Brasil: Cámara de Diputados da luz verde a proyecto de tercerización laboral
Câmara volta a 1998 e aprova projeto de terceirização generalizada
Com direito a patos infláveis no plenário, em uma sessão iniciadas às 11h e encerrada por volta das 20h30 desta quarta-feira (22), a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei (PL) 4.302, apresentado em 1998, que aprova a terceirização generalizada, em todas as atividades das empresas – inclusive na atividade-fim, o que a Justiça do Trabalho veda atualmente –, e também altera regras para o trabalho temporário. Uma decisão que influenciará o próprio projeto de reforma trabalhista enviado em 2016 pelo governo Temer. Foram 231 votos a favor, 188 contra e oito abstenções. Representantes governistas passaram o dia repetindo que a medida permitirá criação de empregos. Centrais, Dieese, oposição, representantes do Ministério Público e da Justiça do Trabalho sustentam o contrário: terceirização sem limites equivale a precarização e ameaça o emprego formal.
Parlamentares da oposição fizeram um protesto com patos infláveis, referência ao símbolo de manifestações contra a corrupção capitaneadas pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). «Pato corrupto, pato golpista», disse Chico Alencar (Psol-RJ). Era também uma menção ao fato de o trabalhador, com o projeto, estar «pagando o pato», com uma lei que possivelmente irá prejudicá-los.
«O pato devorador de direitos, o pato da Fiesp, dos patrões», completou o líder do PT, Carlos Zarattini (SP). «O Brasil quer aprovar um projeto anacrônico? Não, quem quer é o governo Temer», afirmou a líder do PCdoB, Alice Portugal (BA). «Não nos iludamos», afirmou Alessandro Molon (Rede-RJ), acrescentando que o projeto visa a «permitir a contratação mais barata dos trabalhadores, precarizando, negando seus direitos».
Em tempo recorde, o texto, originalmente de 1998 (governo Fernando Henrique Cardoso), foi retomado e teve relatório aprovado no plenário, com galerias abertas, embora com constantes ameaças de esvaziamento a cada manifestação do público. Para a oposição, além de nocivo ao conjunto dos trabalhadores, o projeto «atropela» a discussão em andamento na própria Câmara, que discute um projeto (PL 6.787) de reforma da legislação, além de já ter votado, em 2015, outra matéria sobre terceirização.
A votação foi nominal. Aprovado, o 4.302 seguirá para sanção presidencial – algumas centrais, diante da recusa do governo de retirar o projeto, pretendem sugerir vetos. «Nenhum (item) será vetado», reagiu Zarattini, para quem Temer e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, «não terão dó».
O que se votou foi um substitutivo do Senado de 2002, de Edison Lobão (PMDB-MA). O projeto original, de 1998 (governo Fernando Henrique Cardoso), foi aprovado na Câmara em 2000. Em 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, então no primeiro ano de mandato, enviou uma mensagem de retirada do PL 4.302, que não foi lida, e o projeto permaneceu «adormecido», até ser retomado no final do ano passado.
Na votação desta quarta-feira, a oposição, que obstruiu a votação, ainda tentou retomar a leitura da mensagem presidencial e aprovar requerimento para retirada do projeto, sem sucesso. Um segundo requerimento foi rejeitado, já depois das 17h, por 213 votos a 40.
Dois anos atrás, a mesma Câmara aprovou o PL 4.330, também sobre terceirização. O texto seguiu para o Senado, como PLC 30, e ainda está tramitando, tendo Paulo Paim (PT-RS) como relator. Insatisfeitos com mudanças nesse texto, os governistas viram no 4.302 um «atalho» para aprovar as propostas sobre terceirização, em um texto que as centrais sindicais veem como ainda pior que o 4.330.
Desde terça, representantes das centrais vinham mantendo reuniões com líderes partidários, incluindo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), mas as conversações não avançaram. Os sindicalistas queriam a votação do 4.330 e a retirada do 4.302, que teve como relator o deputado Laércio Oliveira (SD-SE), um representante patronal – é o 3º vice-presidente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Em poucos minutos, ele leu seu parecer ao substitutivo do Senado. E disse que a medida vai criar «um novo ambiente de emprego no país». Também Vanderlei Macris (PSDB-SP) falou em «modernização» das relações do trabalho e em recuperação da economia.
Com isso, parte das centrais pretende apresentar sugestões de veto ao texto que irá a sanção presidencial. Há nova reunião com Jucá prevista para a próxima terça-feira (28).
