A caminho da moratória: desvalorização do peso supera os 212% na Era Macri – Por Rodolfo Koé Gutiérrez

759

Por Rodolfo Koé Gutiérrez*

Nesta primeira quinzena de agosto, a cotação do dólar na Argentina seguiu subindo paulatinamente, até superar a barreira dos 30 pesos, acumulando uma alça de 10,6% só nos últimos cinco dias, mas de 62,1% considerando todo o ano, ou 75,6% nos últimos 12 meses, ou, ainda mais, 212,2% desde que Mauricio Macri assumiu o poder, em dezembro de 2015. Enquanto isso, os bonos emitidos por este governo continuam em queda livre, e o risco-país alcançou os 748 pontos.

A bateria de medidas oficiais para conter o problema só acrescenta mais confusão. As reservas caíram em 1,6 bilhão e a inflação é um reflexo da acelerada desvalorização. Segundo cifras oficiais, a taxa de julho foi de 3,1%, e a do ano inteiro já está em 19,6%. A aceleração da desvalorização faz com que as metas impostas ao governo pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) sejam inalcançáveis, começando pela acumulação de reservas e controle da inflação. Portanto, o país está obrigado a alterar o acordo com o organismo multilateral, a menos de dois meses de assinar o papel.

Nesse período, o dólar passou de 27,76 pesos a 30,71, e a Argentina dilapidou quase 9 bilhões de dólares em reservas. A taxa de juros reitora do sistema foi estabelecida pelo Banco Central em 45% anual. O resultado disso é um congelamento da atividade e uma inflação descontrolada. As reservas internacionais caíram a 8,6 bilhões de dólares desde 22 de junho – quando o FMI entregou a primeira parte do empréstimo: 15 bilhões, de um total de 50.

A “chuva de investimentos”, prometida nos dois anos anteriores, já caiu no esquecimento. O objetivo principal assumido pelo ministro de Fazenda e Finanças, Nicolás Dujovne, passou a ser “evitar que haja uma megacrise, como a de 2001”, ano da convulsão social do `fora todo mundo´. Nos últimos 30 dias, a autoridade monetária mudou cinco vezes a estratégia de intervenção no mercado cambiário.

O pecado original da desregulação e liberação do mercado, junto com medidas que romperam todos os diques defensivos para aliviar qualquer choque externo ou interno negativo, foi reforçado pelo impressionante nível de inoperância do governo. “A possibilidade de uma moratória, inclusive com um acordo vigente com o Fundo Monetário Internacional (FMI), já não é considerada descabelada pelos especialistas e operadores financeiros”, diz o economista Alfredo Zaiat.

Nos últimos dois anos e meio, o governo de Macri alimentou um endividamento frenético, sem ter um programa macroeconômico estável. O preço das ações despencou no final da primeira quinzena de agosto – até um 12% na bolsa de Nova York – e os bonos em moeda estrangeira chegaram a cair mais de 9%.

Por outra parte, as estratégias de desregulação cambiária, metas de inflação e endividamento externo foram um fracasso. Em menos de dois anos, obrigaram o país a buscar um acordo com o FMI para frear a corrida cambiária. E ainda assim, a demanda de dólares continua. O Banco Central conta com reservas brutas no equivalente a 57,5 bilhões de dólares (em 09/08/2018) e o Fundo Monetário Internacional irá desembolsar 3 bilhões de forma trimestral se o programa for cumprido.

Ademais, há outros 5,5 bilhões comprometidos por outros organismos multilaterais. Mas, ainda com semelhante ajuda financeira, a Argentina precisa de acesso aos mercados creditícios. Não se trata somente do governo nacional. As províncias e muitas empresas têm vencimentos de bonos em dólares e em algum momento terão que ir ao mercado para pagar juros ou refinanciar capital. Inclusive a Província de Buenos Aires, que tem uma dívida em divisas de 15 bilhões de dólares, e ainda assim a governadora reconhece que precisará adquirir mais dívida externa para cumprir com o pagamento dos serviços e a amortização da dívida.

O dólar fechou em 30,72 pesos no dia 15 de agosto. Um novo recorde, alcançando no mesmo momento em que as reservas caem em 253 milhões de dólares, para fechar em 56,6 bilhões em total. O presidente do Banco Central (que também é amigo pessoal e irmão de um dos maiores sócios do presidente), Luis Caputo, assegurou que se as reservas continuarem caindo, o país terá que solicitar um waiver (modificação no acordo com o FMI). “Não estamos em problemas”, disse o ministro, apesar de ter suspendido o leilão diário de 50 milhões de dólares, na mesma jornada em que os técnicos do Fundo chegaram ao país para revisar o avanço comprometido para recompor os desequilíbrios macroeconômicos.

