Iván, o terrível? Duque reiterou que ‘corrigirá’ os Acordos de Paz – Por Camilo Rengifo Marín
Por Camilo Rengifo Marín*
O novo presidente da Colômbia, Iván Duque, ao tomar posse do cargo, afirmou que analisará a mesa de negociações com o ELN (Exército de Libertação Nacional) durante o primeiro mês, e realizará as “correções necessárias” ao acordo de paz com as FARC (Força Alternativa Revolucionária do Comum, segundo o nome que adotou após abandonar a luta armada e se transformar em partido político), em um discurso no qual criticou o seu antecessor Juan Manuel Santos, falou da corrupção e fez um apelo à unidade política, para “superar as divisões entre esquerda e direita”.
Embora as duras críticas ao panorama herdado do governo de Santos serem um dos destaques da sua declaração, o novo mandatário foi muito mais conciliador que o presidente do Senado, Ernesto Macías – que é do seu mesmo partido, o Centro Democrático –, cujo discurso, minutos antes do de Duque, foi praticamente um “memorial das objeções” contra o agora ex-presidente colombiano.
Diante de milhares de convidados nacionais e internacionais, congregados na Praça de Bolívar, em Bogotá, Macías se referiu à morte de mais de 300 líderes sociais nos últimos dois anos, à “criação desordenada de agências e programas, que está criando uma desconfiança na cidadania e uma frustração aos beneficiários dessas iniciativas”, e aos erros que se cometeram na economia.
Também criticou o aumento dos gastos e dos escândalos de corrupção na alimentação escolar, no sistema de saúde, nos projetos de infraestrutura, nos abusos da contratação direta “ou nos perigosos cartéis das licitações de únicos concorrentes, que vêm deslegitimado o Estado e desperdiçando os escassos recursos públicos, privando milhares de cidadãos dos serviços essenciais. Um problema que requer a nossa ação imediata”.
Enquanto isso, milhares de opositores do novo governo se manifestavam em várias zonas do país, em cerca de 36 cidades, exigindo proteção aos líderes sociais e o respeito aos Acordos de Paz com as FARC.
“Marchamos porque já foram assassinados 330 líderes populares e não há uma resposta efetiva do Estado. Porque ameaçaram milhares de pessoas, e se suspeita que os autores poderiam ser funcionários públicos. Porque dizem que querem acabar com a paz construída e negociada nos últimos anos. Porque tentam até mesmo chantagear e enganar a Justiça”, disse o senador e ex-candidato presidencial de centro-esquerda Gustavo Petro, que convocou as manifestações desta terça-feira (7/8).
Os mobilizados exigem, entre outras demandas, que Duque respeite os protestos sociais como uma expressão justa da democracia.
“As organizações sociais estarão vigilantes com respeito ao atuar deste governo, porque o país não pode esperar mais pelas urgentes transformações que necessita em temas como educação saúde e reforma da Justiça”, afirmou Jimmy Ramírez, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Educação do departamento de Bolívar.
Duque e suas promessas de campanha
Duque também falou sobre uma de suas mais conhecidas promessas de campanha: as modificações em parte dos Acordo de Paz assinado com as FARC: “faremos correções para assegurar às vítimas os processos de verdade, justiça proporcional, reparação e não repetição. Também corrigiremos as falhas estruturais que são evidentes desde a implementação. As vítimas devem contar com reparação moral, material e econômica por parte de seus algozes, e com a garantia de que não serão agredidas pela impunidade”, disse o presidente.
Duque se referiu à continuação dos diálogos de paz com o ELN (negociações que ainda não chegaram a um cessar fogo bilateral) e indicou que este assunto será avaliado durante o primeiro mês de governo, tempo no qual discutirá com a Organização das Nações Unidas (ONU), a Igreja Católica e os países que apoiaram o processo, para conhecer suas posições.
Apesar de não dizer diretamente, Duque mostrou seu apoio à consulta anticorrupção, acontecerá no dia 26 de agosto. “Endureceremos as penas para os corruptos e as aplicaremos como devem ser, sem prisões domiciliares ou reduções, e também vamos sancionar severamente as empresas, donos e gestores que corrompam funcionários, proibindo-as de fazer negócios com o Estado”, anunciou.
Contudo, as críticas anteriores de Macías contra Santos terminaram opacando a parte do discurso presidencial que apelou à unidade e à reconciliação. Os críticos de Duque temem que não sejam mais que palavras, vindas de um político que já é visto como uma espécie de títere nas mãos do ex-presidente Álvaro Urbe – conhecido por seus vínculos com o narcotráfico, o paramilitarismo e seu gosto por uma política mais agressiva contra a oposição, além de ser acusado de genocídio e de ter sido um dos principais defensores da opção de “não” no referendo que terminou com o rechaço aos Acordos de Paz, em 2016.
Atualmente, a Colômbia lida com situações como a produção de coca alcançando níveis recordes, grupos armados ilegais lutando por territórios nos quais o Estado tem escassa ou nula presença e uma onda de assassinatos de ativistas sociais, que mostram que a paz continua sendo um termo muito relativo. Se Duque não puder levar o Estado às zonas rurais, hoje dominadas pelos narcotraficantes e paramilitares, pouca coisa mudará no país que registrou nas últimas décadas ao menos 260 mil mortos, 60 mil desaparecidos e mais de sete milhões de pessoas se deslocando por medo da violência.
(*) Camilo Rengifo Marín é economista e acadêmico colombiano, investigador do Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE) -www.estrategia.la