A crise se aprofunda e já se busca um »salvador» do modelo – Por Juan Guahán

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Por Juan Guahán*

Enquanto o governo de Mauricio Macri insiste em que “estamos no caminho correto” a teimosa realidade caminha em outra direção. Os dados dos últimos dias ratificam que o poder econômico está retirando seu apoio ao governo e as diferentes variáveis econômicas estão praticamente fora de controle, o que pode levar a uma crise a qualquer momento, e uma da qual o governo carece de respostas.

A inflação e a recessão não cessam, enquanto os dólares adiantados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) vão escorrendo pelo enorme ralo de uma política econômica que favorece a fuga de capitais. Não aparecem novas possibilidades de gerar divisas e os investimentos, que buscam condições melhores e mais seguras, evitam cada vez mais a Argentina.

Alguns poucos e robustos dados comprovam essa situação:

– O “risco-país” registrado na sexta-feira (10/8) atingiu seu nível mais alto desde fevereiro de 2015, o dobro de Brasil (e um Brasil que tampouco vai bem, mas que ainda não chegou à situação que vive a Argentina) e três vezes a médio da região. Isso torna cada vez mais difícil conseguir novos recursos.

– No último semestre, as ações da bolsa perderam 70% do seu valor. Na Bolsa de Nova York, as ações argentinas perderam, só na sexta-feira, 7% do seu valor. A renovação dos chamados “lebacs” (títulos do Banco Central) se fazem por períodos cada vez mais curtos, e a taxas que já superam 50%.

– A recessão provoca o crescimento da pobreza que, segundo o Informe da Universidade Católica Argentina, supera os 32%, o que é 3% a mais que o medido no último semestre do ano passado.

Além desses dados econômicos, é preciso considerar o que aconteceu nos últimos dias, com investigações de corrupção que envolvem o governo – como o caso dos falsos doadores de campanha para a coalizão macrista – e a oposição – o caso dos cadernos sobre propinas e subornos no governo anterior –, além de pendrives com informações que afetam a tanto governistas quanto kirchneristas, e que aumentaram as desconfianças sobre o futuro do governo.

O caso dos “cadernos” evidencia algumas questões que chamam a atenção. Uma delas é que as principais empresas envolvidas têm negócios com a China. Outro tema chamativo é que entre os que entregam “bolsas” (com dinheiro de propina) não aparece o nome de Marcelo Mindlin, recente “comprador” da IECSA, a empresa dos Macri e do seu primo Ángelo Calcaterra no setor energético – conhecido por estar habitualmente envolvido em casos assim.

Essas “descoordenações” políticas agravam a situação econômica e tudo isso vai produzindo outra minidesvalalorização da moeda argentina – o dólar fechou em quase 30 pesos na sexta, e se estima que continuará crescendo na próxima semana. Esses dados trazem ainda mais dúvidas e temores sobre o futuro da economia. E para piorar, a queda dos preços da soja, a derrubada da lira turca e os problemas desse governo com os Estados Unidos complicam ainda mais a situação de uma Argentina que é, hoje em dia, uma das economias mais frágeis do sistema mundial.

Buscam um “salvador”… Lavagna se oferece

As denúncias sobre uma corrução generalizada, junto com uma realidade social insuportável e uma economia sem rumo, formam parte de um futuro pouco animador até mesmo a curto prazo. Por isso, muitas vozes defendem o nome de Roberto Lavagna como um possível mediador, alguém capaz de consertar as coisas, o mesmo papel que cumpriu naquele 2001, após a crise social provocada pelo corralito.

Funcionários do governo o consultam e pedem declarações que tranquilizem o ambiente e apoiem algumas de suas medidas. Em recentes momentos críticos, um helicóptero da Presidência chegou a buscá-lo em sua chácara na Grande Buenos Aires, para consultá-lo e tentar fazer dele um aliado.

Funcionários de órgãos internacionais não deixam de indagar sobre as propostas de Lavagna em meio da atual crise, enquanto algumas figuras locais – até mesmo a ex-primeira-dama Hilda González de Duhalde – não perdem a oportunidade de apresentá-lo como o homem ideal para abordar os problemas atuais. Mas, o que acontece com Macri e Cristina Kirchner, para que Lavagna apareça agora como alternativa?

O que este político de 76 anos tem de tão especial para que se pense nele como um piloto de tormentas em momentos tão críticos como o atual? Começou sua longa carreira ligada ao Estado nos Anos 70, como um funcionário de segunda linha no governo peronista daquela época. Após o período ditatorial, retornou à atividade pública, durante o governo de Raúl Alfonsín (1983-1989).

Nos Anos 90, foi embaixador argentino diante de organismos econômicos internacionais (Genebra) e da União Europeia (Bruxelas), até que, em 2002, Eduardo Duhalde o convocou para ser seu Ministro da Economia, cargo que continuou ocupando com Néstor Kirchner até 2005. Abandonou suas funções quando o país crescia a uma taxa anual de 8%, e já havia contornado o problema do “corralito financeiro”, além de um acordo de “troca de dívidas”. Esses foram os passos que deram o início ao período vacas gordas.

Em 2007, durante o auge kirchnerista, Lavagna foi candidato presidencial de uma aliança encabeçada por radicais e peronistas não kirchneristas. Ficou em terceiro, atrás de Cristina e de Elisa Carrió, com 17% dos votos.

Nesta década, aderiu à Frente Renovadora de Sergio Massa, tornando-se, assim, aliado econômico do macrismo.

A disputa entre Cristina e Macri?

Dá a impressão de que a candidatura de Lavagna não é vista com maus olhos pelo poder econômico internacional e seus principais aliados. Isso leva a algumas questões prévias: os bons antecedentes do candidato – segundo esses setores –, o temor gerado pela perspectiva de um triunfo do kirchnerismo e uma conjuntura onde, ao que parece, as estruturas de poder (econômico e político) parecem ter desistido de Macri.