A incerteza continua e alguns consultores estimam que o dólar estará em mais perto dos 40 do que dos 30 pesos nos próximos meses. A equipe econômica começou a semana com uma bateria de medidas para tentar tranquilizar o mercado, sem gerar o efeito desejado: aumento da taxa de interesse de referência de 40% a 45%, que se manteria ao menos até outubro, a suspensão dos leilões diária de divisas de 50 milhões de dólares, a venda de 500 milhões de dólares uma única vez esta semana e o anúncio de um cronograma de cancelamento de títulos do Banco Central (os chamados “lebacs”) para acelerar a redução do estoque de dívida do BC.

A interpretação dos analistas de mercado é que o FMI obrigou o governo a tomar estas decisões para dar uma mensagem clara: a praça cambiária, desde agora estará plenamente liberada. O tipo de câmbio definirá a oferta e a procura de dólares dos privados. A ideia do BC de tentar conter a volatilidade do dólar para evitar um impacto sobre os demais ativos financeiros não passou pelo filtro dos técnicos do FMI. O BC fracassou na negociação com os bancos do exterior na tentativa de conseguir um novo crédito, para ter dólares frescos e poder intervir na praça cambiária, e o FMI se mostrou pouco flexível sobre mudar o limite mínimo de reservas líquidas.

Os anúncios não mudaram o humor do mercado, e o desequilíbrio financeiro faz aumentar o medo dos investidores em ficar com ativos argentinos. Alguns analistas planteiam que a situação é catastrófica, enquanto outros asseguram que há uma reação exagerada por um mal manejo da turbulência cambiária iniciada em abril. Enquanto os economistas não se decidem, os grandes fundos de investimento continuam vendendo ativos locais sem duvidar. O risco país fechou ontem em 748 pontos básicos, alcançando a cifra mais elevada em três anos e meio. Os bonos a longo prazo já rendem acima dos 11%. Se trata de um retorno que supera todas as economias da região.

O clube dos dolarizadores

Como aconteceu em 2001, o plano de dolarizar a economia argentina volta a ser oferecido como solução a uma crise econômica e social gestada pela mesma usina de ideias que oferece essa proposta. Carlos Rodríguez, que foi vice-ministro da Economia do governo de Menem, considera que com um tipo de câmbio a 40 pesos, se poderia aplicar a dolarização, o que significa abandonar a soberania económica e resignar todos os instrumentos de política monetária. “Dolarizar uma moeda que vale 30,1 unidades por dólar resultaria em 76 bilhões de dólares. Não estamos tão longe. Se considerarmos uma moeda que custa 40,1 por dólar, seriam somente 56 bilhões. Podemos chegar a isso, e devemos pensar (nessa possibilidade). As pessoas têm muito mais escondido em seus colchões, e poderia fazer circular se o país mostra que há confiança. Sem ajuste fiscal, isso seria um sonho”, declarou via twitter.

Independente das simplificações sobre a relação entre as reservas e a base monetária estabelecida pelo ex-funcionário, a medida aprofundaria os problemas, ao ceder instrumentos de regulação. Analistas concordam em que a resposta para que a moeda recupere credibilidade deve ser política.

“Dolarizar uma economia é uma resposta econômica a um problema político, embora a solução no fundo também seja política. O problema político é que a moeda reflete a enorme perda de confiança da população sobre o rumo político e econômico, e tentam apresentar uma solução que pareça neutra, para enfrentar esse problema”, detalha Biscay, ex-diretor do BC, que ressalta como essa medida leva a perder soberania, não somente no sentido de “reivindicação” como até na possibilidade “de fazer política monetária, enquanto é uma dimensão para pensar o financiamento da atividade de um país aos mecanismos macro prudenciais, para evitar as crises sistêmicas”.

Por sua parte, Alejandro Vanoli, que foi ex-presidente do Banco Central, acredita que uma fuga de divisas que se incrementa, com taxas de juros em níveis pré-moratória e um nível de dívida incontrolável, que é o cenário que a Argentina vive agora, leva os especuladores a verem na dolarização da economia a única forma de assegurar seus lucros. “Se você dolariza a economia, faz desaparecer o risco cambiário, mas o país fica sem instrumento para regular o ciclo econômico e nada garante que sem uma moeda não vai haver mais déficit externo. Recordemos os Anos 90, quando convertibilidade foi de tipo fixo, com efeitos similares aos da dolarização”.

A dolarização da economia é uma medida difícil e traumática. O Equador de Rafael Correa não conseguiu escapar dessa armadilha. A Grécia enfrentou as pressões da União Europeia para não abandonar o euro, e por isso vive uma crise permanente. Vanoli insistiu em que a melhor solução é atacar as causas: a abertura importadora e a fuga de capitais. “O problema, portanto, é que o FMI não deixa intervir nesses aspectos. É um problema político e a resposta não pode ser tecnocrática”, concorda Biscay.

(*) Rodolfo Koé Gutiérrez é jornalista argentino e analista associado ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)

Más notas sobre el tema