Tabaré confirma prisão do comandante do Exército – Por Luvis Pareja
Por Luvis Pareja*
O presidente do Uruguai, Tabaré Vázquez, ratificou sua decisão de sancionar o comandante-chefe do Exército, general Guido Manini Ríos, com 30 dias de detenção, por fazer comentários políticos, o que está taxativamente proibido pela Constituição.
Segundo alguns analistas, a decisão presidencial busca conter as pressões dos setores conservadores para militarizar a segurança interna e recordaraos militares qual é a sua função.
Na terça-feira (11/9), Vázquez tomou a decisão de castigar o militar por ter opinado sobre o projeto de reforma da Caixa Militar – o serviço de aposentadorias e pensões dos militares –, que está sendo analisado no Parlamento. “Manini Ríos se equivocou, e em função disso, será sancionado”, afirmouo mandatário.
O ministro de Economia, Danilo Astori, disse que Manini comete um “erro em sua análise da reforma”, explicando que ela não “se desvia dos seus propósitos”, como havia comentado o chefe do Exército
Um comandante que defende a ditadura
Não é a primeira vez que Manini Ríos aparece protagonizando escândalos e polêmicas por suas declarações, embora a maioria dos casos anteriores sejam com respeito às suas opiniões sobre a ditadura e os desaparecidos. Em 25 de julho de 2018, o general escreveu uma homenagem, em sua conta de twitter, ao irmão do ditador Gregorio Álvarez, morto por um ataque do Movimento de Liberação Nacional Tupamaros (MLN-T), em 1972. O deputado Luis Puig, da Frente Ampla, repreendeu o comandante por “elogiar publicamente um torturador-chefe”.
Em 2017, na semana em que se recordava um novo aniversário do golpe de Estado uruguaio de 1973, após visitar zonas afetadas por inundações, Manini Ríos, disse em uma entrevista para a televisão que “as pessoas do interior, de Bella Unión, de Salto e de Paysandú, não dão a menor importância para o que aconteceu há 44 anos atrás”.
Em novembro do mesmo ano, a Organização de Mães e Familiares de Desaparecidos acusou o general de dar uma localização falsa de uma cova clandestina dentro do complexo sede das Forças Armadas, e lamentou que ele, posteriormente, se negasse a revelar a fonte da informação.
Desde 2017, o comandante convoca uma missa na Catedral Metropolitana, para celebrar o Dia do Exército, evento ao qual comparece com uniforme militar, o que gerou um debate no país sobre a laicidade do Estado.
Oposição apoia Manini
Neste momento, Manini Ríos se encontra no México, em uma missão oficial, e regressará a Montevidéu no dia 18 de setembro. O presidente Vázquez esclareceu que não foi pedido ao militar que retornasse ao país antes. “Sei que vou ser criticado (por sancionar o general), mas há um velho ditado que continua vigente: castigo se você está errado, e se não está errado, castigo também (palo porque bogas y, si no bogas, palos también, segundo a expressão original).
Dirigentes da oposição criticaram a medida tomada por Vázquez. Julio María Sanguinetti, ex-presidente (1985-1990 e 1995-2000) e representante do Partido Colorado comentou em entrevista ao diário local El País que se o Executivo não confia em Manini Ríos deveria removê-lo do cargo, e não sancioná-lo. “Aplicar 30 dias de detenção ao comandante máximo do Exército é simplesmente uma tentativa de humilhação às Forças Armadas”, considera.
O ex-mandatário conservador também disse que Manini Ríos –proveniente de uma tradicional família colorada – tem razão em suas declarações, que qualificou como “respeitosos, simplesmente defendendo os direitos dos seus subordinados, hoje em estado de pobreza”, segundo ele.
O senador Luis Lacalle Pou, do Partido Nacional eadversário de Vázquez nas últimas eleições, reconheceu que a medida está respaldada pelas normas do direito, mas criticou a decisão, por não considerar que o militar violou a Constituição com suas palavras. Segundo o diário conservador El Observador, fontes de alta hierarquia dentro do Exército também consideraram que seu comandante não faltou com a lei, e se mostraram surpreendidos pela severidade da sanção.
“A decisão de sancionar o general Manini Ríos, no fim das contas, foi motivada por um conjunto de situações que mereceram uma punição em seu momento, por contrariar regulamentações e artigos constitucionais”, disse o presidente do Uruguai, em sua visita à Sociedade Rural do Prado, em Montevidéu.
O militar havia comentado, em entrevista com a emissora de rádioOcéano FM, que a reforma prejudicava a maioria dos efetivos de sua força, e que alguns inclusive perderiam seus direitos ao irem para a reserva. Segundo o mandatário, Manini Ríos violou o artigo 77 da Constituição, cujo inciso 4 não permite que membros da caserna exerçam qualquer tipo de atividade política, exceto pela via do voto.
“Comentar um projeto de lei que está em discussão no Parlamento é uma atividade política”, agregou Vázquez, afirmando que “a sanção se baseou, também no Regulamento Nacional de Serviços número 21, que estabelece, em seu capítulo C que os militares não podem interferir nem direta nem indiretamente em trâmites administrativos ou discussões parlamentárias, e tampouco apresentar opiniões sobre os projetos de lei”.
Além de opinar sobre a legislação em curso, o chefe do Exército havia criticado o ministro do Trabalho, Ernesto Murro, que está liderando a elaboração do projeto de reforma, dizendo que ele está mal informado. “Não posso atribuir ao ministro que tenha má fé, de nenhuma maneira, e tampouco creio que ele minta conscientemente. Simplesmente creio que não está bem informado”, afirmou Manini Ríos.
“Seo senhor ministro usar uma calculadora e observar os termos da leie a realidade de um soldado nosso, vai perceber que o que digo é o correto. O soldado terá que cumprir mais anos de serviço para conseguir uma aposentadoria que será a metade (do que tem hoje)”, assegura o general.
Apesar do ocorrido, o mandatário uruguaio disse não ter perdido a confiança em Manini Ríos. “Não há nenhum tipo de perda de confiança na lealdade institucional do senhor comandante-chefe do Exército, demostrada em mais de umaoportunidade, e tampouco há questionamentos sobre a boa fé com que atua”, concluiu Vázquez.
(*) Luvis Pareja é jornalista uruguaio, analista associado ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)
Publicado originalmente em estrategia.la | Tradução de Victor Farinelli