Brasil: En la era Temer, el desmantelamiento iniciado por FHC se profundiza – Por Carlos Drummond
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Na era Temer, o desmanche iniciado por FHC se aprofunda
Após dois anos de recessão, corte generalizado do gasto público, contenção do crédito e redução das exigências para a venda e a concessão de ativos do Estado, aumentam os indícios de que o governo Temer tornará o Brasil ainda mais frágil para seguir rumo próprio na economia e mais vulnerável no contexto global.
O pacote em preparação para atrair, segundo os jornais, 370 bilhões de reais em investimentos em dez anos não parece obedecer a outra estratégia além de austeridade na proteção social e facilidade na transferência do controle de ativos do Estado para investidores particulares, principalmente estrangeiros.
“A combinação de tudo isso só tem um resultado possível: o esfarelamento de nossa soberania e a elevação sem precedentes da vulnerabilidade do País e do seu atrelamento a interesses que não são nossos, menos ainda da população pobre”, alerta a professora de economia da USP, Leda Paulani.
Faz parte do frenesi privatizante e desnacionalizante o condicionamento da liberação de recursos a estados e municípios em crise à venda de empresas públicas locais. Na segunda-feira 20, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro aprovou o projeto de oferta à iniciativa privada da companhia estadual de saneamento, a Cedae, medida exigida pelo Ministério da Fazenda para aprovar a ajuda federal. No mesmo dia, o governo definiu uma norma geral para casos do tipo.
O estado candidato ao recebimento de recursos deverá antes aprovar lei para autorizar a desestatização de instituições financeiras e empresas de energia e saneamento, as mais atraentes para o mercado mundial, e destinar as receitas ao abatimento de dívidas.
Segundo denúncias de sindicalistas, mudanças estruturais aceleradas preparam o Banco do Estado do Rio Grande do Sul, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal para a privatização. O governo gaúcho foi avisado, só terá dinheiro quando vender o Banrisul, instituição rentável que põe em xeque o dogma neoliberal da ineficiência da gestão estatal.
A interrupção do movimento para vender aos poucos a CEF, no período de Dilma Rousseff, teria irritado ao extremo alguns barões das finanças interessados no filé dos bancos públicos. Do furor atual nem o BNDES estaria a salvo, comenta-se no setor.
Em alguns estados e municípios, nem foi preciso recorrer ao toma lá dá cá. Geraldo Alkmin há muito declarou-se favorável à privatização parcial do Metrô de São Paulo e João Doria Jr. anunciou, em vídeo apresentado primeiro em Dubai, a oferta de 47 empresas e bens públicos da capital, de cemitérios e linhas de ônibus a símbolos da cidade como o Estádio do Pacaembu e o Parque do Ibirapuera.
A ação do governo conta também com a ajuda de parte do Judiciário e do Ministério Público. Não há o menor indício, na Lava Jato, de separação entre o combate à corrupção e a inviabilização das grandes construtoras nacionais integrantes da cadeia produtiva da Petrobras, a mais importante do País.
A indiferenciação é esdrúxula, se a referência for o comportamento da Justiça na Europa e nos Estados Unidos em casos semelhantes, mas encontra complemento perfeito na decisão do presidente da Petrobras, Pedro Parente, de facultar a concorrência de fornecedores de plataformas apenas às competidoras estrangeiras das empreiteiras.
A manobra está longe de garantir imunidade à corrupção, se é que esta era uma preocupação. Figuram entre as candidatas a espanhola Acciona, a inglesa Amec Foster Wheeler e a estadunidense Chicago Bridge & Iron Company, envolvidas em escândalos de corrupção em seus países de origem.
O Legislativo contracena também com o Executivo no desmonte, viu-se na aprovação da PEC dos gastos, que comprime recursos públicos e escancara a saúde e a educação para investimentos privados, locais e estrangeiros. O governo pressiona agora os parlamentares para a aprovação da reforma da Previdência, outra porteira a se abrir às múltis.
Quatro quintos do investimento esperado no plano do governo proviriam da venda de ativos nacionais, sendo 70 bilhões de reais em terras, segundo projeto revelado em primeira mão por CartaCapital, e 300 bilhões em consequência da provável mudança das exigências de conteúdo local nas plataformas e navios de exploração de petróleo e gás, em discussão entre a Petrobras e as fornecedoras locais.
Na terça-feira 21, a empresa brasileira Brasil Amarras conseguiu barrar na Justiça a contratação, pela Petrobras, da concorrente chinesa Asian Star Anchor Chain, que descumpriu a exigência de conteúdo local mínimo em equipamentos para seis plataformas do pré-sal.
Nas telecomunicações, um projeto de lei sustado temporariamente por senadores da oposição permitirá ao governo, a título de modernizar as normas do setor, transferir em definitivo ao menos 20 bilhões de reais em bens dos contribuintes às empresas privadas e perdoar valor igual em multas.
