Raul Pont: «o mais importante agora é a consigna Lula Livre»

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Por Pedro Brieger, NODAL*

Raul Pont é um membro histórico da direção nacional do Partido dos Trabalhadores (PT) do Brasil. Foi prefeito de Porto Alegre, a capital do Rio Grande do Sul, entre 1997 e 2001, e um dos impulsores do projeto de Orçamento Participativo, uma experiência que permitiu a participação dos cidadãos em diversos âmbitos da administração da cidade. A experiência de sucesso do governo do PT levou a que Porto Alegre fosse escolhida como a sede do primeiro Fórum Social Mundial, em janeiro de 2001, com numerosos movimentos sociais de todo o mundo.

NODAL: Como você caracteriza a situação política que se vive no Brasil, a escassos cinco meses das eleições? Ainda não se sabe bem quem serão os candidatos, há um presidente (Michel Temer) que não foi eleito como tal, uma presidenta (Dilma Rousseff) destituída e um ex-presidente (Lula da Silva) preso.

Raul Pont: Há dois anos, o Brasil vive um golpe midiático, com a cumplicidade da Justiça e do Congresso Nacional, que tirou do governo a presidenta Dilma Rousseff sem nenhuma prova, sem nenhuma razão verdadeira. Mas o motivo do golpe dirigido por Temer e vários partidos políticos era mudar a política econômica e a política externa brasileira, com um custo brutal para o país e para os trabalhadores. O governo de Temer é amplamente rejeitado hoje, mais de 90% da população o considera ruim ou péssimo. A greve dos caminhoneiros devido aos preços dos combustíveis, que ocorreu em maio, mostrou que uma das políticas de Temer é a de liquidar a Petrobras, dar a ela uma gestão privatista. Essa é a política de Temer, privatização das empresas públicas, que foram transformadas para serem atraentes numa dinâmica de privatização, uma política contra a legislação que garante direitos trabalhistas, um ataque brutal ao sistema previdenciário, colocando em risco os direitos da maioria dos trabalhadores. Por outra parte, uma política internacional desastrosa, contra o Mercosul, sem nenhum protagonismo junto aos BRICS (bloco conformado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). O país está completamente sem governo, sem rumo, sem nenhuma orientação. Esse é o problema que vivemos. Há uma reação crescente, mas que vem sendo contida graças ao trabalho da Rede Globo, e outros meios que fazem um massacro jornalístico em todo o Brasil contra essa reação. Eles são muito fortes e martelam diariamente com um discurso de criminalização da política, e especialmente do PT. Avançaram contra Lula e Dilma com processos judiciais que são uma vergonha: não há nenhuma prova nem acusação concreta. É simplesmente uma armadilha judicial para colocar Lula na prisão e Curitiba e impedir sua candidatura.

NODAL: O Tribunal Superior Eleitoral ainda não definiu o tema de candidatura de Lula. Qual é a sua situação atual?

Pont: Nós no PT tomamos a decisão de manter a sua candidatura. É uma posição unânime dentro do partido. Lula continua liderando todas as pesquisas, a última lhe dava quase 40%, a suma de todos os demais não chega a isso. Vamos fazer o lançamento da candidatura de Lula e registrá-lo no dia 15 de agosto, que é o prazo da Justiça Eleitoral. Vamos forçar a candidatura de Lula porque se a negamos estaremos cedendo diante daqueles que realizam essa perseguição contra Lula e contra o PT justamente para que ele não seja candidato.

Dilma Rousseff foi destituída em 2016, depois de mais de treze anos de governo do Partido dos Trabalhadores: oito de Lula, e cinco e meio de Dilma, que foi reeleita em outubro de 2014.

NODAL: Como pode ser que o PT tenha sido tirado do governo, sem uma massiva resposta popular daqueles que foram beneficiados pelas políticas sociais do PT?

Pont: Há erros que cometemos por causa da política de alianças com os partidos de centro e de centro-direita. Houve erros muito grandes no início do último governo de Dilma, porque havia uma pressão muito forte de todos os meios de comunicação, das grandes federações empresariais, dos bancos, para manter a economia nas mãos de uma pessoa de confiança deles. Foi assim que se buscou o Joaquim Levy, um tecnocrata que vinha da banca, e ele chegou dizendo que faria um ajuste rápido, de alguns meses, e que logo voltaríamos a crescer. Isso se fez para enfrentar a crise, para enfrentar o boicote que a grande burguesia brasileira fazia na produção, porque não investia. Dilma fez um movimento clássico, tentou assegurar algumas coisas, principalmente a folha de pagamento dos trabalhadores na parte previdenciária, garantir créditos aos empresários e diminuir alguns impostos para que houvesse uma contrapartida de investimento privado. Mas houve um verdadeiro locaute da burguesia.

NODAL: Por que não se tomaram, naquele momento, medidas para favorecer os trabalhadores? No fim das contas, Dilma ainda era quem encabeçava o governo.

Pont: No início do governo de Dilma, o PT tomou uma posição clara para não manter o ministro Levy, que liderava a equipe econômica. Mas o governo tinha seus compromissos, suas relações. Houve um boicote brutal do Congresso, onde uma maioria paralisava o governo e aprovava pautas que eram todas contra o governo. Estabeleciam gastos que o governo não suportava nem tinha como pagar, e todas as propostas que o governo mandava não eram votadas, ou se votadas eram rejeitadas. O governo estava cercado…

NODAL: E por que não se apelou à mobilização popular, a partir das bases sociais que apoiavam o PT?

Pont: Penso que o mais complicado foi que perceber que já estávamos sendo afetados por anos de um verdadeiro massacre dos meios de comunicação, principalmente da Rede Globo, que controla a opinião pública. Houve um trabalho forte de criminalização da política, que recaía em todos os partidos, mas principalmente no PT. A ideia era identificar o PT como uma organização criminosa e responsável pela crise, quando não tínhamos a culpa, pelo contrário. Claro que isso acabou sendo um tiro pela culatra, porque liquidou também os partidos amigos dessa mídia hegemônica. Hoje, o partido que tem a maior simpatia popular, a maior adesão segundo as pesquisas, ainda é o PT. Todos os indicadores com respeito aos dois governos de Lula e o primeiro de Dilma são extremamente positivos. Chegamos a um maior salário mínimo da história do país e ao menor nível de desemprego. O país nunca tinha vivido com um desemprego na faixa dos 4%. Havia crescimento, tínhamos relevância no cenário internacional. Mas as pessoas acreditaram no discurso da mídia de que o governo estava sendo afetado pela corrupção. Dilma está sendo processada, um enorme grupo abandona a bancada governista e nos tornamos minoria, e ainda tivemos que manter a política do Joaquim Levy, que é um neoliberal…. Então, ficamos quietos em casa esperando que viesse a História a nos reivindicar. As mudanças na política econômica foi quase mortal, porque a última esperança tínhamos se perdeu ali.

Agora, estamos voltando lentamente. As manifestações pós-golpe não se dão através de um partido, e sim por força da Frente Brasil Popular, que é uma aliança com o Partido Comunista do Brasil (PC do B) e outros partidos menores, como os movimentos sociais, principalmente com a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e sua rede de sindicatos regionais e federações regionais, e também com a Frente do Povo Sem Medo, que tem uma relação com o Movimento dos Sem Teto e com o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). A esquerda volta a estar unida, nas ruas, na luta. Isso está sendo recuperado. Agora, o mais importante é a consigna “Lula Livre”. É a consigna para que as coisas mudem.

(*)Publicado originalmente no NODAL | Tradução de Victor Farinelli

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