FMI reorganizou o gabinete de Macri – Por Rubén Armendáriz

731

Por Rubén Armendáriz*

É difícil situação do governo argentino, com funcionários impedidos de viajar a Moscou por ordem presidencial, obrigados a ver a Copa pela televisão, enquanto constatam as frequentes e crescentes mobilizações contra suas políticas, e assistem à luta entre as facções do poder econômico representadas no gabinete de empresários. Gabinete que, aliás, sofreu neste fim de semana uma reorganização que obedece às exigências do Fundo Monetário Internacional.

Dá a impressão de que o governo de Mauricio Macri perdeu o apoio do “senhor mercado”, que já não acredita nem confia nele como antigamente. Hoje em dia, a maior fortaleza do governo é a sustentação dos poderes políticos mundiais, que não querem que o hoje presidente do G20, que eles ungiram como o mandatário modelo do continente, termine na rua antes de se realizar a reunião prevista para a última semana de novembro deste ano.

Mas Macri enfrenta não só as mobilizações diárias de trabalhadores, aposentados, professores e estudantes, mas também a disputa interna de duas posições em conflito, já que o acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) não inclinou a balança a nenhum dos dois grupos.

A situação também é tensa no parlamento, que deu a primeira aprovação ao projeto de despenalização do aborto e interrupção voluntária da gravidez, apesar da oposição da Igreja Católica e do macrismo. A correlação de forças mudou, e hoje Macri não parece contar com os votos para aprovar os acordos que aceitou com o FMI. Não será fácil dar legitimidade institucional às novas medidas.

Ainda mais quando se trata de uma política de tomada de controle do Banco Central por parte do mercado financeiro, e que também impõe mais aumentos de tarifas dos serviços básicos (água, luz e gás), maior inflação para baixar os salários medidos em dólares (de 420 a 190 dólares mensais) e para liquidar as dívidas em pesos, e que gerarão consequências que abrem mais frentes de conflito – como a de aumentar as importações, com o fechamento de pequenas e médias empresas.

A liberação financeira e a desregulação do comércio exterior deixam o manejo da economia nas mãos dos grupos econômicos concentrados, tanto domésticos como estrangeiros. Um esquema que significa a perda da soberania, maximizada pelo retorno ao FMI.

Uma das frações financeiras representada no governo tem o seu centro nas decisões e condicionalidades ditadas desde Washington (em especial as do FMI) e pressionou para que os ministros de Energia e Mineração (Juan José Aranguren, alto executivo da Shell) e de Produção (Alberto Cabrera, também ligado Londres), deixassem seus cargos.

Nicolás Dujovne, o homem que negociou com o FMI, agora terá em suas mãos os ministérios de Fazenda e Finanças, que foram fusionados, enquanto Luis “Toto” Caputo, representante dos fundos financeiros de investimento Blackrock e Templeton, foi colocado no Banco Central para enfrentar sua catástrofe institucional.

Dujovne, apadrinhado pelo FMI, parece ser quem rouba o lugar do até agora diretor de orquestra (chefe de gabinete) Marcos Peña Brown, que conta com o apoio dos grupos econômicos locais. Peña anunciou em maio a intenção do macrismo de impulsar um “grande acordo nacional” (talvez uma repetição daquele proposto pelo ditador Alejandro Lanusse, no início dos Anos 70, para salvar o governo militar daquele então?), uma mesa de negociação com aliados e opositores moderados, para garantir a aprovação parlamentar do orçamento nacional de 2019 (ano eleitoral), onde se devem plasmar os cortes e ajustes que o FMI exige.

Enquanto funcionários e propagandistas do governo tentam impor o imaginário de que se trata de “um novo FMI”, o ex-ministro da Fazenda do macrismo, Alfonso Prat Gay, afirma que “ir ao FMI é como pedir dinheiro a um sogro com quem nos damos mal”.

A reorganização do gabinete econômico vai mostrando também quem são os vencedores e perdedores. Num primeiro momento, com a designação dos diretores dos grupos econômicos nos muitos ministérios, Macri conseguiu balancear o jogo, mas agora os diferentes setores do poder econômico já observam como vão sendo definidos aqueles que perdem e que ganham.

No sábado, o governo anunciou a saída dos dois ministros rejeitados pelo FMI (Cabrera e Aranguren), substituídos por Dante Sica, ex-secretário de Produção do governo interino de Eduardo Duhalde, e Javier Iguacel, um importantíssimo operador político do macrismo. A troca desses dois ministros se produziu 48 horas depois da saída de Federico Sturzenegger da gerência geral do Banco Central.

