Dilma Rousseff, presidenta de Brasil: «No salgo de aquí, no voy a renunciar»

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Por Luis Nassif

Dilma Rousseff pode e deve ser criticada por suas vacilações, pelos erros cometidos na condução da política econômica, pelos desvios na montagem política. Pretender retratá-la como ignorante ou débil mental, só à custa de muita seletividade de frases e de muita frase fora do contexto.

Sua entrevista ao Valor Econômico de hoje mostra uma pessoa articulada, de muito melhor nível intelectual – para a economia – do que qualquer jornalista em atividade. Mesmo suas indecisões exigem um grau de entendimento das variáveis em jogo muito mais complexo do que pode supor esse jornalismo vão, de manchetes e lides, de bordões e certezas típicas dos ignorantes.

Não absolve em nada seus erros. Mas quem não tem nível para entender os erros, sempre haverá de mostrar seu brilho de abajur lilás rindo às escâncaras com suas frases – aquele riso kkkk, similar aos dos muares admirando o pasto.

Do Valor

Dilma se compromete com meta fiscal; veja a íntegra da entrevista

O caminho para a retomada do crescimento, para a presidente Dilma Rousseff, será dado pela queda da inflação, pela recuperação das exportações a partir da maxidesvalorização cambial e pela retomada dos investimentos. Com isso, o crédito vai voltar e o consumo também.

Em entrevista antecipada ontem pelo Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor, Dilma informou que nas próximas semanas enviará ao Congresso Nacional medidas de aumento de impostos, que considera imprescindíveis, e , também, propostas de mudanças legais para viabilizar o enxugamento de despesas obrigatórias. Para ela, a meta fiscal para 2016 é de um superávit primário de 0,7% do PIB. A realidade é um déficit de 0,5% do PIB. Trata­se de um ajuste, portanto, de R$ 64 bilhões, sendo que 90,5% do Orçamento é não contingenciável. “Como contingenciar R$ 64 bilhões?”, questionou a presidente.

Aumentar os impostos, portanto, é parte da solução e Dilma prefere que seja uma elevação de um tributo com data para acabar fixada em lei. Qual, ainda não está decidido, mas avalia que o aumento da Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico (Cide) sobre combustíveis não é uma medida suficiente e traz forte impacto inflacionário.

A presidente admite que aplicou por um período de tempo excessivo uma política anticíclica agressiva, mas reiterou que só em novembro de 2014 é que ficou muito claro o fim do ciclo das commodities.

Sobre as divergências entre o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e do Planejamento, Nelson Barbosa, ou, dito de outra forma, sobre a distância entre a ortodoxia e o desenvolvimentismo, Dilma disse que considera esse um falso problemas. “Estou em uma fase confucionista e prefiro o caminho do meio.” A seguir, leia a íntegra da entrevista, concedida pela presidente pouco antes do rebaixamento do rating soberano do país pela Standard & Poor´s. Após ser informada da decisão da agência, Dilma voltou a falar com o Valor e reforçou seu compromisso com a meta fiscal.

Presidente, a S&P tirou o grau de investimento do Brasil. E agora?

O governo brasileiro continua trabalhando para melhorar a execução fiscal e torná-­la sustentável. É fundamental a retomada do crescimento. Você vai notar que de 1994 a 2015 só em sete anos, a partir de 2008, a nota foi acima de BB+. Portanto, essa classificação não significa que o Brasil esteja em uma situação em que não possa cumprir as suas obrigações. Pelo contrário, está pagando todos os seus contratos como também temos uma clara estratégia econômica. Vamos continuar nesse caminho e vamos retomar o crescimento deste país.

Há um desequilíbrio fiscal e contração da economia. Por que chegamos a isso? Qual a avaliação que a senhora faz?

