Informe da ONU sobre Direitos Humanos na Colômbia é devastador – Por Camilo Rengifo Marín
Camilo Rengifo Marín*
O último informe de Todd Howland, representante do ACNUDH (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos) na Colômbia e figura crucial para as negociações da paz desde 2012, é um retrato falado de um país cuja sociedade civil sofre com a indolência do Estado, a incapacidade de imaginar uma nova forma de fazer as coisas, a ambição das empresas (as legais e as ilegais), a corrupção, a impunidade e a atitude de elites mais preocupadas com a politicagem que com a paz ou a qualidade de vida dos habitantes.
Neste 16 de março, Howland deveria apresentar o informe anual de 2017, mas seu escritório anunciou que ele deixará o cargo e que a discussão pública do informe ficará à espera do seu substituto. Ainda assim, o informe será apresentado no Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas).
O documento dá amplo destaque a alguns fatos que ocorrem no interior do país, onde “a presença do Estado, que muitas vezes só existe através de suas forças de segurança e com o objetivo de impor a autoridade aos habitantes locais mediante o uso da força, não contribui à geração de mudanças positivas e sustentáveis para as comunidades. A falta de uma intervenção integral do Estado tem levado a uma escalada de violência em zonas partes do país”.
O texto também fala sobre a precária implementação dos acordos de paz assinados entre o Governo de Juan Manuel Santos e as FARC, o que levou a uma ocupação dos territórios abandonados por essa guerrilha por parte de grupos armados relacionados com as economias ilegais (narcotráfico), e a casos de comunidades assediadas por esses grupos, que não tiveram o auxílio do Estado para ocupar os espaços em disputa.
A situação é crítica para as defensoras e defensores dos direitos humanos nos territórios, devido à impunidade seletiva que coloca em xeque a vontade do Estado de priorizar as vítimas, um Congresso que tenta reescrever ou reinterpretar os acordos de paz, visando abrandá-lo. Em suma, um cenário de instabilidade e de perigo para os civis envolvidos.
O duro informe de Howland mostra como o Estado segue sem ser Estado. “Há muita resistência à implementação dos acordos em vários setores da sociedade, incluindo figuras políticas e do poder econômico, instâncias legislativas e judiciárias, assim como funcionários públicos”, diz o documento, que mostra preocupação pelo aumento dos assassinatos de defensores dos direitos humanos, além de líderes sociais e comunitários: só em 2017 foram 441 ataques, com 121 pessoas assassinadas.
O informe diz que a maioria dos assassinatos é cometida por capangas dos verdadeiros responsáveis pelos crimes, o que complica o seguimento do rastro dos autores reais. “Os supostos autores materiais dos assassinatos costumam ser membros de grupos criminosos que possivelmente incluem a ex-membros ou antigas estruturas de organizações paramilitares (54 casos), ex-membros das FARC-EP (3 casos), indivíduos não ligados a nenhum grupo criminoso ou grupo armado ilegal (19 casos) e membros da força de segurança pública (3 casos)”.
O ACNUDH documentou 11 casos de supostas execuções extrajudiciais em 2017, nas províncias de Arauca, Bolívar, Cesar, Córdoba, Cundinamarca, Norte de Santander e Tolima. Oito desses casos teriam sido cometidos por membros do Exército, e três pela Polícia. Esta realidade traz consigo uma certa impunidade embutida, num país que já acumula milhares de execuções extrajudiciais nos últimos anos, em casos que se amontoam nos arquivos, sob o eufemismo de “falsos positivos”.
A respeito dos fatos passados, a ACNUDH diz estar preocupada justamente por essa “impunidade seletiva, observada sobretudo quando os casos envolvem altos oficiais das Forças Armadas, incluindo generais”, e alerta para o fato de que isso coloca em risco os direitos das vítimas, e a possibilidade de se chegar à verdade e obter justiça.
A ONU não entende porque, nos últimos dois anos, oficiais de alta hierarquia, incluindo alguns que atualmente estão sendo investigados, “foram promovidos, e não submetidos a um processo de depuração capaz de garantir que aqueles que participaram ou que não atuaram para deter estes crimes atrozes sejam ao menos separados do serviço ativo”.
O informe considera que o Sistema Integral de Justiça, Verdade, reparação e Não Repetição sofreu uma severa deformação: “o Congresso não aprovou o Sistema Integral como havia sido idealizado durando o acordo, e sua implementação não cumpre com as normas internacionais”. E isso se traduz em decepção e impunidade, uma vez mais. Ou seja, a justiça, se existir, será incompleta e não permitirá saber a verdade sobre o ocorrido, nem identificar plenamente os autores reais dos crimes.
A ONU constatou que enquanto as FARC cumprem com a maioria dos acordos assinados, o Estado mostra uma gigantesca ineficácia para acompanhar o processo de reintegração de seus membros. Também afirmou que quase um ano e meio depois da assinatura dos acordos, “os recursos anunciados pelo governo no que diz respeito à Estratégia de Resposta Rápida, para gerar impactos imediatos nas antigas zonas de influência das FARC-EP ainda não estão disponíveis”.
Significa dizer que “o vazio de poder que as FARC-EP deixaram permitiu que grupos ilegais e criminosos pudessem ocupar as zonas, assumindo o controle das economias ilegais ainda existentes e provocando um aumento da violência”.
O informe denuncia que “um dos principais obstáculos que o Estado enfrenta para garantir os direitos sociais, culturais e econômicos é a tentação do uso de dinheiro público em centros populacionais com o fim de obter votos em vez de priorizar os recursos para melhorar o acesso aos direitos básicos nas zonas rurais marginalizadas e menos povoadas”.
A ONU “observa com preocupação os graves obstáculos para a implementação do capítulo dos acordos relacionado com a participação política, devido aos ataques por parte dos setores políticos interessados em manter o status quo político ou que têm alguma outra razão para se opor aos acordos. É especialmente preocupante o fato de o Congresso não aprovar os Distritos Especiais de Paz, estabelecidos nos acordos como um meio para aumentar a participação política daquelas pessoas que vivem nas zonas afetadas pelo conflito”.
Mas não parece a denúncia de corrupção e sequestro do Estado, mesmo quando é feita por um organismo internacional ligado à ONU, será capaz de escandalizar a elite colombiana. Talvez nem um Prêmio Nobel da Paz para os acordos mudaria o cenário que foi descrito no documento da ACNUFH. Tanto que Todd Howland teve que deixar o cargo e sair da Colômbia.
(*) Camilo Rengifo Marín é economista e acadêmico colombiano, investigador do Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)