Nem o establishment financeiro acredita mais em Macri – Por Rubén Armendáriz
A prioridade ao mercado financeiro tem como efeito colateral a diminuição do mercado interno, que se concentra – e em mãos estrangeiras -, o que condena a amplos setores da população ao desemprego e à pobreza, que cresce todos os dias, assim como crescem os indícios de que uma nova revolta social pode explodir em breve
Por Rubén Armendáriz*
Após mais uma semana com o dólar em disparada e o temor de uma revolta social, o governo argentino mexeu novamente na taxa de juros, para tentar frear a corrida cambiária – o Banco Central elevou duas vezes a taxa neste mês que mal começou: a 33% na quarta, e a 40% no dia seguinte.
“Pode ser que este seja o momento de sair da Argentina”, assegurou a revista Forbes. A mesma tese foi apresentada por uma matéria de destaque da página web do Financial Times. A agência Bloomberg, especializada em finanças, assegurou que os investidores questionam a credibilidade do Banco Central argentino, enquanto o El País, da Espanha, publicou a seguinte manchete: “quinta-feira negra para o peso argentino, que perde quase 9% do seu valor”.
Até mesmo os economistas do establishment argentino questionaram o governo com dureza, através das redes sociais. Alguns deles pedindo mudanças na equipe econômica, talvez esperando que o presidente Macri os chame para o gabinete.
Para a Forbes, os problemas macroeconômicos do país representam um perigo para os investidores, apesar das altas taxas de juros que o Banco Central mantém para conter a escalada da divisa estadunidense. “Todos acreditavam no governo de Mauricio Macri. Ele estava fazendo o certo. Aliás, já estava levando a Argentina de volta aos mercados de capital com abraços de boas vindas. A recepção agora está esfriando”, analisou o colunista Kenneth Rapoza, que concluiu sem nenhuma complacência: “é hora de fugir da Argentina, de sair correndo (…) investidores ainda querem ver crescimento, e a Argentina não é capaz de produzi-lo”.
O Financial Times afirmou que a intervenção bancária não conseguiu conter a forte queda do peso, e indicou que a escalada do dólar estadunidense e a perspectiva de novos aumentos das taxas por parte da Reserva Federal debilitaram as moedas dos mercados emergentes em todo o mundo, embora poucas tenham sido tão afetadas como aconteceu agora com o peso argentino.
O informe de expectativas do mercado, publicado nesta quinta-feira (3/5), pelo Banco Central argentino, parecia ter sido escrito há muitas semanas atrás. Feito com base em opiniões de consultorias, mostrando projeções surpreendentes: por exemplo, apontava um dólar que chegaria a 22,60 no fim do ano, sendo que ele já chegou a bater nos 23,30 durante esta semana, e previa taxa de juros de referência de 30,25% para maio, e ela já está na casa dos 40%.
Segundo os dados oficiais, até o 30 de abril de 2018, cerca de 47 bilhões de dólares fugiram do circuito econômico argentino. Além de outros muitos que o Banco Central teve que vender esta semana, e que seguirá vendendo, porque o governo mantém os principais preços dolarizados, e se sobe o valor do dólar (desvalorizando o peso) isso impacta diretamente o custo de vida da população e o custo de operação das empresas verdadeiramente produtivas e não de fachada.
Para o economista Horacio Rovelli, o governo de Macri só poderá superar a restrição externa e as inconsequências do modelo que aplica se endividando ainda mais e oferecendo grandes negócios ao capital mais concentrado, o que acaba com quase toda possibilidade de investimento produtivo.
A prioridade ao mercado financeiro tem como efeito colateral a diminuição do mercado interno, que se concentra – e em mãos estrangeiras –, o que condena a amplos setores da população ao desemprego e à pobreza, que cresce todos os dias, assim como crescem os indícios de que uma nova revolta social pode explodir em breve.
Resgatamos uma declaração do chefe da polícia da Província de Buenos Aires, Fabián Perroni: “a violência permanente dos delinquentes é resultado da droga, mas também há uma situação social que faz com que a pessoa que tenha a necessidade de comer cometa um crime. Tem gente que faz coisas que antes não fazia, e o faz por uma necessidade, por viver sob precariedade econômica”. O repórter da rádio então perguntou se a pobreza e a exclusão extrema levam muitas pessoas a roubar para comer, e a resposta foi clara: “claro que sim, e estamos trabalhando a respeito, porque é o tipo de crime cujos índices não estamos conseguindo baixar”.
(*) Rubén Armendáriz é jornalista e cientista político uruguaio, analista do Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)
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