Tem um fator de origem interna à nossa economia, derivado do seguinte: em 2008/2009 tivemos a crise global, que nada tem a ver com os países emergentes. Os emergentes tomam medidas contracíclicas para reagir à crise, para não serem pegos por ela. Acho que a mais simbólica foi a China, que tomou essas medidas, e nós também tomamos. Para tentar garantir a taxa de investimento do setor privado nós fizemos desonerações substantivas — 56 setores econômicos foram desonerados da folha; reduzimos a taxa de juro do investimento em bens de capital de forma drástica e demos ao BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] recursos para esse investimento; e fizemos uma política de financiamento dos Estados só para investimento onde colocamos em torno de R$ 20 bilhões. Junto com isso, também fizemos, no meu governo, uma política de infraestrutura pesada. É concessão, mas concessão sem financiamento não sai. No Brasil, não sai. Financiamos concessão de rodovias, portos, aeroportos, fizemos um programa de segurança hídrica bastante significativo também junto com os Estados. Também está em andamento isso. Fizemos o Minha Casa, Minha Vida. Enfim, também tivemos investimentos em mobilidade urbana em quase todas as capitais e todos os Estados. Com isso, queríamos o quê? Nós queríamos manter uma taxa de investimento elevada, tentando conter a queda do emprego e da renda.

Mas não deu…

Dilma: É. Esse processo não consegue segurar a taxa de investimento, aliás, a taxa de crescimento do PIB. Não consegue. Eu acho que ele conseguiu segurar sim, por um período. Você não teve uma queda maior um pouco por isso.

Mas não conseguiu compensar o fim do ciclo das commodities.

Não substitui o boom das commodities. Não tem como substituir o ciclo das commodities. E ele teve um processo que é lento. Não começa logo depois da crise. O colapso do boom das commodities começa a entrar em operação na metade de 2014. De fato, é lá que cai. Eu tenho esse dado porque nós temos um boletim de mercado. Então você pega abril de 2014, o petróleo estava a US$ 120,00 o barril. Em agosto de 2015, dependendo do dia, chegou a US$ 37,00. É uma queda imensa. A mesma coisa o minério de ferro, que chegou a US$ 150,00 e agora estava a US$ 56,00. Então você tem um colapso das commodities, inequívoco. E você tem uma outra característica. A Índia, por exemplo, foi um país que se beneficiou da queda das commodities. Nós não. Nós não nos beneficiamos. E acho que nós não nos beneficiamos também da diminuição da demanda da China. Ou seja, o colapso é de quantidade e de preço. Isso também provoca uma situação complexa porque tem um fator que retroalimenta isso, que é a capacidade ociosa na oferta, por exemplo, de produtos siderúrgicos. A imensa capacidade ociosa que tem na China, não é? E essa capacidade ociosa se comunica, também, com a imensa queda de demanda na Europa. Nós tínhamos cinco grandes agentes de demanda internacional: Estados Unidos, Europa, China e América Latina, porque temos um grande demandante na América Latina, que é a Argentina. E os demais países do mundo. Eu dividi em cinco, mas quero falar mesmo é de quatro. A União Europeia teve uma queda imensa na sua demanda. Eu acho que, inclusive, um dos fatores que atingem a China é isso. Não dá para a gente achar que é só desaceleração da economia chinesa sob si mesma.

Houve forte queda das exportações para a Europa.

Despencou. Quando a Europa diminui a demanda, ela atinge a gente também. Quando a China diminui a demanda, ela atinge a gente. E o crescimento da demanda americana não existe. Por quê? Porque os Estados Unidos começam a fazer superávit comercial, porque na política de expansão monetária eles desvalorizam o dólar.

A senhora disse numa entrevista recente que talvez tenha demorado a perceber…

Nós achamos duas coisas. Primeiro, que a crise não iria durar tanto e, segundo, que as economias desenvolvidas iam se recuperar mais rápido e que atingiria com menos força a China. Acho que nós começamos a perceber que ela aprofundaria quando ela estava já… porque foi muito recente isso, quando ela caiu de fato. Isso significa que nós precisamos nos acostumar com um outro momento, especialmente com esse negócio das commodities, que muda radicalmente as condições. Você não se esqueça: o peso dos tributos em investimentos de bens de capital diminuiu de 32% para 4,3%. Nós corrigimos as faixas de enquadramento e universalizamos o Simples Nacional. O PSI [Programa de Sustentação do Investimento] desembolsou R$ 76,3 bilhões de reais. A política anticíclica começa em 2012 e atinge o auge em 2013. Pouca coisa ocorre em 2014. O que acontece em 2014? Aumenta os setores que são desonerados da folha. Mas essa decisão é tomada antes, não é tomada em 2014. Se você for olhar as decisões que afetam a política anticíclica, elas são de 2012 e 2013. Tanto é que, se você olhar como o Departamento de Comércio explica a saída dos EUA, mostra que no início foi via exportação.

