El año de Dilma: entre la crisis económica y la amenaza del impeachment

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Contexto Nodal
El 2015 no fue un año sencillo para la presidenta brasileña Dilma Rousseff. La situación económica del país se fue complicando con el transcurrir de los meses y a ella se sumó una crisis política que golpeó la gobernabilidad del PT desde diferentes frentes. La designación de Joaquim Levy al frente del Ministerio de Hacienda generó un rechazo persistente de un sector importante de votantes petistas. Desde el sector opuesto, Dilma recibió los embates de una centro-derecha que jugó a la desestabilización. Los múltiples pedidos de impeachment motorizados tanto por la oposición como por sectores de la Jusitica, son la prueba más contundente de que no son pocos los interesados en forzar una salida anticipada de la mandataria.

2015 terminou mais longe do impeachment – Por Fernando Schüler

Há certo consenso de que o processo de impeachment perdeu força, na reta final do ano. Alguns dizem que foi por conta da intervenção do Supremo no processo, destituindo a Comissão eleita na Câmara, por mais de 470 deputados, e atribuindo ao Senado o poder de arquivar o processo por maioria simples – mesmo que ele venha aprovado, na Câmara, por maioria qualificada.

Há quem explique o fenômeno a partir do resultado relativamente fraco das manifestações de rua do dia 13 de dezembro. Quarenta mil pessoas em um domingo quente de dezembro, na Avenida Paulista, não é pouca coisa, mas está longe de ser um fato capaz de avançar um processo de impeachment. O dia 13 mostrou um pouco do óbvio: o cansaço da classe média, a falta de estrutura dos movimentos de rua e a falta de articulação destes com os partidos de oposição.

Há ainda quem atribua o esfriamento do impeachment à simples falta de clareza quanto a sua fundamentação jurídica. O senador Acir Gurgacz, do PDT, apresentou relatório favorável à aprovação das contas da presidente, referentes ao exercício de 2014, na Comissão Mista de Orçamento. Isto não define nada sobre eventuais delitos fiscais cometidos em 2015, mas traz um indicativo: há um amplo espaço, no Congresso, para uma interpretação política das violações à Lei Orçamentária praticadas pelo governo.

De um ponto de vista jurídico, parece não haver dúvidas de que a presidente infringiu a Lei Orçamentária. O jurista Oscar Villena definiu a questão de maneira bastante simples, fazendo referência tanto às pedaladas fiscais, quando aos decretos de créditos suplementares: “Se tem uma lei orçamentária que autoriza determinadas despesas, e você ultrapassa o limite, você infringiu essa lei orçamentária”.

Infração à Lei Orçamentária constitui crime de responsabilidade. Está lá, no capitulo sexto da Lei 1.079/50, que disciplina o tema. A pergunta óbvia a ser feita é: o país está disposto a levar a lei ao pé da letra. Somos suficientemente rigorosos, do ponto de vista ético e legal, para destituir um chefe de Estado por infração à Lei Orçamentária? Alguém tem dúvidas sobre como responder a esta pergunta?

De minha parte, vejo o esfriamento do impeachment como fruto da percepção generalizada de que ele é o que sempre foi: um processo politicamente inviável. Por muitas razões. A primeira ficou clara quando da votação secreta da finada comissão do impeachment, na Câmara: a oposição não tem votos para tocar o processo adiante. Contabilidade criativa à parte, faltam 70 votos para a oposição atingir os 342 necessários para levar o processo ao Senado. E não passa de uma declaração de vontade dizer que “novos fatos” farão aparecer estes votos, na Quarta-Feira de Cinzas.

Há, por certo, o fator Eduardo Cunha. Não basta dizer que o PT e o governo souberam explorar politicamente a pequena chantagem de Eduardo Cunha, quando da admissão do processo. O fato é que a situação de Eduardo Cunha é ética e politicamente insustentável. E ela contamina o processo do início ao fim. Vale lembrar que, no processo contra Collor, a Câmara dos Deputados era presidida por Ibsen Pinheiro, parlamentar hábil e respeitável.

Há, porém, uma razão mais ampla: o petismo tem mostrado que continua a ser a força dominante no sistema político brasileiro. A esquerda, de um modo geral, pode ter tido sua hegemonia abalada, do debate público. Mas o petismo continua vivo. Com sua plêiade de intelectuais e militantes irredutíveis, sindicatos regiamente financiados pelo imposto sindical, “movimentos sociais” abastecidos pelo erário. Cada um pode ter a opinião que desejar, sobre tudo isto, mas indiscutivelmente se trata de uma força dominante na sociedade. Isto faz o custo de um processo de impeachment brutalmente mais alto do que em 1992, quanto tínhamos um presidente política e socialmente isolado.

