O retorno de Uribe (através de Duque) e do paramilitarismo – Por Camilo Rengifo Marín

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Por Camilo Rengifo Marín*

O ex-presidente e atual senador Álvaro Uribe Vélez, a quem se atribui nexos com grupos paramilitares e com o narcotráfico, enfrenta um processo judicial por manipulação e suborno de testemunhas, que está nas mãos da Corte Suprema de Justiça.

O testemunho de Uribe à Corte é um fato judicial e político de grande transcendência, já que visibiliza os múltiplos casos em que o ex-presidente, seu irmão Santiago e muitos de seus amigos e colaboradores aparecem relacionados com a conformação e as ações criminosas dos grupos paramilitares desde os Anos 90.

Crimes que voltaram ao cotidiano do país nos últimos meses, a poucos dias da posse presidencial de Iván Duque (um afilhado político de Uribe), com assassinatos de camponeses e líderes sociais, fatos que o governo tem evitado esclarecer até o momento.

O analista Fernando Dorado acredita que este é um acontecimento que marca a vida política do país, porque o ex–presidente notificou sua renúncia ao Senado “para poder encarar com dignidade a sua defesa”, assim que a CSJ ratificou essa decisão. A partir daí, pululam nos meios de comunicação e entre a cidadania as especulações sobre o futuro de Uribe, do novo governo e do país.

Os setores leais a Uribe, com o apoio da imprensa hegemônica, se posicionaram disciplinadamente ao seu lado, enquanto outros consideram que esta situação é o início do fim para o uribismo-paramilitarismo, que poderia levar, desde já, ao fracasso do governo de seu pupilo Iván Duque, que sequer assumiu ainda, enquanto os institucionalistas confiam em que a CSJ (um órgão plural) pode e deve assumir o julgamento, garantindo o fortalecimento do Estado de direito.

O autor da denúncia é o senador Iván Cepeda, do Polo Democrático (oposição de centro ao uribismo). Ele afirma que Uribe está impulsando uma “campanha tenebrosa” contra a Corte Suprema, a qual ele não respeita. Anunciou que levará o caso também à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e que pedirá uma visita do relator especial das Nações Unidas para a independência dos juízes e advogados, para que se constate a “perseguição contra os magistrados”.

Gustavo Petro, ex-candidato da centro-esquerda à Presidência afirma que a renúncia apresentada por Uribe ao Senado é uma jogada para evadir a investigação da Corte Suprema, manobra que já foi realizada por muitos outros parlamentares ligados ao paramilitarismo. Esse método de driblar parte da análise de que, ao renunciar aos cargos políticos, os casos saem da CSJ e passam a ser analisados por instâncias menores, onde os juízes e promotores de menor hierarquia são mais influenciáveis e compráveis.

“E assim, processos assim tão duros, como o do vínculo de um grande político com o narcotráfico e os assassinatos políticos consegue ficar impune, que é o que geralmente acontece. Temos um índice de 97% de impunidade nestes casos de assassinatos, de centenas ou talvez milhares de colombianos”, acrescentou.

E o pior é que há uma parte da sociedade colombiana, acostumada durante décadas com o ocultamento da verdade e com as falsas notícias da imprensa hegemônica, acredita que isso está certo, que é o que devem fazer os governantes: “desde que seja para matar comunistas, não importa se quem governa são os narcotraficantes, e que se explodam os princípios básicos dos direitos das pessoas, e a própria democracia”.

Segundo Petro, o Congresso é soberano para aceitar ou não as renúncias, e se estas são irrevogáveis, há um prazo de um mês para que seja aceita. “A pergunta não é se o Congresso pode, e sim se ele quer”, agrega o ex-candidato, numa entrevista onde afirma que a bancada parlamentaria do partido uribista Centro Democrático se desfaz sem Uribe. “Podemos dizer que Duque como presidente só existe por causa de Uribe”.