Para isso tem que desvalorizar o câmbio.

Eles fizeram três coisas. Aquela expansão monetária violenta e ao fazê-­la eles desvalorizam o câmbio. Põem o juro lá embaixo, ao fazê­-lo, desvalorizam o câmbio. Quando eles desvalorizam o câmbio, eles recompõem a capacidade deles de exportar, que também tem um grande estímulo por causa do shale gas e porque os EUA fazem uma política de resgate tanto dos bancos como de algumas empresas fortíssima. E inclusive você sabe que eles compram pedaços de empresas e depois vendem. Mas compraram, salvaram certas empresas. Então, política anticíclica que os EUA fizeram é uma política anticíclica que aumentava a dívida, se você lembra bem. Tanto é que houve a discussão do teto da dívida, certo? Teve.

Essa foi a grande discussão.

Essa foi a grande discussão deles. Era o teto da dívida. O que estou dizendo para você é o seguinte: não é que nós achamos que saímos desse momento. Primeiro, nós achamos que temos que procurar a estabilidade macroeconômica.

Numa situação em que somos mais pobres hoje porque não temos commodities.

Nós somos mais pobres hoje do que éramos antes por conta que não tem o boom das commodities. Além disso, nós temos que buscar duas coisas: a estabilidade fiscal e o controle da inflação, para início de conversa. Estabilidade fiscal o que é? É cortar. Nós cortamos gastos e diminuímos a desoneração, o subsídio aos juros. Fizemos bem feitinho isso. Acabamos com o subsídio. Acabamos não. Reduzimos o subsídio aos juros de forma efetiva.

Corte de gastos?

Corte de gastos. Nós contingenciamos R$ 78 bilhões e cortamos R$ 40 bilhões até agora.

Isso em 2015?

Em 2015. E é em relação a esse patamar que nós estamos projetando o Orçamento de 2016. É importante você ver a composição da despesa.

90% não são contingenciáveis.

Não é 90%, é mais.

90,5%?

Nós temos aqui uma jabuticaba: despesas discricionárias não contingenciáveis.

O que é que é isso?

Dilma: Saúde, o mínimo condicional. O mínimo condicional sobre saúde, educação, Bolsa Família e benefício dos servidores. Isso é lei. Então nós temos esse fantástico caso de jabuticaba que é despesas discricionárias não contingenciadas. 90,5% do Orçamento é o que não é contingenciável.

Mania de carimbar o dinheiro. As corporações chegam lá no Congresso, carimbam o dinheiro, esse é meu…

E você não toca. É meu e você não toca. E olha aqui uma coisa: do que sobra o que é discricionária é R$ 115 bilhões. PAC é R$ 42 bilhões. O que é que entra aqui no resto? Desde o recrutamento das Forças Armadas, até…

Todo custeio está aqui.

Não. O custeio não está aqui. Por exemplo, você tira do PAC e você tem R$ 72 bilhões. O déficit em relação à meta é R$ 64 bilhões. Contingencia isso como, hein? Como?

E a reforma da Previdência?

Uma reforma da Previdência é sempre intergeracional. Nós ganhamos quatro anos e meio de expectativa de vida. Nós estamos tendo menos jovens e mais velhos. Então nós temos necessariamente que adaptar a essa nova realidade.

Cá entre nós presidente, a pessoa com 60 anos de idade está muito bem para trabalhar.

Eu também acho. Eu estou com 67.

A senhora já tem uma ideia de como fazer isso?

Nós temos um fórum, que vai discutir não o amanhã. Isso vai ser uma sinalização para todo mundo de que há uma estabilidade futura. Que o Brasil fez uma proposta séria, não vai atingir quem está aposentado hoje, que está aposentado amanhã. Vai atingir os que vão entrar. Isso melhora muito. Reforma da Previdência você tem que colocar um tempo. Ela é intergeracional. Você não pode achar que você faz alteração amanhã. O que você faz amanhã? Alterações de gestão fortes. O que a gente achar que está desequilibrado, que está mal pago, reforminhas tópicas que você tem que fazer. Isso eu estou chamando de gestão. Então é isso: você tem que corrigir distorções, que é sua responsabilidade, impedir que isso ocorra. O que eu chamo de medidas tópicas, que não são estruturantes, assim de longo prazo, mas são muito importantes.

