Fortes disputas nas cúpulas política e militar: a resistência a Trump – Por Álvaro Verzi Rangel

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Por Álvaro Verzi Rangel*

Nestas épocas da pós-verdade, a disputa entre a cúpula política e militar pela versão oficial do país não é necessariamente uma luta pela verdade: hoje, a mentira é aceita como verdade e a realidade é difamada como mentira. Donald Trump segue no centro da atenção mundial com falseadas, atacando a prensa crítica, e se especula que, a qualquer momento, será substituído por seu vice-presidente Mike Pence.

O The New York Times difundiu um artigo assinado de forma anônima, escrito por “um alto funcionário do governo”, que se revela como parte de uma resistência interna deste regime, formada para proteger a nação de um mandatário amoral e errático. Trump, da Casa Branca, atacou a mensagem e o mensageiro, chamado-o de covarde, enquanto o jornal foi criticado por publicar algo escrito por uma fonte anônima, dando a sensação de que cada vez tem menos controle sobre o seu conteúdo. “Traição à pátria?”, questionou ele, horas depois, por twitter.

O artigo “Sou parte da resistência dentro do governo de Trump”, afirma que muitos altos funcionários estão trabalhando de forma diligente dentro da Casa Branca, para frustrar parte da agenda do presidente e suas piores intenções. “Prometemos fazer o que for possível para preservar nossas instituições democráticas e frear os impulsos mais equivocados de Trump, até que ele deixe o cargo”, assegura o autor.

A raiz do problema, segundo o articulista anônimo, é a amoralidade do presidente, e seus impulsos são anticomércio e antidemocráticos, seu atuar errático e mesquinho. O autor se justifica dizendo que “estamos tentando fazer o certo, ainda que Donald Trump não queira”. Fala também da possibilidade de invocar a emenda 25, o que iniciaria um complexo processo para remover o presidente.

A porta-voz da Casa Branca, Sarah Sanders, declarou que “este covarde, seja quem for, deveria fazer o correto e renunciar ao seu cargo no governo (…) isto é só outro exemplo do esforço concertado dos meios liberais para desacreditar o presidente”. Hoje, o jogo em Washington é a caça do autor do artigo, aparecido um dia depois de serem divulgadas partes explosivas do livro do reconhecido jornalista da cúpula política Bob Woodward, o terceiro do ano que revela questões íntimas, complôs, desastres, deserções, medo e ameaças de motim ao redor do poder em Washington.

Mc Cain, Bush, Hillary e Kissinger

Nas cerimônias funerárias do senador John McCain (que era definitivamente um grande militarista, cuja solução era bombardear qualquer lugar onde existisse um problema para os Estados Unidos) estava presente quase toda a cúpula política estadunidense, incluídos os altos chefes militares, transformando o ato numa reunião informal, talvez a maior da resistência contra Trump – que vem sendo expressamente desconvidado de todas as cerimônias, e por isso aproveitou o dia para jogar golfe.

McCain foi homenageado como um herói por seus serviços militares na guerra do Vietnã, mas a verdade é que seu avião foi derrubado enquanto bombardeava civis indefesos. Apesar de ter expressado posições contra a tortura extrema e por uma reforma migratória integral, ele também votou contra o fim da participação estadunidense na guerra do Iêmen e foi, por duas décadas, um opositor às medidas de defesa dos direitos civis.

“Uma reunião de alguns dos principais responsáveis por guerras ilegais, crimes de lesa humanidade, tortura, golpes de Estado, desaparecidos, vigilância massiva de cidadãos, crises econômicas que destruíram as vidas de milhões, e pela impunidade por tudo isso – onde estavam George Bush, Barack Obama e Henry Kissinger –, que foram elogiados durante a cerimônia de McCain, que também teve um chamado à recuperação da decência, da integridade e da verdade, contra as pirraças da criança mimada que comanda a Casa Branca”, relata David Brooks.

Tratemos de desarmar o emaranhado desta polêmica, ou ao menos expliquemos os diferentes cenários que se apresentam.

Trump, os meios e Woodward

Trump, que costuma acusar os meios de mentir sobre a sua gestão, renovou seus ataques nesta semana, contra CNN e NBC News, com um tuíte que critica a cobertura midiática sobre as denúncias de abuso sexual contra o produtor Harvey Weinstein e sugerir que é necessário “revisar” as licenças das emissoras.

“Eu critiquei a NBC durante muito tempo, por seus padrões de jornalismo, piores até que os da CNN. Revisar a sua licença?”, perguntou o mandatário estadunidense, em sua conta de twitter, e ao mesmo tempo defendeu Weinstein, acusado de acosso, abuso sexual e estupro por dezenas de mulheres.