A oposição, no plano político, é frágil e destituída de base social. O PSDB é um partido de atuação parlamentar, incapaz de organizar, durante todo o ano, uma só manifestação pública, uma assembleia que seja, em oposição ao governo. Ainda que formado por bons quadros, trata-se de um partido socialmente inexpressivo e inerte diante da conjuntura.

Por fim, há um elemento cultural, perfeitamente traduzida na tese apresentada pelo jurista petista Dalmo Dallari. Segundo Dallari, não houve crime de responsabilidade visto que a presidente não “tirou proveito pessoal” de suas infrações à contabilidade pública. De um ponto de vista jurídico, a tese de Dallari não tem pé nem cabeça. Crime de responsabilidade não supõe “proveito pessoal”. Mas ela expressa um dado da nossa cultura pública: a sociedade parece não reconhecer o delito politico e/ou administrativo como crime. Apenas o delito de enriquecimento pessoal. Nesta tese, seria preciso um Fiat Elba para que o processo avançasse.

Em resumo, o historiador Boris Fausto acerta quando fala do cansaço do impeachment. Talvez a coisa mude, com as águas de março, caso surjam novas denúncias, mas não é o quadro que hoje se projeta. É possível que, passado este episódio, nossa frágil oposição conclua que tudo isto não passou de uma tremenda precipitação. Uma espécie de blefe que não deu certo. Que o melhor teria sido cozinhar o governo e o petismo em banho-maria, até as eleições de 2018.

Época

O derradeiro ‘Golpe Moral’ no golpismo – Por Francisco Fonseca

2015 está terminando e, com ele, aparentemente o golpismo da direita contra a Democracia e o Estado de Bem-Estar Social brasileiro. Embora toda e qualquer análise peremptória sobre a crise política, social e institucional brasileira seja, em larga medida, precária, em razão da fluidez da conjuntura e de potenciais movimentos provindos da controversa “Operação Lava Jato”, do Congresso Nacional, do STF, do TSE e do jogo político como um todo, alguns fatos políticos são essenciais nesse complexo tabuleiro da vida política nacional. Procurei analisar essa precariedade analítica nos artigos “A fluidez da conjuntura política e os próximos lances” e “A virada de Dilma”, publicados neste site respectivamente em 21 outubro e 20 de dezembro deste ano.

Tais fatos políticos referem-se à batalha sobre a “moralidade do golpe” (entendida como legitimação moral), chamada pelos golpistas – das raposas políticas aos inocentes úteis – de impeachment. Nesse sentido, três grandes fatos, de uma inumerável cepa, devem ser ressaltados:

O primeiro refere-se à “peça” supostamente jurídica que “fundamentou” a abertura do processo de impeachment pelo Congresso Nacional produzida pelos advogados Bicudo e Reali que mais se parece um “faz-me-rir” à guisa dos processos kafkanianos. Ressentimentos pessoais e políticos, de um lado, e oportunismo político – devidamente sustentados pelo PSDB e pela oposição derrotada nas última eleições – se imiscuem à peça que tem de tudo, menos fundamentação jurídica. Não é por outro motivo que os principais magistrados brasileiros e suas associações representativas posicionaram vigorosamente contrários a tal processo. Tratou-se de um importantíssimo golpe moral lancetado pelo golpismo contra si.

Um outro golpe moral, de importância ainda maior, refere-se ao fato de que a liderança pró destituição da presidente Dilma responde pelo nome de Eduardo Cunha, cuja permanência no Congresso Nacional – sobretudo como presidente da Câmara –, e em liberdade, só podem ser compreendidas pelo papel prioritariamente político e secundariamente jurídico do Supremo Tribunal Federal. A velha imagem da “raposa cuidando do galinheiro” encaixa-se perfeitamente a Eduardo Cunha, o que contribuiu vigorosamente para deslegitimar o golpismo parlamentar, cuja articulação vinha da própria vice-presidência da República. Ambos os fatos – o “faz-me-rir” jurídico aceito por um parlamentar cuja biografia confunde-se com ficha policial, no dizer do próprio Procurador Geral da República, Rodrigo Janot – confluem para o descrédito político/institucional do golpismo. Nesse sentido, em razão do impeachment ser encarnado por Cunha, embora não apenas por isso, as manifestações das classes médias minguaram fortemente.