Qual é a meta fiscal do ano que vem?

Nós mantemos a meta de 0,7% de superávit [primário em relação ao Produto Interno Bruto]. Agora, nós temos hoje um déficit de 0,5%. Assim sendo, é com essas medidas de gestão… Eu digo o seguinte: é preciso tomar medidas de gestão de contenção da despesa. Mas é sobretudo das obrigatórias, porque você não tem mais espaço. Mantidos os compromissos que assumimos no PAC e olhando as demais, você não tem margem para cumprir 0,7% [do PIB]. Nós vamos tentar chegar aqui por vários mecanismos e um deles é esse, nós vamos fazer alterações tópicas. Nós, inequivocamente, teremos de ter uma ampliação da receita. É responsabilidade de dizer onde, quando e como. O governo está ainda avaliando.

Mas primeiro vai cortar mais?

Nós ainda vamos cortar, enxugar mais um pouco. Aqui tem mais corte. Tem mais corte para fazer.

Gasto obrigatório ou não­obrigatório?

 

Nós temos que cuidar do cadastro. Lógico, cresce vegetativamente. Aumenta o número de aposentados. Você mesmo acabou de dizer que as pessoas se aposentam com 55 anos, 54 anos em média. Temos que abrir, olhar, ver tudo o que dá para mudar.

Isso na obrigatória. Incluiria Lei Orgânica da Assistência Social (Loas) e subsídios?

Loas nós vamos olhar, recadastrar. Vamos olhar tudo direitinho.

Pode mudar a lei do salário mínimo?

Dilma: Não acredito.

Se há anos a despesa cresce acima do PIB, como não há o que reduzir?

Dilma: Pega o que nós já cortamos daquele momento para trás até hoje. Pergunta para os ministérios a quantidade de cortes. Nós fizemos três cortes gordos. Ainda tem toda a reforma administrativa que nós vamos fazer também. Mas eu queria te falar outra coisa. Quais são as três formas de você estabilizar a dívida pública? Porque esse é o nosso objetivo. Primeiro, crescimento econômico. Segundo, a incidência do juro sobre a dívida. Terceiro, a administração fiscal. Nós não controlamos nem a primeira nem a segunda. Nós só controlamos a terceira. É o equilíbrio fiscal. É aí que nós vamos atuar. Só podemos atuar ali. O que eu estou querendo dizer é o seguinte: para cada uma dessas variáveis, vamos olhar como é que fica.

Quais são os fatores que poderão levar ao crescimento?

Dilma: Primeiro, a expansão das exportações, porque o câmbio se desvalorizou em mais de 50%. Ele tem um efeito inflacionário negativo, mas tem um efeito de expansão de exportações. Nós, que estávamos em situação de déficit comercial, vamos ter um superávit. O ministro Armando Monteiro [Desenvolvimento] supõe que é possível a gente chegar em torno dos US$ 10 bilhões a US$ 12 bilhões de superávit comercial. Isso vai estimular algumas indústrias. Eles, que perderam mercado interno, vão ganhar mercado internacional porque nossa desvalorização foi maior do que a de outros países. Para nós é essencial também que o governo entre com a sua parte. A parte do governo é investimento em infraestrutura e energia. Por isso nós fizemos aquele programa de concessões.

E o que mais?

Eu acredito que, além disso, também a inflação já está indicando sinais de que aponta para uma queda. Redução da inflação em 2016, combinado com alguma recuperação do crescimento puxado pelas exportações, pela continuidade desses investimentos, acho que cria um clima para ter uma expansão maior do crédito, que hoje está completamente retraído. A retomada do crescimento do crédito aumenta a possibilidade de as famílias também consumirem mais.

Dia sim outro também fala­-se em saída do ministro da Fazenda, Joaquim Levy.

Eu acho isso um desserviço ao país. Acho que é ruim. Primeiro, porque ele não vai [sair]; segundo, porque isso encobre uma tendência a tentar enfraquecer o Joaquim, que eu acho que não é boa. O Joaquim tem a minha confiança. As pessoas têm de conhecê-­lo para saber. Ele tem uma qualidade inequívoca: é um cara do Estado brasileiro. Quem conviveu com ele sabe disso. É um funcionário público de alto nível, uma pessoa que olha o interesse do país. Ele tem espírito público. Eu convivi com ele antes, eu o conheço bem e confio nele.

