Mike Pence, o cão raivoso de Trump (e dos irmãos Koch) contra a América Latina – Por Álvaro Verzi Rangel
Trump procurava um «cão raivoso» para ser seu vice-presidente. A resposta de Pence foi clara: «sou cristão, conservador e republicado; nessa ordem»
Por Álvaro Verzi Rangel*
As recentes declarações intervencionistas do vice-presidente estadunidense Mike Pence, uma coleção de mentiras agressivas contra Venezuela, Cuba e Nicarágua, reafirmam a ideia de que Washington considera a América Latina o seu quintal, onde, como em décadas anteriores, quer quebrar seus tentos de soberania, para torna-la região primordial dos negócios das megacorporações transnacionais e zona de segurança diante dos avanços comerciais e geoestratégicos da China, da Rússia e inclusive da Europa.
Em geral, um vice-presidente dos Estados Unidos não é uma figura que vai a público fazer declarações, nem impulsar políticas e sua principal tarefa é a de substituir o presidente em caso de que este morra (ou o matem) durante o mandato. Desconhecido fora dos Estados Unidos, Pence é um político ultraconservador. Donald Trump disse em algum momento que buscava um “cão raivoso” para ser seu vice-presidente. Alguém “especializado no combate corpo a corpo”, e nesse sentido, a resposta de Pence foi clara: “sou cristão, conservador e republicano, nessa ordem”.
Hoje, a possível substituição não é uma ideia nem remota nem descabelada, e dependerá muito das eleições parlamentares de novembro: a perda de algumas vagas no Congresso que hoje estão em poder dos republicanos pode adiantar um juízo político (impeachment). Outra possibilidade é se Trump tiver que comparecer a júri popular devido à investigação realizada pelo Promotor Especial, Robert Muller, a respeito da suposta intervenção russa nas eleições de 2016.
Pence, ex-governador de Indiana, é um opositor declarado do aborto e do matrimônio homoafetivo. Advogado e locutor, tem uma elegância ao falar da qual Trump carece. É a carta dos republicanos para uma sucessão. A importância nominal do seu cargo atual passa inadvertida, mas sua transcendência no mundo político é grande, já que além de presidir o Senado, tem a função de ser o porta-voz da política do Governo.
Pence atua como ponto de equilíbrio de Trump, e o time funciona bem. Suas posições conservadoras sobre o aborto e a homossexualidade, entre outros temas, lhe renderam fortes críticas durante sua gestão em Indiana. Uma homofóbica lei de liberdade religiosa que abriu as portas à discriminação dos homossexuais o fez ganhar enorme repulsa da opinião pública, e acabou recuando da decisão.
Muitos dos ex-colaboradores de Trump, além de senadores e deputados republicanos, plantearam seu desacordo sobre as políticas propostas por Trump, um autoritário que não está acostumado ao trabalho em equipe, o que muitas vezes impede as coordenações necessárias com o Congresso.
No campo internacional, Trump também rechaçou arbitrariamente as obrigações assumidas por seu país em convênios e acordos com outros países, sem dar explicação lógica e sem medir as consequências: os acordos sobre a Crise Climática, as sanções econômicas e financeiras, as tarifas aduaneiras sobre a China e outros países (sem medir as consequências para a própria economia estadunidense), suas constantes ameaças de sair do Tratado de Livre Comércio da América do Norte, o abandono do acordo nuclear com o Irã, apesar da oposição dos seus aliados europeus.
A negativa de Trump em assistir à reunião da OEA (Organização dos Estados Americanos), no Peru foi mais uma demonstração de seu pensamento hegemônico para com a América Latina, e isso deu uma oportunidade para Pence de se conectar e adiantar acordos com os presidentes assistentes, proclamando publicamente a política que considera ser a que se deve seguir, especialmente contra Venezuela, Nicarágua e Cuba, o que o fez parecer um “presidenciável” aos olhos dos estadunidenses. Também adiantou que tomará medidas com respeito às deportações dos imigrantes, cujas remessas representa uma parte importante fonte de renda dos países da região.
Alguns analistas políticos planteiam que, no caso de Pence assumir a presidência, o Partido Republicano se fortalecerá, muitas das medidas tomadas por Trump seriam anuladas, e isso melhoraria as relações com a União Europeia, China e até com a Rússia. Por outro lado, mudanças nas relações com a América Latina são muito menos prováveis.