O terceiro fato político não se encontra no âmbito político/institucional, mas social, em sentido lato. Trata-se da abordagem beligerante, truculenta, desrespeitosa e intelectualmente “analfabeta” de jovens ricos ao grande artista Chico Buarque. Embora esse tipo de fascismo cotidiano esteja presente em inúmeras situações desde o segundo turno das eleições presidenciais – nas ruas, em lugares públicos e privados, no mundo digital, na cobertura da mídia golpista, e sobretudo no ignóbil senso comum –, o aspecto distintivo diz respeito à moralidade da figura de Chico Buarque. Em outras palavras, um dos maiores artistas brasileiros de todos os tempos, conhecido tanto por sua genialidade como por sua coerência política e intelectual – que se pode concordar ou discordar, pouco importa –, barrou a suposta moralidade golpista. Afinal, aqueles jovens, verdadeiros “filhinhos de papai, do rentismo e da mídia”, expressaram todo o ódio (e ignorância) de classe de, se tanto, 10% dos brasileiros, isto é, dos mais ricos inconformados com a maior igualdade social no país. As respostas de Chico Buarque sobre o PSDB ser, segundo ele, um “partido bandido” e sobre a “desinformação de quem lê a Revista Veja”, entre outras respostas, são, por si só, desconstrução da legitimação moral do golpe. Mas a própria imagem do episódio já seria significativa do modus operandi dos proto fascistas filhinhos do privilégio e da ignorância. Após esse episódio ficou mais difícil ir às ruas defender o impeachment, assim como achincalhar figuras públicas, tendo em vista que se escancarou a precariedade da “peça” jurídica de Bicudo/Reale e a não moralidade de Cunha para liderar o impeachment da presidente: afinal, como pode alguém que se locupletou comprovadamente de recursos públicos destituir uma presidente acusada, sem provas, de algo muito menor? Nesse sentido, um dos “filhinhos” ter chamado Chico Buarque de “merda” coroa a insensatez fascista, afastando, pouco a pouco, grande parte dos inocentes úteis que, devido ao massacre midiático e ao ódio de classes das elites que, contudo, transbordou aos segmentos populares, veem no PT a causa de todos os males brasileiras. Ruiu, portanto, do ponto de vista social, em seu veio simbólico, o golpismo..

Pois bem, esses três fatos políticos possivelmente enterrarão, cada qual a seu modo, o golpismo, notadamente quanto à imoralidade política que representa: a tentativa de derrubada do poder de quem se elegeu legitimamente pelo voto, assim como – e ainda mais significativo – a derrogação da democracia política e social/trabalhista no país, cuja consolidação ainda está em processo.

Portanto, daqui para frente, salvo acontecimentos completamente imprevistos, o golpismo terá mais dificuldade de se articular e sobretudo de justificar moralmente – isto é, sua legitimidade moral – a derrubada da presidente Dilma. Trata-se de mais uma obra de nosso maior artista!

Ainda assim, resta um longo caminho: político/institucional (barrar o golpe e refazer pactos sociais de outras naturezas), econômico (voltar-se ao desenvolvimento com distribuição de renda) e sobretudo proveniente da pressão popular ao ocupar as ruas, encarar o debate e o embate público e propor concretamente reformas no sentido de aprofundar a democracia no país: reforma da mídia, combate ao rentismo, reordenação do agronegócio, entre tantos outros. Para tanto, o enfrentamento moral – referente à moralidade pública, típica da ação política, enfatize-se – é elemento-chave. Em outras palavras, conquistar “as mentes e os corações” para a causa da democracia política (o que inclui direitos civis) e social (que implica direitos voltados à igualdade, direitos trabalhistas e outros) é a grande batalha que reserva o ano de 2016!

A moralidade política é, dessa forma, aliada crucial na batalha das “mentes e dos corações”. Nesse sentido, 2015 termina bem comparativamente ao que se viu durante todo o ano. Contudo, não há espaço para tréguas, uma vez que a ânsia golpista permanece articulada, embora com muitas contradições.

Por fim, somente o encerramento do processo de impeachment, conjugado com um novo modelo de desenvolvimento (a queda de Joaquim Levy é, nesse sentido, alvissareira) a à articulação com movimentos sociais progressistas poderá fazer com que o Governo Dilma realmente comece! A partir daí pode-se pensar na reforma do sistema político – causa maior de nossa imoralidade pública ao abarcar quase todos os partidos –, mesmo que a médio prazo, a rigor iniciada pelo STF com a proibição do financiamento empresarial a campanhas, pois absolutamente crucial para o futuro da democracia brasileira.

Carta Maior