Vários analistas consideram que a manobra, em vez de defender a institucionalidade, como alega o renunciado senador – que na verdade busca sua absolvição –, atenta contra a autoridade da Corte Suprema. “Um chefe de Estado não pode fazer isso, a menos que queira declarar a Colômbia oficialmente como uma tirania, que era é a denúncia que fizemos em plena campanha eleitoral, quando o seu candidato (Duque) se atrevia a falar de uma `reforma da Justiça´, visando sujeitá-las ao controle do governo”, comentou Petro.

Em 2005, sendo deputado, Petro denunciou vários dirigentes políticos por serem inspiradores, cúmplices ou gestores de grupos paramilitares, e denunciou, entre eles, o embaixador da Colômbia no Chile e um chefe do grupo paramilitar AUC (Autodefesas Unidas da Colômbia), detido em Caracas por planejar um atentado contra o presidente venezuelano Hugo Chávez.

Dois anos depois, denunciou o paramilitarismo no departamento de Antioquia, quando se divulgou a foto de Santiago Uribe, irmão de Álvaro, com os narcotraficantes irmãos Ochoa, pertencentes a um grupo paramilitar que se chamava La Escopeta. Também havia vínculos do irmão de ex-presidentes com o grupo Los Erre, na região de Titiribí, responsáveis pelo massacre de centenas de jovens, alguns deles estudantes da Universidade Nacional de Medellín: seus cadáveres foram jogados numa represa cheia de crocodilos.

A investigação contra o senador foi uma iniciativa da Promotoria Geral apresentada à Corte Suprema de Justiça, a partir de provas reunidas pela Divisão de Interceptações Legais. Usando sua influência política, Uribe conseguiu acesso à sala desse departamento, destruiu parte das provas contra si.

Diante do fato e da evidência constatada pela Corte Suprema da destruição de provas das peças processuais dentro de uma sala da Promotoria Geral, foi tomada a decisão de criar um organismo de interceptação diferente, sob sua tutela. Segundo a imprensa local, a Promotoria agora conta com a colaboração judicial de agentes de inteligência, e eventualmente até do MI-6 britânico.

Novos massacres e ameaçaspo

Na tarde de segunda-feira (30/7), um grupo de motoqueiros com capuz realizou um ataque com armas de fogo contra camponeses que se encontravam em local no centro da cidade de El Tarra. Entre os nove camponeses assassinados estava o presidente da Junta de Ação Comunal do Quilômetro 84, Frederman Quintero, que também comandava a Associação Camponesa da região de Catatumbo.

Os moradores não entendem como é que Catatumbo, uma das regiões que conta com mais de 15 mil integrantes da força estatal, entre militares e policiais, não consegue evitar ou prender os responsáveis por esse massacre, que aconteceu em plena luz do dia.

Na cidade de Florida (Vale do Cauca), em 27 de julho, se denunciou um panfleto que reitera ameaças – proferidas por paramilitares que dizem pertencer ao grupo Autodefesas Gaitanistas da Colômbia (AGC) – contra 11 líderes sociais que integram organizações camponesas e indígenas, e contra outros processos organizativos, como a Marcha Patriótica e as Zonas de Reserva Camponesas.

A Rede de Meios Alternativos e Populares denunciou que entre os ameaçados se encontra o líder camponês José Otero, e afirmou que o preocupante destas ameaças é que evidenciam um trabalho de inteligência detalhado das atividades de suas vítimas. Sabem até mesmo sobre os fatos posteriores aos crimes, como quem denuncia os ataques à Justiça ou à Defensoria do Povo, e quem permanece ou abandona seus territórios de origem depois de fazê-lo.

Está claro que o paramilitarismo atua no Valle do Cauca, e que utiliza nomes de fachada como Águias Negras ou AGC, utilizando as diversas estruturas armadas para seguir com seus propósitos, sem que o Estado tome providências, ao menos até agora, para evitar essas centenas de assassinatos contra líderes sociais, ou ao menos perseguir os responsáveis pelos já cometidos. Algo que se agrava por sua postura de negar a existência da estratégia e política paramilitar no país.

(*) Camilo Rengifo Marín é economista e acadêmico colombiano, investigador do Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)

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