Venezuela
Para atacar a Venezuela, Pence emprega os mesmos argumentos que os dirigentes opositores – pró intervenção estrangeira – venezuelanos Julio Borges e Carlos Vecchio, que se reuniram com ele em Lima durante a cúpula da OEA. Antes criticou a esta organização por não aplicar a Carta Democrática Interamericana contra a Venezuela. Não dissimula seu plano imperial contra a Venezuela e o desejo de isolá-la econômica e diplomaticamente, além da prepotente ameaça continua de novas sanções e o emprego da força.
O vice-presidente pediu a suspensão da Venezuela da OEA por considerar que Nicolás Maduro transformou o país numa “ditadura”, e também a revogação dos vistos dos funcionários de governo venezuelanos, o embargo de ativos que são frutos de atividades corruptas e que se impeça que as autoridades do governo para “lavar dinheiro em seus sistemas financeiros”.
Pence – como já fizeram outros políticos como Marco Rubio e Bob Menendez, estão manufaturando consensos na sociedade estadunidense ao colocar a Venezuela como um país em total colapso, que significa um risco para a sociedade norte-americana: “um Estado falido como a Venezuela ameaça a segurança e a prosperidade de todo o nosso hemisfério e do povo dos Estados Unidos de América”, afirmou Pence na Colômbia.
As visitas de Pence a Colômbia, Argentina e Chile teve também uma posição clara por parte dos mandatários desses países sobre a opção militar contra a Venezuela. De Santos a Macri, todos reconheceram que essa possível ação militar não só complicaria a situação da Venezuela como também colocaria a região inteira em um ciclo de grande instabilidade e ameaça bélica, uma verdadeira ameaça à segurança do hemisfério.
O governo venezuelano criticou as “agressões” e “ataques” de Pence, dizendo que a atitude “arrogante” desse país, “não faz mais que reafirmar a decisão da Venezuela de renunciar à sua participação na OEA” (solicitada no dia 28 de abril de 2017) e acusou o organismo continental de “colonialista” e de estar “a serviço” de Washington.
Enquanto isso, setores políticos do antichavismo – que até há pouco defendiam uma saída através de nova escalada violenta e tentativa de golpe de Estado – repetem o discurso para definir o governo como uma “ditadura”, e incluem entre os argumentos sua visão subjetiva sobre o processo eleitoral atual, destacando a suposta falta de legitimidade e transparência do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), a principal autoridade eleitoral do país. Ainda assim, há uma diminuição progressiva do ciclo violento e uma interferência nos níveis de instabilidade e tensão na Venezuela, e essa é uma má notícia para quem espera uma queda abrupta de Maduro.
“Ao pretender ditar ordens aos Estados membros para que apoiem a campanha de agressões contra a Venezuela, os porta-vozes da guerra estadunidenses violam flagrantemente o direito internacional no seio de um organismo que deveria velar pelo respeito a esse princípio”, indicou.
O Ministério de Relações Exteriores venezuelano disse também que Pence “pretende encobrir os danos” que o governo estadunidense provocou “na sociedade venezuelana através de medidas coercitivas unilaterais, com uma falsa preocupação humanitária cujo objetivo é moldar a vontade do povo”.
As palavras de Pence recordam a tristemente famosa Doutrina Monroe – América para os (norte-)americanos. “Os Estados Unidos são o principal sócio comercial do nosso hemisfério e a principal fonte direta de investimento estrangeiro na região. Mas (…) devemos recordar que a segurança é a base da prosperidade. Com o Presidente Trump, os Estados Unidos tomaram medidas decisivas para garantir a segurança e proteção do nosso povo, e fortalecer nossa colaboração no tema da segurança, com aliados e sócios em toda a região”.
Em seguida, se lembra da divisão de tarefas, e que enquanto Trump se ocupa de agredir a Coreia do Norte e o Oriente Médio Oriente, cabe a ele administrar os interesses do país na América Latina. E para isso tenta impor um imaginário coletivo através das fake news, dizendo que “o colapso da Venezuela nas mãos de Maduro prejudica as nações e as economias em todo o hemisfério, propagando doenças que haviam sido totalmente erradicadas, e dando aos narcotraficantes e organizações criminosas novas oportunidades para colocar em perigo o nosso povo”, analisou.
