A incompatibilidade entre a atuação política e os negócios offshore – Por Luvis Pareja
Por Luvis Pareja*
Após a divulgação da segunda leva de documentos sobre os Panamá Papers e Mossack Fonseca, o estúdio panamenho epicentro das manobras mundiais de evasão fiscal que afetaram, entre muitos outros, a pessoal próximo ao presidente uruguaio Tabaré Vázquez, o governo foi à público para declarar que é incompatível ter empresas offshore “quando se ocupam cargos ou sejam funcionários públicos.
Daniel Espinosa, secretário-geral da Secretaria Nacional contra a Lavagem de Ativos e o Financiamento do Terrorismo da Presidência, Daniel Espinosa, disse no Parlamento que aqueles funcionários com cargos públicos que contem com empresas offshore deverão renunciar aos seus postos. Indicou que, uma vez que se regulamente a Lei Integral contra a lavagem de ativos, todos os funcionários que estejam nessa situação devem proceder dessa maneira.
Espinosa esclareceu que não está tipificando delitos, “e sim instalando uma proibição de exercer cargos públicos”. A nova investigação – revelada por um consórcio internacional de jornalistas – revelou o envolvimento do empresário uruguaio Miguel Brechner, representante de Vázquez no diretório do Plano Ceibal, de Javier Vázquez, filho do mandatário, e também Gianfranco e Mariano Macri, irmãos de Mauricio, o chefe de Estado argentino
“No caso do filho de Vázquez, não se trata de um funcionário, então a proibição não se aplica. Pode ter o problema que tenha, mas não será afetado pela proibição”, explicou. Diferente é o caso de Brencher, onde há uma vinculação que deveria incidir quando o decreto esteja vigente. “Ele deveria renunciar ao cargo, não há polêmica a respeito de sua situação, que é de conhecimento público”, admitiu Espinosa.
O filho do presidente é questionado por seu papel nos negócios conseguidos por empresários uruguaios em Caracas durante o primeiro governo do seu pai (2005-2010), e pelo fato de que comprou duas offshore da Mossack & Fonseca, em meados de 2008, para as quais abriu contas bancárias, também por essa via.
O semanário Búsqueda denunciou que o engenheiro Brechner representa o Banco República (público) dentro do Laboratório Tecnológico do Uruguai (LATU), a pedido do Fundo de Recuperação de Patrimônio Bancário do Banco Central. Em 2012, o Fundo passou às mãos de uma filial do Banco República, quando Brechner já ocupava o cargo de presidente do Plano Ceibal, em representação do Poder Executivo.
O Plano Ceibal foi criado em 2007 como um programa de inclusão e igualdade de oportunidades, com o objetivo de apoiar as políticas educativas uruguaias com tecnologia. Desde sua implementação, cada criança que ingressa no sistema educativo público em todo o país tem acesso a um computador para seu uso pessoal, com conexão à Internet gratuita dentro do centro educativo.
Os resultados concretos do programa são motivo de debate no Uruguai, ainda mais depois de um estudo da Universidade da República mostrando que o plano teve um impacto nulo em matemáticas e leitura, e que seu interesse final somente a venda de computadores ao Estado.
Segundo investigações do Senado, Brechner está vinculado à empresa High Tech Pacific Corp, uma offshore com endereço nas Ilhas Virgens Britânicas (BVI). As reportagens dos Panamá Papers apontam sua esposa e filhos como diretores e acionistas da sociedade, ao menos até meados de 2017, enquanto Brechner tinha poder para representa-la.
Centenas de argentinos com investimentos offshore, expostos pela difusão dos Panamá Papers, tinham intermediários uruguaios que eram os responsáveis por viabilizar os contatos com o estúdio Mossack Fonseca, e isso ficou claro quando os envolvidos – empresários dos setores agropecuário e farmacêutico, alguns com sobrenomes ilustres – buscaram aproveitar medidas impulsadas pelo governo de Macri que facilitam a declaração de propriedades, contas bancárias e outros bens fora do país.
Foram 125 os argentinos que tentaram legalizar propriedades offshore, num total de 125 milhões de dólares: casas em Ponta del Este, apartamentos em Miami e/ou contas bancárias na Suíça e em paraísos fiscais do Caribe. Suas identidades não foram reveladas, devido a que as medidas da nova lei macrista impõem o segredo fiscal.
(*) Luvis Pareja é jornalista uruguaio, analista associado ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)