Esse patrimônio público, que, segundo o TCU, vale 100 bilhões de reais, é formado por torres, cabos, redes, instalações, equipamentos, terrenos e até veículos utilizados há duas décadas sem custos pelas teles. Os contratos preveem a devolução dos bens à União em 2025, mas o novo projeto autoriza a sua incorporação definitiva pelas companhias, em troca da promessa de investimentos de 34 bilhões.
No setor de infraestrutura, o governo espera investimentos de 15 bilhões de reais a partir da modificação de regras e oferecerá também a dolarização de receitas e outros instrumentos oneradores dos contribuintes, para proteger o investidor estrangeiro do risco de oscilação do real diante da moeda estadunidense.
Mais 10 bilhões de investimentos adviriam do desvirtuamento do programa popular referencial Minha Casa Minha Vida, criado por Lula. Essa é a expectativa de ingresso de recursos depois do aumento da faixa de renda passível de financiamento para 9 mil reais, acompanhada da elevação do valor máximo do imóvel financiável com uso do FGTS, para 1,5 milhão de reais.
O caminho é o mesmo seguido pelos governos neoliberais entre os anos 1980 e 1990 em vários países, com resultados discutíveis mesmo entre seus mentores. Aqui, a condução de Temer piora o que já era ruim no governo FHC.
“É claro que o conjunto de medidas a serem implementadas num mesmo momento sugere fortemente não se tratar de privatizações ou desnacionalizações provenientes de estudos ou projetos parciais. Ao contrário, fazem parte de uma visão ideológica que conduz as medidas sob um mesmo diagnóstico, independentemente da área”, chama atenção o professor de economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Pedro Cezar Dutra Fonseca.
Nesse aspecto, diz, até difere do governo FHC. “Por exemplo, para vender a Vale, foram feitos estudos específicos sobre a empresa, pois se tentava justificar a privatização com base no caso em questão. Agora, parece ser de roldão, em um pacote que coloca várias áreas em um mesmo denominador, cabendo simplesmente à ideologia dar o norte geral.”
Outro aspecto grave, segundo Fonseca, “é que as medidas não encontram mais o respaldo internacional de antes. Trata-se de um neoliberalismo tardio, pois extemporâneo. O Brexit e a eleição de Trump acabaram com as propostas liberalizantes do Consenso de Washington.
Os governos da América Latina que sucederam aos da fase mais nacionalista e intervencionista das últimas décadas apostavam num engajamento com a ordem internacional para obter oportunidades.
Mas os mercados se fecharam, acordos como o Nafta e o da região do Pacífico estão chegando ao fim. Portanto, as medidas do governo não vão mais na direção da ordem internacional emergente, deixam o País mais vulnerável ainda num mundo que se fecha”.
O manual seguido pelo governo, destaca Pedro Rossi, professor de Economia da Unicamp, “é a doutrina do choque, de impor ideias radicais na esteira de um grande abalo social. No momento da maior retração de renda da história e em uma situação de calamidade institucional, age-se para transformar rapidamente os princípios e a natureza do Estado brasileiro e da Constituição de 1988. Ao atuar em várias frentes, imprimindo urgência e celeridade às reformas, a reação demora e não é suficiente para deter o processo”.
Haverá, entretanto, impactos estruturais inevitáveis decorrentes da desnacionalização de grandes empresas privadas e de ativos estratégicos como o campo de Carcará, do pré-sal, e do aporte externo para infraestrutura pública.
Afetarão negativamente o balanço de pagamentos, o custo Brasil, o equilíbrio fiscal, a capacidade de planejamento e o encadeamento produtivo e tecnológico, adverte o professor de economia Pedro Paulo Zahluth Bastos, da Unicamp. O processo gera a transferência de lucros e dividendos para o exterior e pressiona as reservas cambiais, que poderiam ter melhor uso.
A revisão anunciada da exigência de conteúdo local mínimo, diz, reduz encadeamentos produtivos e tecnológicos locais e “aproxima o setor de petróleo e gás de um enclave, como ocorre em vários países africanos ricos em petróleo, mas carentes de tecnologias.
Não é o caso do Brasil, que domina tecnologias de classe mundial na exploração de petróleo em águas profundas. A venda de ativos da Petrobras transfere com custo baixo tecnologias cuja aquisição envolveu grande esforço de qualificação tecnológica local, para concorrentes que não contribuíram para financiar esse esforço de qualificação”.
Os prejuízos para o País da cruzada privatizante-desnacionalizante devem durar décadas. A começar pelo aprofundamento do agudo processo de desindustrialização em curso, chama atenção Leda Paulani, “não só pela continuidade da política de austeridade combinada à de arrocho monetário, com juro elevado e sobrevalorização cambial, que já vinham do primeiro ano do último mandato da presidenta Dilma, mas também pelo desmantelamento do pouquíssimo que havia sido construído pelos governos petistas em termos de política industrial (como a exigência de conteúdo local mínimo), além da destruição, pela combinação de elementos de ordem diversa, das poucas indústrias ainda fortes no País, como a construção civil e toda a cadeia de petróleo e gás”.