Tragédia
«É um projeto (4.302) que estava morto», disse o deputado Paulo Pimenta (PT-RS). Tanto é verdade, acrescentou, que o então deputado Sandro Mabel apresentou outro texto a respeito, o 4.330, em 2004, que acabou sendo aprovado em 2015. Para o parlamentar, o PL aprovado ontem «é um golpe, que pretende atingir a livre organização dos trabalhadores». «Esse projeto é para pagar a conta da Fiesp, a conta do golpe.» Já a deputada Maria do Rosário (PT-RS) disse que o 4.302 é «uma múmia saída dos armários mais terríveis desta Câmara’.
Para o deputado Silvio Costa (PTdoB-PE), o regimento foi desrespeitado. Ele lembrou que há uma comissão especial que discute justamente a reforma trabalhista, contida no Projeto de Lei 6.787, do Executivo. «Então, encerra essa comissão. Não dá para votar esse projeto empurrando goela abaixo», afirmou.
«É um duro golpe contra a CLT, como também será o projeto de reforma trabalhista», reagiu André Figueiredo (PDT-CE). «Aliás, golpe é algo comum neste país.»
Daniel Almeida (PCdoB-BA) também citou a comissão especial, para ele o foro adequado para discutir o tema. Segundo ele, o 4.302 é uma «tragédia» para os trabalhadores e é mentiroso afirmar que a medida abrirá vagas. Apenas reduzirá a proteção social, acrescentou. «A base (governista) está constrangida com essa matéria», declarou Glauber Braga (Psol-RJ).
Afonso Motta (PDT-RS) disse não contestar a ideia de regulamentar a terceirização, mas avaliou que o tema já havia sido discutido na Câmara, lembrando do PL 4.330. Para o deputado, votar o PL 4.302 «atropela a iniciativa louvável» da Casa de criar uma comissão especial sobre mudanças na legislação trabalhista.
«Nunca nos negamos a discutir a regulamentação dos 12 milhões de trabalhadores terceirizados», afirmou Jandira Feghali (PCdoB-RJ), observando que a Câmara estava discutindo um texto aprovado em 2000 e alterado no Senado. «Estamos votando outro projeto, que simplesmente aniquila as relações de trabalho do povo trabalhador com o patronato. O que vocês estão fazendo ontem é desmontar conquistas do mundo do trabalho. Vocês acham que estão em que mundo?»
O projeto «aparece de última hora na pauta», afirmou Afonso Florence (PT-BA). «Precarizar o trabalho, terceirizar a atividade-fim, não é modernizar a legislação», afirmou, acrescentando que o PL representa justamente o oposto. «Querem que o trabalhador fique prisioneiro de uma relação de trabalho extremamente cruel», comentou em rede social o deputado Chico Alencar.
Relator da comissão especial da reforma trabalhista, Rogério Marinho (PSDB-RN), disse que a discussão sobre terceirização é «equivocada, absolutamente anacrônica», referindo-se ao conceitos de atividades meio e fim das empresas. Para ele, o projeto regulamenta e dá segurança jurídica aos milhões de terceirizados no país. O deputado Bohn Gass (PT-RS) rebateu, afirmando que o 4.302 não protege os terceirizados, como diz o governo, mas ameaça os trabalhadores com carteira assinada. «Esse projeto não vai gerar um emprego a mais», diz João Daniel (PT-SE).
PL da terceirização vai precarizar relações trabalhistas, dizem especialistas
Em pauta esta semana na Câmara Federal, o Projeto de Lei (PL) 4302, que libera a terceirização nas empresas de forma ilimitada, aponta para a total precarização das relações de trabalho. É o que afirmam especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato, para os quais o projeto promove a desidratação de conquistas históricas da classe trabalhadora.
Para o diretor de Assuntos Legislativos da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Luiz Colussi, a medida fragiliza ainda mais o trabalhador terceirizado e amplia as desigualdades entre esse segmento e o dos demais trabalhadores.
“Comprovadamente, há um pagamento de salário inferior aos terceirizados, o número de acidentes de trabalho e doenças profissionais também é maior e eles não têm a proteção ampla do mundo sindical. Tudo isso junto envolve uma precarização. (…) Vamos trazer um prejuízo para a dignidade do trabalhador”, analisa Colussi.