O problema do enfraquecimento dele é a ambiguidade da política econômica, não?

Dilma: Não é a ambiguidade, não. O pessoal queria que o Joaquim fizesse assim, assim e assim [estala os dedos] e estaria tudo resolvido. Ele está fazendo muito, está trabalhando horrores, enfrentando uma série de dificuldades porque este país é uma democracia. Então, o processo não é linear, tem idas e vindas, você tem que ir ao Congresso e negociar. Muitas vezes, o pessoal acha que foi uma derrota e não foi, foi a vitória possível. Na desoneração tivemos a vitória possível.

Na semana passada, quando os empresários se reuniram em São Paulo e ligaram para a senhora…

Não teve isso, não existe isso. Nunca! Pode pegar qualquer um deles e perguntar quem ligou para mim. Ninguém ligou

No que a sra. e o ex­-presidente Lula concordam e no que há divergência na gestão econômica? Frequentemente lemos que ele pede para a sra. gastar mais. É verdade?

O que o Lula sempre achou, em todas as circunstâncias, é que uma parte da recuperação vem do consumo. E nisso ele tem toda razão. Do consumo e do crédito. O problema é que criam uma oposição entre investimento e consumo. Não tem [oposição]. Nós temos que aumentar o investimento e manter o consumo. Uma das nossas maiores forças é o mercado interno. Podemos começar pela exportação, mas o que vai mesmo ancorar o país é a produção para o mercado interno.

Mas a chave hoje para a recuperação é o investimento?

Dilma: São as duas coisas. Exportação e investimento. E, depois, mercado interno. O mercado interno vai se recuperar por último, mas é essencial. Se não, como é que eu vou investir? Nessa questão, se eu divirjo ou não divirjo do Lula, eu já disse o seguinte: passaram a vida inteira querendo que eu brigasse com ele. Depois que eu virei presidente, é o tempo inteiro. Tenho uma relação com Lula que não tem hora. Ninguém que tenha convivido tão intimamente com ele desde junho de 2005, quando entrei neste palácio. Eu entendo o que o Lula pensa. Dois seres humanos nunca concordarão em tudo. Mas o Lula é uma das pessoas com quem eu mais concordo na vida. Ele tem uma grande sabedoria pessoal, uma grande intuição. Uma porção de coisas que não são decisivas nem relevantes eu não concordo nem discordo. São posições dele. É impossível você achar coincidência absoluta com alguém, mas eu quero te dizer: a minha coincidência com o Lula é muito grande. Acho muito ruim ver algumas coisas no Brasil, não vou nem me queixar do que fazem comigo, mas é muito desrespeitoso algumas coisas que fazem com ele.

A sra. está falando do boneco que apareceu nas manifestações?

E outras coisas também. Não é possível dessa forma. Ele é um patrimônio deste país.

Isso tem muito a ver com o escândalo da Petrobras. Como começou no governo dele…

Quando começou, nós não sabemos. Quem investigou fomos nós. Até então, ninguém tinha investigado nada. Não venha me dizer que nunca teve nada dentro da Petrobras. Eu não sei se teve ou se não teve.

Vinte e nove ministérios são suficientes para recompor e unificar a base aliada?

Acredito que sim.

E qual é a reforma ministerial?

Dilma: Eu direi qual é a reforma na hora que ela sair.

O Banco Central está fora da reforma ou não?

Muito provavelmente está. Não é uma questão de tirar o nome de ministério do Banco Central. O que isso altera? O que é que eu ganho com isso? Muitas vezes eu ganho mais juntando órgãos intermediários do que ministérios. O que é que o Brasil ganha acabando [com o status de ministério]?

A ideia veio de quem queria enfraquecer.

Nunca me fizeram essa sugestão. Não acho, inclusive, que tenha sentido. O presidente do BC tem que ter status de ministro. Pode deixar isso bem claro.

O PMDB nunca teve participação tão grande em seu governo como agora. Ele mais ajuda ou mais atrapalha?