Os três casos (Sturzenegger, Cabrera e Aranguren) envolvem pessoas muito próximas do presidente Mauricio Macri, que os defendeu em mais de uma oportunidade diante dos questionamentos que receberam por seus questionados desempenhos e resultados. Outras mudanças realizadas foram a da Secretaria de Mineração, que passara a ser uma pasta dependente do Ministério de Produção, e não mais do de Energia. Cabrera passou a ser o presidente do Banco de Investimentos e Comércio Exterior (BICE), e assessor do presidente Macri.

Cabrera era alvo de severas críticas do setor empresarial, que o acusava de assistir passivamente ao processo de desindustrialização, como autor de um documento onde aconselhava os setores “viáveis” e “inviáveis” – alguns condenados a desaparecer, substituídos pela importação – como a maior parte da indústria de mão de obra intensiva – a se “transformar”, o que foi interpretado como um convite a se tornarem importadores em seus mesmos mercados.

Dante Sica é um consultor de boa ligação com diversos setores empresariais, particularmente da indústria automobilística, e é visto como uma cara mais amável para o empresariado, embora defenda as mesmas políticas de desindustrialização de Cabrera. Por sua parte, Iguacel – que trabalhou para petroleiras privadas – é um operador político muito ativo do macrismo, especialmente na armação de causas e denúncias judiciais contra as contratações de obra pública do governo anterior.

A saída de Aranguren e Cabrera, depois da escalada imparável do dólar, ejetou Federico Sturzenegger do Banco Central, que passou às mãos do ex-ministro de Finanças Luis Caputo, reavivando as críticas da oposição.

“O problema não é a mudança de nomes, e sim a mudança de um projeto econômico. Sica não vai promover uma política de estímulo às exportações, de freio às importações, de apoio à indústria e à produção. Tampouco vai retroagir as tarifas que motivaram tantos protestos sociais. Não haverá nenhuma mudança de rumo econômico neste governo”, disse o ex-ministro de Defensa e chefe da bancada peronista na Câmara dos Deputados, Agustín Rossi.

Daniel Filmus, ex-ministro de Educação e hoje deputado, lançou uma ironia após conhecer os anúncios. “Se com a melhor equipe econômica dos últimos 50 anos os resultados foram tão ruins, nem quero imaginar agora que vão entrar os reservas!!!”, expressou por Twitter.

O panorama parecia estar claro para o poder fático argentino, mas ficou mais obscuro com a eleição do protecionista Donald Trump nos Estados Unidos e a conservadora Theresa May na Grã-Bretanha, referentes históricos a favor dos negócios dos grandes grupos econômicos. Washington impôs seu peso na disputa através do FMI, em diálogo com uma fração dos grupos econômicos locais como o Grupo Socma (sociedade pertencente à família Macri.

O acadêmico Walter Formento, diretor do CIEPE, analisa os cenários e acredita que há várias possibilidades em aberto, que requerem paciência e insistência para definir uma partida onde os grandes atores financeiros multinacionais – de Londres ou de Washington – vêm de perder posições internacionais na reunião do G7 e no encontro de Cingapura – entre Trump e o líder norte-coreano Kim Jong-un.

Longe dali, na Rússia, a seleção de futebol da Argentina apenas empatou com a Islândia, em sua estreia na Copa do Mundo, com Lionel Messi perdendo um pênalti. O salva-vidas futebolístico parece que não ajudará Macri a desviar a atenção popular sobre os problemas sociais causados pelo seu governo. Moscou era uma festa celeste e branca, mas na Argentina os caminhoneiros asseguraram uma enorme paralisação que contou com o apoio de outros sindicatos, como os dos bancários, dos professores e até de algumas organizações de esquerda e movimentos sociais, em uma crítica generalizada contra os aumentos das tarifas, a inflação e também contra os acordos com o FMI.

Enquanto o governo oferece 15% de aumento, os trabalhadores reclamam ao menos 27%, em meio a uma interna da Central Geral do Trabalho (CGT), a principal central sindical do país – que deveria escolher seus novos diretores no dia 22 de agosto. Além disso, há uma greve geral convocada para o próximo 25 de junho.

Finalmente, o limite dos ajustes é a capacidade de resistência dos ajustados.

(*) Rubén Armendáriz é jornalista e cientista político uruguaio, analista do Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)

Más notas sobre el tema