Bolsonaro e a direita chilena – Por Paul Walder

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Por Paul Walder*

Após o folgado triunfo de Jair Bolsonaro no primeiro turno da eleição presidencial do Brasil, a primeira reação do presidente chileno Sebastián Piñera foi elogiar sua proposta econômica. Um programa que reinstala o modelo neoliberal em suas bases mais puras e fundamentais. “É o caminho correto”, comentou um Piñera exultante, que mais tarde teve que explicar que sua apologia não incluía o resto do discurso do ex-militar.

A reação de Piñera é a expressão mais direta das ideias que brotam do coração do capitalismo: só com plenos e livres mercados é possível alcançar altas taxas de crescimento, variáveis que hoje em dia estão limitadas a expressões que certamente são insuficientes para os investidores e seus promotores. Ainda assim, sob o governo do multimilionário Piñera, a taxa de crescimento do PIB chileno não sobe mais que 4%, nem na atualidade, nem nas projeções de curto prazo. Fatores externos de alta complexidade, e outros internos um pouco mais claros, contêm a atividade econômica.

O Chile, que tem possivelmente o modelo neoliberal instalado com maior pureza e continuidade em toda a América Latina e talvez no mundo, graças a uma ditadura sustentada pelos discípulos da Escola de Chicago, consegue manter não só estatísticas como toda uma sociedade que expressa muito bem a cena ideal buscada pelos mercados. Com todas as atividades econômicas entregues às grandes corporações e aos grupos financeiros, o país conseguiu, para orgulho de todas as elites e seus governantes dos últimos 45 anos, o maior PIB per capita da região, e projeta mantê-lo durante os próximos anos. O último informe World Economic Outlook estima que a economia chilena fechará o ano atual com um PIB de 25,9 mil dólares em termos de paridade de poder de compra (PPP), e que alcançaria os 30 mil até 2022. Assim, o Chile seria a primeira economia latino-americana em atingir esse patamar, e se colocaria na mesma linha de países de outras latitudes – só como comparação, Portugal tem um PPP de 31 mil e a média da União Europeia é de mais de 40 mil.

Uma conquista em termos estatísticos, para o desfrute dos investidores, os controladores das corporações, para as elites e seus governantes. Mas são outros os números que condicionam a vida diária dos chilenos. O país lidera o ranking de desigualdade entre os membros da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), junto com o México. Falar de “progresso”, de “desenvolvimento” no Chile é mera retórica das cúpulas políticas. O alto crescimento da economia avança com a mesma velocidade e direção que a desigualdade. O livre mercado, no país que foi levantado como modelo do Fundo Monetário, do Banco Mundial e das agências de investimento e qualificação, é incapaz de resolver os problemas básicos de grande parte da população.

A média dos salários dos trabalhadores são uma mostra palpável. Segundo estudos independentes baseados em estatísticas oficiais, mais da metade das pessoas que trabalham ganham menos de 450 dólares, 78% ganham menos de 750 dólares e somente 13% ganham mais de mil dólares. Um salário que destoa e invalida o dado do PIB per capita de 25 mil dólares anuais.

Por que Piñera elogia com tanto entusiasmo a política econômica proposta por Bolsonaro? Primeiro, porque um Brasil neoliberal certamente pesará sobre o resto da América do Sul. Também porque o mercado, como sabemos, precisa contar com governos e um aparato estatal que o sustente. A história do capitalismo e especialmente do imperialismo não seria a que conhecemos sem os estados e os exércitos que trabalham para reforçá-lo.

Bolsonaro, como outros políticos da direita, tem sido apoiado sem nenhuma vacilação pelo capital financeiro e industrial – que inclusive passou a jogar todas as fichas nele, quando viu que era a opção mais viável, já que suas outras candidaturas nunca decolaram. Um suporte que não se desliga do resto do seu discurso, porque hoje, como em tantas outras ocasiões, o capital precisa de todos os mecanismos do Estado para a plena atividade dos mercados. A repressão e o estado policial ou militarizado, de forma desenfreada e sob aparência democrática, estão no centro do programa neoliberal. Não há outra forma de amparar os lucros corporativas e conter a frustração e injustiça inerentes ao modelo mercantil.

O fascismo do Século XXI, mal chamado ou atenuado pela denominação de “populismo”, contém as caras mais temíveis do capitalismo. A crueldade dos mercados com suas tendências monopólicas e a não menos perversa amplificação dos seus mecanismos de controle. Um modelo levado até as últimas consequências durante o Chile de Augusto Pinochet (1973-1990), época e figura admirada sem nenhuma vergonha por Bolsonaro.

Mas não só por ele. No dia 17 de outubro, a presidenta do partido ultradireitista UDI (União Democrata Independente), Jacqueline van Rysselbergue, viajou ao Brasil para se reunir com o candidato Bolsonaro. Se trata de um partido que forma parte da coalizão do governo de Piñera, e seu apoio não é estranho: a UDI nasceu em plena ditadura, reivindica sua obra, assim como o seu mentor espiritual e intelectual, Jaime Guzmán, que foi o braço político do ditador Pinochet.

A história latino-americana se escreve com pressa nestes dias.

(*) Paul Welder é jornalista e escritor chileno, diretor do portal Politika.cl. Analista associado ao Centro Latino-Americano de Análises Estratégica (CLAE)

Publicado em estrategia.la | Tradução de Victor Farinelli

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