A suposta violação de Uribe a uma jornalista e o gosto de Santos pela impunidade – Por Camilo Rengifo Marín

734

Na semana passada, o relato da jornalista Claudia Morales sobre a violação que sofreu anos atrás – em sua coluna no diário local El Espectador – estremeceu o país

Na Colômbia, os acordos de paz entram no caminho da incerteza, assediados pela oposição violenta da direita uribista e pela sistemática desaparição e assassinatos de ativistas sociais, dirigentes camponeses e guerrilheiros desmobilizados – crimes que não encontram nenhum obstáculo, graças à indiferença do governo de Juan Manuel Santos, um mestre da impunidade.

Sem nenhuma vergonha, o ministro de Defesa de Santos, Luis Carlos Villegas, afirmou irresponsavelmente que os assassinatos de dirigentes sociais, líderes comunitários e ex-guerrilheiros não estavam relacionados com suas atividades, mas sim que “a imensa maioria são frutos de temas cotidianos, uns que foram atrás de saias, outros de brigas por rendas ilícitas”.

É o reino da impunidade, e essa declaração se transforma numa legitimação das centenas de assassinatos políticos que continuam acontecendo na Colômbia e que são parte da muralha que os porta-vozes do Estado e os meios hegemônicos de (des)informação ergueram.

Apesar de um discurso paralelo de paz e concórdia, a linguagem contra insurgente se mantém vigente. Quando Álvaro Uribe, então presidente, havia decretado a inexistência de um conflito no país, ao se referir ao assassinato de milhares de colombianos – o que, de maneira eufemística, se denominou “falsos positivos” –, ele justificou esse crime dizendo que os mortos “não estavam colhendo café”.

Na semana passada, o relato da jornalista Claudia Morales sobre a violação que sofreu anos atrás – em sua coluna no diário local El Espectador – estremeceu o país, não só pela férrea defesa que fez para que se respeite o direito das vítimas a guardar silêncio, como também pelo testemunho que entregou tanto tempo depois. Vale lembrar que ela foi chefa de imprensa internacional do governo de Uribe entre 2003 e 2004.

“A protagonista da história sou eu e o estuprador, quem continuarei chamando de “ele”. Não apresentei e nunca vou apresentar uma denúncia e vou explicar porque”. Segundo ela, o responsável não só “era um homem relevante na vida nacional como continua sendo, e ademais há outras evidências que ampliam sua margem de periculosidade”. Tinha suas razões para calar.

“Se uma mulher valente como ela não identifica o seu estuprador é porque conhece muito bem o nível de impunidade com o que atua e a capacidade de intimidação de `ele´. Conheço a Claudia, o silêncio é para proteger a sua família e esse silêncio dói a ela mais que a ninguém”, disse o jornalista e colega Felix de Bedout.

Era intolerável para o establishment: Claudia estava dando voz àqueles que decidem se calar no reino da impunidade. Sua denúncia encontrou muito eco na opinião pública por três razões: o mistério da identidade do estuprador, a importância dos personagens envolvidos (a jornalista e seus ex-chefes) e o interesse que o problema do assédio sexual desperta neste momento no mundo inteiro. As mulheres começaram a quebrar o silêncio, e a falar de uma problemática que por tantos anos haviam calado.

O colunista Julio César Londoño conta que muitos no país reclamam da “irresponsabilidade” de concluir, a partir de pistas difusas, que Uribe e “ele” são a mesma pessoa. A ala moderada do uribismo e os admiradores decentes do ex-presidente (sim, eles existem) consideram que sem provas e sem uma acusação concreta, com nome próprio, não há figura jurídica.

Para o braço mais direitista e belicista do Centro Democrático (partido uribista), uma violação deve ser uma molecagem, um acontecimento fortuito, que não manchará nem um milímetro da glória dessa “inteligência superior”, que sairá de tudo isso limpo. Durante vários dias, o Centro Democrático uribista guardou discreto silêncio, mas na quarta-feira (24/1), Uribe teve que responder e vociferou contra “essa senhora” uma mensagem insensível e torpe.

Londoño agrega que tudo o que se diga de Uribe é verdade, e é pouco. “Uribe é o culpado pela definição. Ninguém na história da Colômbia foi capaz de fazer tanto mal apesar de ter tudo (poder, circunstâncias, sorte, apoio popular) para fazer o bem. Tivemos a chance de ganhar 30 anos, mas retrocedemos 50. Não contente com isso, ele torpedeia qualquer projeto que ameace dissipar um pouco dessas trevas”, comenta.

“Ele, um santo delirante, um gigante pueril que diz e faz tudo o que lhe dá vontade, que pode pôr em xeque o Estado e foder o governo. Contudo, confesso que para mim ainda não é evidente que ele e “ele” sejam a mesma pessoa. Não posso imaginá-lo livrando batalhas de alcova de nenhum tipo, nem amorosas nem violentas. Seu único fantasma é a paz, seu único amor é ele mesmo, seu erotismo é o poder”.

(*) Camilo Rengifo Marín é economista e acadêmico colombiano, investigador do Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE).Tradução Victor Farinelli

Más notas sobre el tema