Em seu discurso de pós-verdade, Pence “se esqueceu” de dizer que 1,5 bilhão de dólares transferidos pela Venezuela para aquisição de alimentos foram bloqueados nos Estados Unidos, ou falar do bloqueio financeiro contra a Corpoelect: uma dívida de 7 milhões de dólares que o Brasil pagava à Venezuela, que o Wells Fargo Bank reteve e devolveu ao Brasil. Essas ações – que significaram o encerramento das operações de 19 contas no exterior – impediram o acesso dos venezuelanos a alimentos, medicinas e matérias primas.
“Já cortamos a moeda digital Petro dos nossos sistemas financeiros e impusemos sanções estritas a mais de 50 funcionários e ex-funcionários venezuelanos. Nosso governo designou três venezuelanos com vínculos diretos com o regime de Maduro como testas de ferro do narcotráfico. Congelamos seus ativos e bloqueamos seu acesso a nossa nação”, contou Pence.
E, sem nenhum pudor, disse ter entregue no último ano mais de 39 milhões de dólares em suposta ajuda humanitária, dinheiro que é administrado por dirigentes opositores venezuelanos que seguem o roteiro desenhado por Washington, enquanto pressiona os governos da região a “defender a democracia”, iniciando um processo para suspender a Venezuela da OEA.
O representante da Venezuela na OEA, Samuel Moncada, antecipou que, na verdade, o que busca esta ofensiva é gerar o clima para uma “operação maior contra o país”, enfocada em desconhecer as eleições presidenciais na próxima Assembleia Geral de julho e estabelecer a Venezuela como um “Estado falido”, com a intenção de continuar agredindo com medidas de violação da legislação internacional, como um embargo petroleiro e o reconhecimento de um governo paralelo no exílio.
As operações psicológicas ou guerra de quarta geração – ações que vem sendo usadas desde 1999 – tiveram como meta impor no imaginário público internacional uma mudança de regime pela força após a eleição de uma Assembleia Constituinte, em 30 de julho de 2017. O certo é que a possibilidade de um ataque militar que nunca havia sido tão propícia, e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump não excluiu essa possibilidade. Agora, cabe ao sistema cartelizado de terror midiático convencer a opinião pública da pertinência dessa empreitada.
As desculpas são várias: uma a favor da intervenção para restabelecer a democracia, outra contra o Estado canalha ou falido, e uma terceira que é o apelo por questões humanitárias. O tema da crise humanitária é alimentado por toda uma série de ONG com objetividade duvidosa (e financiamento conhecido) e retomado pelo sistema midiático hegemônico para legitimar uma intervenção militar estrangeira “com fines humanitários”.
Seguindo o mesmo argumento da crise econômica e das recomendações de Pence, o governo golpista do Brasil ordenou uma ação militar na fronteira com a Venezuela, enquanto a Colômbia, decidiu construir acampamentos para refugiados nas cidades fronteiriças.
A internacional capitalista
A internacional capitalista existe, é mobilizada pelo movimento libertário de extrema direita (em inglês, se autodenominam libertarians) e, obviamente, está muito bem financiada: funciona através de um imenso conglomerado de fundações, institutos, ONGs, centros e sociedades, unidos entre si por conexões difíceis de detectar, entre os que se destaca a Atlas Economic Research Foundation, ou Rede Atlas.
Cabe destacar que vários líderes ligados à Atlas conseguiram ganhar notoriedade ultimamente: vários ministros do governo conservador argentino, senadores bolivianos e dirigentes do Movimento Brasil Livre (MBL), que ajudaram a derrubar a presidenta constitucional Dilma Rousseff, segundo afirma Lee Fang em um exaustivo informe no The Intercept.
A rede que ajudou a alterar o poder político em diversos países é uma extensão tácita da política exterior dos Estados Unidos – os think tanks associados à Atlas são financiados pelo Departamento de Estado e pela National Endowment for Democracy (NED, sigla em inglês de “Fundação Nacional para a Democracia”), braço crucial do soft power estadunidense e diretamente patrocinada pelos irmãos Koch, poderosos bilionários ultraconservadores.
A NED e o Departamento de Estado, que contam com entidades públicas que funcionam como centros de operação e ação de linhas e fundos como a Fundação Pan-americana para o Desenvolvimento (PADF), Freedom House e a Agência do Desenvolvimento Internacional dos Estados Unidos (USAId), são os principais entes que distribuem as diretrizes e os recursos, em troca de resultados concretos na guerra assimétrica na que participam.