Trump é descrito como um “idiota” e “tresloucado” por seu próprio chefe de gabinete, John Kelly, num novo livro do jornalista Bob Woodward (“Temor: Trump na Casa Branca”) que descreve a Casa Branca como um lugar onde os funcionários se mantêm em constante modo de “controle de danos”. O livro revela que os mais próximos colaboradores do mandatário, como seu ex-assessor econômico Gary Cohn, chegaram a tomar medidas extremas para proteger o país, como esconder documentos sensíveis para que Trump não os lesse, e nem assinasse.

“É um idiota. Não há como convencê-lo de nada. Estamos num país de loucos. Já não sei porque continuamos aqui. É o pior trabalho que já tive”, teria dito Kelly. O título do livro se deve ao fato de que Trump afirmou que o “poder verdadeiro é um temor”, numa entrevista feita há anos, com o próprio Woodward.

O jornal The Washington Post difundiu a gravação de uma ligação entre Woodward e o mandatário, no dia 14 de agosto, na qual o jornalista diz a Trump que tentou falar com ele por todos os meios possíveis, para incluir seu ponto de vista no livro, mas que nenhuma das seis ou sete pessoas com as que falou, incluindo a conselheira Kellyanne Conway, puderam colocá-los em contato. Trump culpou sua equipe por isso, e também o próprio jornalista, a que disse que seu livro deve ser “muito ruim”.

O mandatário sustentou que o único que se deve saber sobre o seu governo é que “está fazendo um grande trabalho”, que o emprego e o crescimento alcançaram níveis sem precedentes, e que não houve nem haverá jamais um presidente melhor que ele.

O livro começa com a cena na qual o então assessor econômico do presidente, Gary Cohn, percebe que há uma carta no escritório presidencial, no Salão Oficina Oval, que aborda a retirada dos Estados Unidos do Tratado de Livre Comércio com a Coreia do Sul. A equipe de Trump temia que o fim do acordo colocasse em risco um programa secreto de segurança nacional para detectar o lançamento de mísseis da Coreia do Norte em sete segundos.

Cohn roubou a carta, para que Trump não pudesse assiná-la. “Eu não podia deixar que ele visse. Nunca vai ver esse documento. Tenho que proteger o país”, assegurou Cohn.

O livro descreve Trump como um homem inculto, colérico e paranoico, que faz com que seus colaboradores vivam ao borde do colapso nervoso, e descreve um episódio sobre uma reunião entre Trump e sua equipe de segurança nacional cuja pauta era a presença militar na península da Coreia, e o secretário da Defesa, Jim Mattis, exasperado, disse ao seu círculo mais próximo que o presidente se comportou como um “aluno de quinta ou sexta série”.

Segundo Woodward, depois do ataque químico de abril de 2017, atribuído ao governo do presidente sírio Bashar al Assad, Trump supostamente teria ligado para o general Mattis, para dizer que queria assassinar o mandatário árabe, e ele precisou fazer um grande esforço para convencê-lo do contrário.

Em outro âmbito, um festival anual organizado pela revista The New Yorker retirou o convite ao ex estrategista da Casa Branca, Steve Bannon, quando os jurados anunciaram que não participariam se ele fosse – entre esses jurados estavam os atores Jim Carrey e John Mulaney, o produtor Judd Apatow e o músico Jack Antonoff. O ex assessor, considerado um dos principais ideólogos da extrema direita estadunidense, qualificou a atitude como “covarde”.

Enquanto isso, o Partido Democrata lançou uma ofensiva para evitar a confirmação do candidato de Trump para a Suprema Corte, Brett Kavanaugh, de 53 anos, cuja nomeação poderia inclinar esta crucial instituição para o lado conservador por várias gerações, já que se trata de um cargo vitalício.

O voto religioso e Mike Pence

A disputa pelos temas de direitos civis nos Estados Unidos continua tendo a religião como ferramenta para a divisão política. Em 2016, mais de 80% dos evangélicos brancos deram seu voto a Donald Trump (apesar de suas conhecidas aventuras extramatrimoniais), uma porcentagem que supera a dos eleitores brancos da classe trabalhadora, que também votaram por ele. No lado oposto da balança, Hillary Clinton teve 40 pontos percentuais de vantagem sobre Trump nos votos das pessoas que não se identificam com nenhuma religião.

Embora Donald Trump pareça ser o aríete preferido dos religiosos brancos, a verdade é que Mike Pence é o evangélico mais destacado do governo. Assim como o presidente tuiteiro, Pence é uma figura que causa entusiasmo e exasperação. Tanto que foi a sua posição dentro da comunidade evangélica que o ajudou a se transformar no candidato à vice-presidência.

Os Estados Unidos é o país rico mais religioso do mundo: dois de cada cinco pessoas afirmam rezar diariamente, e os evangélicos representam quase a mesma proporção dentro das forças armadas, apesar de serem só uma quarta parte da população. O jornalista Lloyd Green, diário britânico The Guardian, lembra de uma decisão do Tribunal Supremo, em junho, que deu razão a um confeiteiro que se negou a fazer um bolo de casamento a um casal homossexual, e acusou a comissão de direitos civis do Estado do Colorado de ter sido “hostil” às suas crenças religiosas, ao pedir a ele que fizesse um curso para mudar seu comportamento discriminatório

Dois livros recentes também falam sobre o vice(?)-presidente. A jornalista Andrea Neal escreveu Pence: The Path to Power (“Pence, o caminho ao poder”), onde define o vice-presidente como “alguém que se posiciona com três palavras que são os pilares fundamentais de suas crenças: cristão, conservador e republicano, nesta ordem”.