A avaliação do magistrado encontra justificativa nos números: a remuneração média dos terceirizados é cerca de 30% menor; eles trabalham 7,5% a mais, o que equivale a três horas de diferença; e estão sujeitos a um mercado mais rotativo, com média de apenas 2,7 anos no emprego, enquanto os trabalhadores contratados diretamente registram média de 5,8 anos.
Além disso, os terceirizados respondem por quatro de cada cinco casos de doença profissional e oito de cada dez casos de acidentes de trabalho registrados no país. Os dados provêm de levantamentos feitos pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e pela Central Única dos Trabalhadores (CUT).
A precarização das relações trabalhistas no caso dos terceirizados também está estampada nos números do Banco Nacional de Devedores Trabalhistas (BNDT), segundo o qual 25% dos maiores devedores da Justiça do Trabalho são empresas que prestam serviços terceirizados.
Pessoalidade
A advogada trabalhista Camila Gomes alerta que o fenômeno da terceirização subverte as normativas que norteiam as relações trabalhistas. “A ideia em si é uma subversão, um desrespeito a princípios muito basilares da proteção do direito do trabalhador porque ela quebra alguns eixos sobre os quais estão articulados vários direitos”, afirma.
Ela destaca, por exemplo, que essa modalidade quebra a pessoalidade existente entre funcionário e empregado. “Isso ocorre porque o local onde as pessoas trabalham não é o mesmo do empregador. Elas podem estar um dia numa empresa, depois em outro lugar, etc.”, explica Gomes, acrescentando que há um enfraquecimento do vínculo entre as duas partes.
Além disso, a advogada aponta que a terceirização tem ressonância negativa em diversos aspectos da vida do funcionário. “Se você é uma trabalhadora e vai procurar creche para seu filho, você busca uma que seja perto do trabalho, mas aí fica complicado se um dia você está em uma empresa e logo depois já pode estar em outra. As pessoas não pensam dos desdobramentos que isso pode ter na vida de um trabalhador”, afirma.
Direitos sociais
Em sintonia com o que centrais sindicais e movimentos populares têm defendido, o juiz Luiz Colussi considera que o PL 4302, primeira proposta da reforma trabalhista a ser apreciada pelo Legislativo, pode ser considerado uma contrarreforma, uma vez que, ao invés de estender direitos, promove um arrocho nas garantias trabalhistas. Mais que isso, o magistrado avalia que a ampliação da terceirização fere a Carta Magna de 1988, que constitucionalizou os direitos sociais.
“[O PL] Está dentro de um movimento de destruição do Estado democrático de direito. (…) A Constituição diz que o cidadão brasileiro tem direito a um mínimo de direitos, e eles devem ser resguardados”, defende Colussi.
Legislação
No Brasil, não há uma legislação específica que verse sobre a terceirização, mas impera o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST) de que as organizações só devem contratar funcionários nessa modalidade quando se tratar de atividades-meio, como serviços de limpeza e segurança, que são funções de apoio às atividades-fim. A norma foi fixada pelo Tribunal na década de 1990, através da Súmula 331, e vem sendo aprimorada ao longo do tempo, tendo tido a última atualização em 2011.
Para o deputado federal Wadih Damous (PT-RJ), que é advogado trabalhista e membro titular da comissão legislativa que avalia a reforma trabalhista na Câmara Federal, o país precisa resguardar as garantias já conquistadas e barrar o fenômeno da terceirização.
“Ela é a própria fraude ao contrato de trabalho. O emprego como conhecemos hoje no Brasil, que é protegido com garantias legais e jurídicas, vai acabar”, projeta o deputado, um dos críticos da legalização da terceirização ilimitada.
Segundo dados oficiais, o Brasil tem cerca de 12 milhões de trabalhadores terceirizados. Para Damous, a prática desse tipo de contratação contribui para comprometer a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O dispositivo, segundo ele, projetou o país internacionalmente.
“Quando outorgada, em 1943, a CLT virou uma referência no universo do trabalho em termos mundiais. Ela era considerada a legislação social mais avançada do ponto de vista do reconhecimento de direitos”, explica.
Ele acrescenta que a deterioração de direitos tende a retornar para o empresariado como um problema de ordem social. “A CLT garantiu um pacto entre capital e trabalho e ajudou a evitar uma revolução social no Brasil, por isso também os empresários que querem acabar com ela estão sendo burros”, avalia o parlamentar, citando o ex-presidente da República Getúlio Vargas, que promulgou a referida legislação.