Atlas conta com 450 fundações, ONGs e grupos de reflexão e pressão, com um orçamento operativo de cinco milhões de dólares (2016), entregues por suas fundações “benéficas e sem fins de lucro” associadas, que apoiaram, entre outras, o MBL e as organizações que participaram da ofensiva na Argentina, incorporados pelo partido governista PRO (Proposta Republicana), criado por Mauricio Macri, além das forças da oposição na Venezuela, e do candidato de direita nas eleições presidenciais chilenas, Sebastián Piñera.
A rede tem 13 entidades filiadas no Brasil, 12 na Argentina, 11 no Chile, 8 no Peru, 5 no México e na Costa Rica, 4 no Uruguai, na Venezuela, na Bolívia e na Guatemala, 2 na República Dominicana, no Equador e em El Salvador, e 1 na Colômbia, no Panamá, em Bahamas, na Jamaica e em Honduras.
Os líderes do MBL e os da Fundação Eléutera – um grupo de “especialistas” neoliberais extremadamente influente no cenário pós-golpe hondurenho – receberam financiamento da Atlas e formaram parte da nova geração de influenciadores políticos que passaram por seus seminários de treinamento nos Estados Unidos.
A extrema direita “moderna” é o movimento libertário que hoje navega com o pavilhão republicano, que baseia seu acionar numa deliberada estratégia de desinformar as maiorias para impor suas políticas plutocráticas, tendo na Rede Atlas a sua principal propulsora na América Latina.
O mecenas desse movimento é o multimilionário Charles Koch, que adotou a tese de James McGill Buchanan – economista da Universidade de Chicago e Prêmio Nobel – para desarmar o Estado progressista, com uma estratégia operativa em defensa da santidade dos direitos da propriedade privada e cerceando a democracia como forma de fazer o capitalismo prosperar.
Entre as quinze organizações mais importantes financiadas por Koch estão a Americans for Prosperity, o Instituto Cato, a Heritage Foundation, o American Legislative Exchange Council, o Mercatus Center, Americans for Tax Reform, Concerned Veterans of America, o Leadership Institute, Generation Opportunity, o Instituto Pela Justiça, o Independent Institute, o Clube do Crescimento, o Donors Trust, Freedom Partners, Judicial Watch, etc. Junto com elas, devem ser incluídas outras 60 organizações da Rede de Políticas dos Estados Unidos.
Agora, os Koch poderiam estar bem posicionados para se tornar os novos magnatas dos meios de comunicação conservadores, após a compra da casa editorial Times. Embora Trump demostre estar obcecado com o prêmio de “personalidade do ano” entregue pela revista, tudo parece indicar que os Koch têm uma relação mais estreita com o vice-presidente, Mike Pence, que corre por fora para ficar com o galardão.
Pence é o candidato que recebeu mais doações (oficiais) do outro irmão multimilionário, David Koch. Entre tantas, se destaca uma de 200 mil dólares recebidos por Pence e sua candidata a vice-governadora quando ele concorreu ao governo do Estado de Indiana, em 2012, e os 100 mil entregues a título individual antes de ser incluído na chapa de Trump como candidato à vice-presidência.
A lista citada não incluo as doações que se podem fazer através do Comitê para a Campanha do Partido Republicano, e que podem ocultar seu receptor de forma legal. O fato é que a relação entre o vice-presidente e os irmãos Koch é muito próxima. Pence fez a eles um favor político (e financeiro) importante na primavera de 2009, quando o Congresso iria a aprovar medidas para controlar as emissões de carbono e Pence apoiou uma proposta impulsada pelos Koch e conhecida como “a promessa de não criar um imposto climático”.
A secretária de Educação de Trump, Betsy DeVos, faz parte da Rede Atlas, liderando o Acton Institute, um grupo de reflexão de Michigan que desenvolve argumentos religiosos a favor das políticas dos libertários de ultradireita, que agora mantêm uma filial no Brasil, o Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista. Mas a figura principal do esquema hoje é Judy Shelton, economista e membro principal da Rede Atlas, responsável pela NED, após ser conselheira da campanha de Trump
Calmo, porém imperial, o ultraconservador Pence, com o apoio dos Koch e da Rede Atlas, pensa que seu caminho à Casa Branca deve se consolidar com a destruição da Venezuela, de Cuba e da Nicarágua, e qualquer país que tente políticas soberanas ou que não favoreça a entrega de suas riquezas e recursos naturais às megacorporações transnacionais e estadunidenses em especial.
(*) Álvaro Verzi Ranger é sociólogo venezuelano e codiretor do Observatório de Comunicação e Democracia2