No que diz respeito ao kirchnerismo, sabe-se da rejeição que a ideia de um eventual regresso seu à Casa Rosada provoca nos setores de poder, nacional e internacional, que não estão dispostos a deixar que os problemas econômicos continuem crescendo de forma a permitir um possível triunfo seu em 2019. Suas políticas, embora não questionem o sistema dominante, alimentaram um discurso que os grandes empresários não estão dispostos a tolerar, e por isso pretendem viabilizar alternativas mais de acordo com sua própria lógica.

A respeito da continuidade do macrismo, tudo indica que o presidente tem impunidade e garantias até o fim da primeira semana de dezembro deste ano, quando ocorre a reunião do G20, em Buenos Aires, com a presença de chefes de Estado e de governo das principais potências do mundo, e que deve ser presidida pela autoridade máxima do país anfitrião – o que torna difícil imaginar uma crise presidencial em meio a tal situação.

Passados esses dias, virão as tradicionalmente críticas semanas de dezembro, antecedendo o começo do ano eleitoral presidencial. Faltando tão poucos meses, o mais provável é que Macri terminará seu mandato. O que não parece tão fácil é a possibilidade de que possa ser reeleito. Além das fortes críticas e problemas internos, parece que também já não conta com o apoio dos poderes internacionais, que buscam outras perspectivas.

A continuidade de Macri coloca em risco o conjunto do sistema, devido à raiva acumulada na sociedade pela falta de políticas capazes de superá-las, e a rebeldia que provoca. Nesse sentido, surgem a conveniência, ou a necessidade, de outro tipo de alternativa.

Assim, a figura que emerge, com as melhores possibilidades para o momento é a de Roberto Lavagna. Sua história de participação em governos peronistas (kirchneristas e não kirchneristas) o coloca como alguém capaz de reunir uma massa de acordos que nenhum outro dirigente conhecido da oposição poderia conseguir.

O profundo controle dos atuais aparatos partidários sobre o sistema eleitoral faz pensar que só uma crise muito profunda, ainda maior que a de 2001, permitiria pensar em alguém de fora do sistema para as próximas eleições. Por isso, essa possibilidade de mudar algo para que pouco ou nada mude, só pode se tornar viável através de uma figura como a de Lavagna no horizonte.

Protagonismo das mulheres: nada será como antes

Há vários meses, o debate sobre uma “Lei de Interrupção Voluntária da Gravidez” sobrevoa a sociedade argentina. Mauricio Macri colocou essa questão na agenda parlamentar, se diferenciando dos governos anteriores. Muitos atribuem essa política a uma estratégia dos comunicadores do governo, com o objetivo de empurrar o debate da sociedade por caminhos que evitem a realidade socioeconômica e desviem o foco da grave crise social na qual o país está envolvido, buscando uma discussão sobre um tema que desperta transversal aos diferentes agrupamentos políticos.

A verdade é que há vários temas que, após estes meses de discussão, nunca mais serão iguais. O simples fato de abrir essa discussão gerou uma brecha muito difícil de lidar, nas deterioradas relações entre o governo e a Igreja. Quem conhece os bastidores desses vínculos manifestam que, assim como passou com os governos de Carlos Menem, Néstor e Cristina Fernández de Kirchner, havia um compromisso de não expor este tema ao debate parlamentar.

Desde o início, estas discussões foram tomadas como uma bandeira irrenunciável por parte dos movimentos de mulheres, que já planteavam a luta contra os frequentes feminicídios, com a consigna “Nem Uma Menos”. As multitudinárias mobilizações a respeito desse problema cresceram e se multiplicaram, quando a mencionada norma sobre interrupção da gravidez foi colocada na pauta legislativa.

Nestes longos meses, durante os quais se escutaram as mais diversas opiniões, a presença das mulheres – particularmente as mais jovens – nas ruas foi aumentando, e foi decisiva, como pressão social, para a aprovação da lei na Câmara dos Deputados, com uma notória maioria mobilizada a favor da despenalização do aborto, especialmente nas grandes cidades.

Essa “onda verde” tinha um conteúdo que superava claramente as reivindicações da norma aludida, e representava a presença massiva das mulheres em questões relacionadas à sua vida cotidiana.

Depois dessa primeira votação, onde elas se fizeram escutar de uma forma muito mais vigorosa, a voz de diferentes expressões da Igreja Católica e outros credos cristãos começou a falar forte, mostrando sua influência sobre as posições historicamente mais tradicionalistas, fazendo com que o Senado reverta a decisão da Câmara e não aprove a lei. Agora, terá que esperar outro período legislativo para ser debatido novamente.

O impacto internacional do debate na Argentina contribui a fortalecer a ideia que o ocorrido deixou um saldo que a sociedade já não poderá ignorar. As mulheres representam uma força que ninguém poderá ignorar. Parece evidente que a derrota parlamentar contém uma significativa vitória cultural.

A sociedade vai na direção de impor o respeito pelos interesses, perspectivas, visões e presença mobilizadora das mulheres, contra os valores de um patriarcado que tem vários séculos de vigência, e que agora se assombra com o amanhecer de uma presença feminina que dará ao mundo uma nova e diferente cosmovisão.

Depois de anos de um processo de conquista de direitos passo a passo, as mulheres começam a responder as humilhações sofridas defendendo suas próprias propostas e lutando mais abertamente pelos anseios que, durante anos, eram somente esperanças. Os varões (e a Igreja) têm a responsabilidade de saber compreender este momento.

(*) Juan Guahán é analista político e dirigente social argentino, associado ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)

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