Já o livro The Shadow President (“O presidente nas sombras”), do ganhador do Prêmio Pulitzer Michael D´Antonio, dedica o primeiro capítulo ao “adulador”. Ambos os autores destacam no atual vice-presidente a sua atração pelo dinheiro alheio e a sua aversão pela modernidade.

A história de Pence começa em Indiana e se destacou ao ser um dos primeiros políticos de maior destaque nacional a se converter do catolicismo ao cristianismo evangélico. Como congressista, defendeu a ideia de que o aquecimento global é um “mito”, e que “os gases do efeito estufa são reais, mas se originam principalmente dos vulcões, furacões e deslocamentos geológicos submarinos”.

Belicista como Trump, Pence apoiou a guerra no Iraque e se opôs ao plano do presidente George W. Bush de que os planos de saúde públicos cobrissem os medicamentos com receita. Pence também pressionou, com sucesso, para que um decreto presidencial proibisse o uso de células-tronco.

Quando Pence apresentou a sua candidatura ao Congresso pela primeira vez, evitou se associar às grandes fortunas. Entretanto, quando chegou se tornou governador de Indiana, já se havia transformado num imã para pessoas como os irmãos Koch, a família DeVos (cabeças da Rede Atlas, a internacional capitalista) e os doadores republicanos. Agora, Trump pode falar tudo o que quiser contra os Koch, mas foi Pence que fez o canal entre eles e a Casa Branca.

Pence assinou o projeto de lei 101, do Senado de Indiana, a Lei de Restauração das Liberdades Religiosas, que dava carta branca à discriminação contra gays e lésbicas, o que desatou a ira até mesmo das grandes empresas, como a farmacêutica Eli Lilly.

Trump, Grupo Bilderberg, Soros e a CIA

Desde o auge da globalização financeirista, o Grupo Bilderberg – conferência secreta de hierarcas da política, finanças, indústria e multimídia –, cujos dois terços provêm da Europa e o resto dos Estados Unidos, busca promover o capitalismo norte-atlântico, sob a modalidade de ocultos debates, onde o maior especialista é o ex espião russo-lituano Daniel Estulin, autor do livro “A Verdadeira História do Grupo Bilderberg”, e que recentemente lançou outro, chamado “Os Bastidores de Trump”, onde divulga segredos e hipóteses.

O analista mexicano Alfredo Jalife-Rahme afirma que, neste último livro, Estulin considera que os Estados Unidos pós-industrial e corporativo, que apoia a produção e as empresas multinacionais da segunda revolução industrial, congregados através do matrimônio de indústrias de energia, do petróleo, dos setores militares, dos serviços e da construção, são os que levaram Trump ao poder.

“Esse setor agora se enfrenta a outro Estados Unidos, o de Wall Street, da burocracia de Washington, de Chicago, de Hollywood e do Silicon Valley, que vende fumaça através dos derivados financeiros e busca dar um golpe de Estado na aliança com o magnata George Soros, `um peão da equipe do deep state britânico´, a cara visível de uma vasta e suja rede secreta de interesses financeiros privados (…) com seu epicentro na casa britânica de Windsor e sua rede do Clube das Ilhas”.

Jalife-Rahme acrescenta que os escândalos de Hollywood, do grupo Israel-Mossad (onde se alista o genro de Trump, Jared Kushner) e de Harvey Weinstein dão razão a uma das hipóteses de Daniel Estulin, assim como o conflito feroz surgido entre Trump e as joias digitais de Silicon Valley (Google, Amazon, Facebook, Apple, Twitter), ou o choque frontal com a esmagadora maioria das multimídias.

Estulin acredita que a maior parte dos serviços de espionagem dos Estados Unidos, com exceção do FBI e da CIA, estão se realinhando politicamente a respeito de um Trump que, se reeleito, fará um esforço deliberado para desmantelar a CIA, algo tentado por John Kennedy, que pagou com a vida por somente esboçar tal projeto. Estulin vaticina que os financiadores do mercado se esmeram em desatar uma III Guerra Mundial contra a Rússia e a China, enquanto Trump propõe uma mudança da ordem mundial, de caráter tetrapolar – com Estados Unidos, Rússia, China e Índia lutando pela hegemonia.

A disputa está em aberto e as eleições legislativas de novembro, que podem tirar do Partido Republicano a vantagem da maioria parlamentar, ameaça fortemente a continuidade de Donald Trump.

(*) Álvaro Verzi Ranger é sociólogo venezuelano e codiretor do Observatório de Comunicação e Democracia

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