70 anos de assassinatos políticos – Por Camilo Rengifo Marín

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Por Camilo Rengifo Marín*

Embora a promotoria assegure que não foram utilizadas armas de fogo no ataque contra o candidato presidencial progressista Gustavo Petro – que aconteceu no dia 2 de março, na cidade de Cúcuta – ainda estão acesas as luzes de alerta, num país em que os assassinatos políticos foi uma das tradições do poder fático durante cerca de 70 anos, sempre amparado pela impunidade.

Há algumas semanas, Petro era considerado, por certos analistas como um instrumento artificialmente inflado com pesquisas desenhadas pelos grandes jogadores eleitorais para meter medo nos ricos e nas classes médias que sofrem de um pânico patológico, para agudizar o fascismo social – como descreve Boaventura de Sousa Santos – contra os segmentos mais pobres e miseráveis.

A narrativa utilizada para buscar esse efeito é “castrochavismo”, e agora “petrochavismo”, ou a “venezuelização da Colômbia” caso Petro seja eleito presidente. Entretanto, as coisas parecem seguir por outro caminho. A estas alturas da campanha, com Petro posicionado como líder de várias pesquisas, sua candidatura tomou outro rumo, se agigantou, e por isso sua pessoa começou a correr mais perigo.

O analista Horacio Duque afirma que Petro adquiriu uma consistente dimensão política, se tornou uma razão social muito potente, alcançou a forma de um avatar popular no que absorve todas as raivas, todas a indignação acumulada, todas as demandas mais sensíveis dos pobres, dos trabalhadores, dos indígenas, dos afros, das mulheres, dos professores, dos jovens, dos ambientalistas, da comunidade LGBTI etc. Por isso, por se tornar uma opção eleitoral realmente viável contra o establishment, sua vida corre riscos.

A Colômbia possui um longo e trágico histórico de assassinatos políticos. Para não voltar tanto no tempo – poderíamos começar contando desde a época da independência – vamos partir de uma data não tão distante, com o magnicídio de Jorge Eliécer Gaitán, em 9 de abril de 1948. Desde aquele então, o método usado pela “democrática” oligarquia burguesa colombiana para frear os candidatos adversários – especialmente os ligados aos movimentos populares – é o da sua eliminação física. Muitas vezes com roteiro escrito em Washington, claro.

Gaitán foi assassinado por seu compromisso com a reforma agrária, e porque se declarou a favor da nacionalização de setores decisivos da economia, como os bancos. O assassinato de líderes populares não parou por aí: em 11 de outubro de 1987 houve um atentado fatal contra Jaime Pardo Leal, dirigente da União Patriótica (UP), que havia obtido votação recorde na eleição presidencial do ano anterior.

Quase dois anos depois, em 18 de agosto de 1989, um atirador de apelido “Popeye”, ligado ao narcotraficante Pablo Escobar, assassinou o candidato do Partido Liberal, Luis Carlos Galán, que era o favorito nas pesquisas naquele então. Pouco tempos depois, em 22 de março de 1990, Bernardo Jaramillo ingressou à lista de vítimas do massacre de 11 congressistas e milhares de militantes da UP e do Partido Comunista Colombiano.

Naquele então, o antigo movimento guerrilheiro M19 (do qual Petro era militante), competia pela primeira vez nas eleições pela presidência, e seu candidato, Carlos Pizarro Leongómez, foi metralhado dentro de um avião, no dia 26 de abril de 1990. Vinte anos depois, a Justiça determinou que funcionários da polícia política DAS, entre eles seu ex-diretor, estavam envolvidos no crime.

“Popeye”, que hoje é militante da coalizão ultradireitista Centro Democrático, recordou recentemente o assassinato de Pizarro, em tom de celebração, afirmando que “se Carlos Castaño não o matava, hoje a Colômbia seria outra Venezuela”.

Manuel Cepeda Vargas, ex-secretário da Juventude Comunista e diretor do semanário Voz, foi assassinado em 9 de agosto de 1994, por suboficiais aposentados do Exército. Também houve atentados contra a vida da líder política Aída Avella, que a obrigaram a fugir do país.

As coligações ultradireitistas como a Mudança Radical e o Centro Democrático, assim como o próprio presidente Juan Manuel Santos, em parceria com meios de comunicação hegemônicos como Caracol e RCN, tentam impor um imaginário coletivo de que a Venezuela é uma ditadura castrochavista, e que todas as pessoas, grupos e partidos de esquerda, incluindo o candidato Gustavo Petro, são castrochavistas. Assim, como dizia o atirador “Popeye”, fica mais fácil justificar a necessidade de destruir a ameaça de que a Colômbia se transforme numa nova Venezuela.

Mesmo durante a atual campanha presidencial há casos de líderes sociais e defensores de Direitos Humanos assassinados, de forma sistemática, e novamente com a garantia de impunidade outorgada pelo poder fático. Este 2018 já registrou 40 assassinatos com essas características, mais de um a cada dois dias. Entre as vítimas, se destacam líderes camponeses, indígenas, afrodescendentes e integrantes do novo partido Força Alternativa Revolucionária do Comum (FARC).

Alguns dos líderes assassinados participavam de atividades relacionadas à restituição de terras, substituição de cultivos ilícitos, oposição a projetos mineiro energéticos, defesa dos direitos humanos, defesa do território e do meio ambiente

A Promotoria Geral registrou 2,3 mil corpos não identificados, enterrados irregularmente em cinco cemitérios da capital. Em média, os serviços médicos legais conseguem recuperar a identidade de 15 corpos por ano. Nesse ritmo, faltaria 144 anos para identificar a todos, considerando somente os desses cinco cemitérios. Se pensamos em todos os desaparecidos da Colômbia, a missão poderia durar um milênio.

Contudo, os esforços da imprensa hegemônica por degradar a imagem do ex-prefeito de Bogotá Gustavo Petro parecem ser contraproducentes. Ele hoje representa a memória histórica acumulada, no caminho da paz e da justiça social. Por enquanto, vai conseguindo se esquivar das balas. Ás vezes literalmente.

(*) Camilo Rengifo Marín é economista e acadêmico colombiano, investigador do Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)

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