Mais ajuda. O PMDB ajuda a governabilidade e tem muito boas lideranças. Dentro do governo, tem excelentes quadros e vou citar alguns: Eduardo Braga [Minas e Energia], Kátia Abreu [Agricultura], esse Edinho Araújo [Portos] é muito bom, o Eliseu Padilha [Aviação], o Hélder Barbalho [Pesca] está fazendo um bom trabalho, nunca vi uma pessoa ser tão adequada ao Turismo como o Henrique Alves. Ele trabalha com alegria.

A sra. vai comandar o processo sucessório? Já tem um nome sendo preparado?

Não estou discutindo isso, não. Nem estou pensando nisso [risos].

O vice­presidente Michel Temer disse que não há governo que resista com 7% de popularidade. Em algum momento a renúncia lhe passou pela cabeça?

Não. Você já pensou que nunca perguntaram isso para nenhum homem? Por que mulher renuncia?

Não perguntaram, mas o Jânio Quadros renunciou.

Eu não saio daqui, não faço essa renúncia. Não devo nada, não fiz nada errado. E mais. Acho que a popularidade da gente é função de um processo. De fato, a minha está bem baixa hoje.

Isso a incomoda?

É claro. Ninguém, em sã consciência, não se incomoda. Agora, eu acredito no futuro deste país. Acredito que vamos sair dessa dificuldade.

Entre a ortodoxia representada por Joaquim Levy e o desenvolvimentismo do Nelson Barbosa [ministro do Planejamento]…

Dilma: Posso falar uma coisa? Eu estou na fase confuciana. Eu sou a favor do caminho do meio e da harmonia. Não acho que exista isso de ortodoxia versus heterodoxia. É um falso problema. Porque, se ortodoxia houver, a pátria da ortodoxia deveria ser os Estados Unidos. Se tem gente pragmática no mundo, mora lá. Não há nada mais pragmático que a política e a visão americana. Acho que você tem que ser no Brasil tão pragmático quanto qualquer grande economia tem de ser. Agora, tem alguns valores que têm que ser permanentes.

Por exemplo?

Estabilidade fiscal é um valor permanente, vale para mim e para qualquer país, no mundo globalizado. Controle da inflação vale para mim e vale para todos. Sistema financeiro, rígido, robusto, sem bolhas, vale para mim e vale para todos os países. E país ortodoxo que não cumpriu isso teve consequências muito desastrosas, bolhas etc. e inclusive está com problema de recuperação estrutural que nós não temos. Porque o Brasil tem um grande problema momentâneo, mas, se nós conseguirmos aumentar a produtividade, estabilizar macroeconomicamente, ele é um país que tem estrutura sólida para crescer. Então, tem valores que hoje perpassam todas as economias. Quem pode dizer hoje: “Vou sair por aí gastando?” Agora ninguém também pode ver uma catástrofe e não tomar medidas.

A sra. se refere ao ano passado?

Eu não sou contra política anticíclica. Quando eu falo que podemos ter errado, é na dose e não na política em si. Todo mundo faz política anticíclica. O que aconteceu com os Estados Unidos? Como a contenção deles era no fiscal, eles fizeram política anticíclica monetária. O que o Banco Central Europeu está tentando fazer é parecido.

Presidente, como foi sua conversa com Luiz Carlos Trabuco, do Bradesco, na semana passada?

Eu sempre converso com o Trabuco. Ele sempre vem aqui. Eu gosto muito do Trabuco. Não é publicável. Não vou te falar o que ele falou para mim e o que eu falei para ele. Não foi há uma semana. Foi há duas semanas.

Para resumir, como a senhora acha que a gente sai dessa crise? Com câmbio, investimento…

Eu acho que é com exportação, investimento, uma política de apoio à expansão de investimento em logística, aeroporto, porto, rodovia e ferrovia, energia elétrica.

Isso aqui é investimento privado?

Todos são, mas financiados pelos bancos públicos. Porque ninguém faz investimento que não seja financiado pelos bancos públicos, com debêntures possivelmente dos bancos privados também. Foi uma das coisas, inclusive, que eu conversei com o Trabuco: que seria importante que os bancos privados participassem, que condições eles precisam para participar.

Precisam de confiança de que a política não muda no meio do caminho.

Nunca mudou. Me dá uma mudança de financiamento que nós fizemos.

Não. Falo de condições macroeconômicas.

Oh, minha querida… [A presidente encerra a entrevista].

Planeta Osasco

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