internacional do Hebdolatino e analista associado ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)

Publicado em estrategia.la | Tradução de Victor Farinelli

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