O chauvinismo vergonhoso da esquerda chilena no conflito com a Bolívia – Por Cecilia Vergara Mattei

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Por Cecilia Vergara Mattei *

A natureza do conflito que originou a mediterraneidade boliviana torna patética a miséria política que reina entre as distintas expressões da esquerda e do progressismo chileno, especialmente aquelas com representação institucional, com respeito à demanda do pais altiplânico por uma saída soberana ao mar.

O historiador Javier Portales, em recente edição da revista Punto Final, recordava que embora o Tratado de Lima (de 1929) tenha devolvido a cidade de Tacna ao Peru, permitindo ao Chile se reintegrar ao cenário latino-americano, e deixar de ser “a Prússia da América do Sul” – como se dizia naquele começo de Século XX –, uma cláusula do mesmo tratado, que estabelece a fronteira peruana com a cidade chilena de Arica, faz com que o país transandino mantenha vigente até hoje esse castigo anacrônico à Bolívia.

Porém, em vez de aproveitar positivamente a cláusula para resolver a questão de maneira satisfatória para os três países, e que a Bolívia obtenha uma saída soberana ao mar, terminando de uma vez com as desavenças que prejudicam nossas relações, o Estado chileno prefere o caminho imobilista de perpetuar a humilhação e o ressentimento boliviano. “E com isso, indiretamente, continua também preservando a desconfiança peruano”, agrega o historiador.

As posições até agora oscilam entre aceitação acrítica das cruzadas de unidade nacional impulsadas pelo governo de Sebastián Piñera e o arremedo vergonhoso de desculpas e silêncios cúmplices, enquanto tem sido miserável até agora a atuação da Frente Ampla (FA), no sentido de não poder (ou querer) alçar uma posição única, clara e firme a respeito da questão.

O jornalista Maximiliano Rodríguez, em artigo para o Correo de los Trabajadores, recorda que, no contexto das eleições primárias, seus dois pré-candidatos presidenciais se pronunciaram sobre o tema num debate televisivo. O candidato supostamente mais à esquerda, o sociólogo Alberto Mayol, defendeu a ideia de uma troca de quilômetros quadrados por quilômetros quadrado de território, visando dar à Bolívia uma saída soberana ao mar. Ao mesmo tempo, se apurava em tranquilizar a sua audiência, explicando que o território que eventualmente cederia à Bolívia não se trataria, em nenhuma circunstância, do território que o país roubou dos bolivianos na guerra, e sim o que estaria no limite com o Peru – justamente o que está protegido pelo já mencionado Tratado de Lima. Assim, sua solução, no fim das contas, consistia em reforçar os rancores nacionais dos países vizinhos, e se colocar tal qual um Poncio Pilatos, que se omite diante de sua responsabilidade histórica.

Beatriz Sánchez, a jornalista que terminou sendo a candidata presidencial da FA, simplesmente evitou se referir ao tema, alegando que “por responsabilidade política, não poderia responder a pergunta”. Após obter 20% dos votos no primeiro turno presidencial, ela tomou uma posição: “neste caso eu não me perco, pois quando há uma resolução de Estado, como a que está se discutindo hoje, que reúne diferentes setores, a posição de Estado deve ser uma só. E é preciso respaldá-la”.

Vale recordar que a exceção do breve parêntesis da Unidade Popular, o único governo chileno que foi capaz de reconhecer que o país se anexou os territórios nortenhos através de uma iniciativa de natureza oligárquico-burguesa.

O Partido Comunista (PC), que já teve entre suas fileiras alguns destacados historiadores, que investigaram os reais interesses por trás do conflito bélico que deixou a Bolívia sem saída ao mar, hoje é dirigido por político que repetem todos os clichês da realpolitik burguesa. Dois parlamentares comunistas (Camila Vallejo e Daniel Núñez) foram convidados ao Palácio de La Moneda para um evento em que o governo pretendia mostrar unidade nacional, com a presença de todos os setores políticos apoiando a postura chilena e assistindo juntos, por televisão, a apresentação da tese do país na Corte Interamericana de Justiça, em Haia. Mas eles não compareceram – tampouco os convidados frenteamplistas participaram

O presidente do PC, Guillermo Teillier (que não acompanhou o chanceler Roberto Ampuero em sua viagem a Haia alegando razões particulares, e não políticas), disse que “nós (os comunistas) estamos a favor da política de Estado, consideramos que quando há um tema dessa envergadura nós temos que estar sempre presentes”.

Durante o governo de Michelle Bachelet, Tellier formou parte da delegação que acompanhou o ex-chanceler Heraldo Muñoz à anterior rodada de alegações em Haia. Suas declarações na ocasião ignoraram o fato que os famosos historiadores comunistas chilenos afirmam: que a origem da privação de uma saída ao mar à Bolívia foi uma guerra de rapina capitalista. Por sua parte, Carmen Hertz, membro da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados e do Comitê Assessor do ministro na demanda boliviana, disse ao portal da revista El Siglo que o PC apoia “sem condições e de forma clara” a posição oficial chilena, agregando que “temos que privilegiar a unidade nacional e não as diferenças domésticas”.

“Diante dessa decepcionante paisagem que expõe a miséria dos principais referentes institucionais da esquerda, as classes populares chilenas ficam à deriva política, abandonadas e sem defesa possível contra a inoculação de todos os venenosos preconceitos nacionalistas da burguesia”, conclui Maximiliano Rodríguez.

(*) Cecilia Vergara Mattei é jornalista chilena e analista do Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)

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