Uma necessária eutanásia política – Por Juan Pablo Cárdenas

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Por Juan Pablo Cárdenas*

Muitas legislações democráticas do mundo dispõem a dissolução legal dos partidos políticos quando estes não alcançam um quociente eleitoral mínimo. No Chile, a lei eleitoral também se orienta pela redução do leque partidário, mas as coletividades sempre buscam artimanhas para driblá-la, criando agrupações onde os referentes pequenos conseguem se manter vivos, ao abrigo dos maiores. É um fato, também, que no atual parlamento chileno há deputados e senadores que dificilmente teriam sido eleitos somente com os votos dos seus partidos, e não com os dos acordos de cúpula convenientes entre os denominados caciques da política.

O Partido Democrata Cristão (DC), outrora o partido com maior presença no Legislativo, teve uma queda enorme em sua representação, após ter decidido concorrer no ano passado com um projeto solo, que levou a derrotas até mesmo de algumas das suas figuras mais simbólicas. Agora, para cúmulo, começar a sangrar, com a renúncia massiva de militantes. Igualmente, outras legendas que formavam parte da antiga Nova Maioria (coalizão que elegeu Michelle Bachelet em 2013) conseguiram um acordo eleitoral que terminou salvando essas coletividades que poderiam ter sido extintas faz tempo, se não fosse a aritmética eleitoral implementada pelos operadores políticos.

Ninguém pode assegurar com certeza quanto pesa realmente o Partido Radical, ou o Partido Comunista, o Partido Socialista e o Partido Pela Democracia, somente constatar sua queda conjunta de representatividade, e também a deserção progressiva de seus militantes. Sobretudo agora que não estão mais no governo e já não podem oferecer aos afiliados cargos na administração pública.

Do ponto de vista ideológico, estas coletividades e já não oferecem perigo algum para a direita e aos que viviam abraçados à ideia de que prosperava no Chile uma revolução socialista ou uma ditadura do proletariado, expressões ausentes hoje no nosso léxico político. Por isso mesmo, seria um verdadeiro desafio descobrir as diferenças de pensamento entre os que ficaram e os que saíram desses partidos citados, assim como verificar o que resta de pensamento comunista no próprio PC, embora seu presidente (Guillermo Teillier), tenha se fotografado novamente com os líderes cubanos.

Entre todos os mencionados, pensamos que tampouco são nítidas suas diferenças com os que hoje governam, e que se autoqualificam como de centro-direita. Esses quase 30 anos de pós-ditadura não marcaram diferenças substantivas entre os moradores do Palácio de La Moneda, até porque existe uma Constituição, imposta em ditadura, em 1980, completamente sacralizada, e um Tribunal Constitucional consolidado como o supremo poder do Estado e guardião do modelo socioeconômico e cultural. Esta realidade é a que leva alguns a dizer que “o governo do socialista Ricardo Lagos foi o melhor governo da direita”, assim como outros descobrem no atual e neoliberal presidente Sebastián Piñera tendências socializantes e simpatias com a antiga Concertação (coalizão que governou entre 1990 e 2010), que certamente lhes causa repugnância.

Pensou-se que, com esta segunda eleição do atual mandatário (não consecutiva, seu primeiro período foi entre 2010 e 2013), os partidos entrariam num momento de crise severa, até chegar em sua inevitável extinção. Entretanto, é evidente que o vivido agora é um vórtice transversal do espectro político, e a verdade é que ninguém pode descartar o fim de algumas dessas coletividades. Já se vê, entre aqueles que perderam suas funções no governo, um enorme esforço por manter sua visibilidade pessoas – caso típico do ex-chanceler de Bachelet, Heraldo Muñoz, do Partido Pela Democracia. Da mesma forma, alguns dos grandes derrotados em sua corrida por revalidar seus cargos legislativos se empenham em controlar a porta de seus moribundos partidos, e manter assim a notoriedade e a cobertura dos meios de comunicação.

Mas deve-se reconhecer também a existência de centenas de ex-militantes que circulam erráticos atualmente pela política, tentando se apresentar como novos referentes, que tampouco têm orientação ideológica alguma, e que vivem do ressentimento com suas antigas coletividades. Caso típico dos “progressistas com progresso” e outras vagas e até ridículas denominações dos governistas de ontem, como os de hoje, que não podem se fundir numa ideia ou movimento em comum, ao carecer inclusive de um projeto ou programa de ação. São quase todos ex-dirigentes, com mais de 60 ou 70 anos, que não conseguem mais despertar apoio e confiança das novas gerações. Quando sabemos que, em nossa história política, os partidos e agrupações de sucesso sempre foram impulsados e liderados por jovens.

As três expressões partidárias que governam com Piñera estão abrigadas em La Moneda, e os cargos concedidos a elas foram assumidos como oportunidades de negócios que um empresário – como é o atual presidente – pode tributar ou facilitar. Mas já se observam tensões severas entre os mais conservadores ou liberais nos temas de direitos civis, e até por essa distribuição desavergonhada de cargos públicos. Embora se deva reconhecer que existe na direita chilena hoje muito mais identidade ideológica, social e cultural que nos demais setores políticos. Mas é fácil descobrir, nessa mesma direita, um bom número de ex-parlamentares, ministros de Estado e outros que também perambulam com muito ressentimento na busca de um destino político. O que poderia apontar a dificuldades para o presidente quando complete a nomeação de todos os seus homens e mulheres de confiança, especialmente com relação às embaixadas, que sempre terminam sendo como uma espécie e prêmio de consolação. Um saboroso caramelo para os ofendidos e discriminados dos primeiros círculos do poder.

Até mesmo a recém nascida Frente Ampla de esquerda ainda é um amalgama de partidos, movimentos, “sensibilidades” e apetites pessoais que estão demorando muito para desencantar. Talvez o mais audaz ou sensato seria que todas estas expressões fossem superadas, para que se passe a formar um só partido, para resolver o quanto antes, e democraticamente, quantos são e quanto pesam dentro do que foi um referente eleitoral de sucesso, e certamente bem posicionado para o futuro. Especialmente, se a Nova Maioria e seus partidos terminam de se atomizar. Porém, essa mesma Frente Ampla vem sendo flagrada em algumas das velhas práticas viciadas da política, que antes eles criticavam, com tanto afinco, ao mesmo tempo em que alguns de seus deputados, eleitos pela proporcionalidade, tentam fazer o possível para que tudo permaneça igual, e que nenhum reordenamento ou nova correlação de forças ameace sua próxima reeleição ou ascensão em sua carreira política.

Pelos meios de comunicação, especialistas em ventilar todo este tipo de controvérsias, soubemos que há uma movimentação interna tende a agrupar os partidos menores dentro da frente, o que poderia ser saudável, se não soubéssemos que neste processo também operam as mãos dos dois ou três caudilhos máximos, que buscam se consolidar visando uma melhor opção nos próximos desafios eleitorais.

Num momento em que o país fala tanto da morte assistida dos doentes terminais, seria bom que a classe política desse o exemplo, ao aplicar a eutanásia àquelas organizações que não têm maiores expectativas de vida e tanto complicam o exercício democrático no país.

(*) Juan Pablo Cárdenas é diretor de Rádio UChile e colaborador do Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)

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