Ricardo Berzoini, ministro de Comunicaciones de Brasil: «Vamos a fomentar el debate para la regulación de los medios»
Por Eduardo Maretti y Paulo Donizetti de Souza
Ricardo Berzoini e a crise brasileira: ‘tem de saber jogar em qualquer gramado’
«Otimista, mas não ingênuo», como diz, o ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, observa que os desafios são maiores diante de uma base aliada heterogênea. «É preciso ter capacidade de identificar quais os pontos de convergência para uma agenda para 2015, um ano difícil, porque temos restrições orçamentárias», afirma. Esta agenda, construída com todos os partidos, está longe de ser o único desafio. Para o ministro, é preciso enfrentar questões delicadas, como a CPI da Petrobras e a Operação Lava Jato, com transparência.
Diante de um momento turbulento, Berzoini observa que é hora de reposicionar o governo. «Não dá para jogar bem só em gramado bom», diz, recorrendo à metáfora esportiva.
A regra vale para o tão esperado debate sobre o marco regulatório da mídia, um tema «artificialmente sectarizado», na visão do ministro. «Tem muitas visões diferentes. Precisamos pensar qual a forma de termos um diálogo construtivo com todos que defendem posições diferenciadas sobre esse tema, para construir um projeto que seja viável de ser aprovado.»
Quanto à relação do Executivo com o Legislativo, esse ambiente conflituoso, que beira a hostilidade, o senhor é otimista no sentido de recompor uma base de sustentação para discutir o Brasil daqui para a frente?
Sou otimista, mas não sou ingênuo. Qual é a característica da base do governo? É muito heterogênea. Essa base de 2015 é mais pulverizada e diferenciada do que a de 2014, ou de 2011. Tem que se fazer um esforço redobrado, tem mais partidos na Câmara, tem mais pulverização. A maior bancada, que é a do PT, é menor que a anterior. A segunda maior bancada, do PMDB, também é menor. No Senado, não houve muita mudança, mas na Câmara houve.
É preciso ter a capacidade de identificar quais os pontos de convergência que se pode usar para estruturar uma agenda programática para o ano de 2015, que é um ano difícil, porque temos restrições orçamentárias. Este é um ano em que tem que se discutir ajuste, votações de medidas que são muitas vezes encaradas como restrição a questões previdenciárias, como o seguro-desemprego.
Nós temos que saber trabalhar nesse cenário. Não dá para jogar bem só em gramado bom. Tem que saber jogar bem em qualquer gramado. O desafio é esse, reposicionar o governo. Recompor significa chamar todos os partidos, para construir uma agenda mínima para atravessar esse período.
Enfrentar a questão da CPI da Petrobras e da Operação Lava Jato com um comportamento muito visível, para a população e para o mundo político, de que não há nem interesse em jogar a responsabilidade para ninguém, nem interesse em fazer nada por debaixo do tapete. Queremos tudo passado a limpo.
É possível, com o PMDB e com os demais partidos da base. É possível. Mas o PT precisa compreender, falo me incluindo nisso, que nessa coalizão não se pode pensar que, quando se tem uma proposta, por ser da base, tem que apoiar. Não é assim. Nós temos que dialogar, consultar e construir.
O PT foi um dos principais alvos do embate midiático que vem desde o mensalão, que carimbou no partido a pecha de corrupto. Por outro lado, vive um distanciamento da sua base social. O que é necessário para que o PT recupere a liderança e o protagonismo político?
A resposta para essa pergunta passa por Ortega y Gasset e Caetano Veloso: «Eu sou eu e minhas circunstâncias» e «Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é». Não se lida, na política, com o abstrato. A política é o mundo da realidade. Quando se está em um sindicato que tem cinco movimentos políticos na diretoria, se trabalha naquele cenário, às vezes, com contradições de concepção política. Quando se está em um partido que tem muitos grupos internos, muitas correntes políticas de opinião, ou até grupos de interesse, você também faz política, da mesma maneira. É a mesma coisa na política nacional.
Nós temos um papel para o partido, que é de direção partidária para organizar ações e políticas, de acordo com a ideologia. Nós temos pessoas do partido nos movimentos sociais que têm identidade com a representação social e que têm que exercer a sua política, de acordo com a sua representatividade social.
Temos gente, no Parlamento e no governo, que é para fazer a convivência política com partidos de orientação político-ideológica diferentes do PT, que estão unidos, no governo, por um programa que propõe desenvolvimento para o país, atendimento de reivindicações salariais e de emprego para os trabalhadores, a melhoria das condições educacionais e de saúde do país.
Ou seja, nós temos que saber que o PT não precisa ficar limitado – como partido e como movimento social – pelas contradições e condições de governo. Ele pode se expressar. Eu dizia isso quando era ministro da Previdência e a CUT cobrava posições, em relação à reforma da Previdência. Dizia que a CUT não tem obrigação de concordar comigo, porque estou exercendo um papel de governo.
Assim como em temas de hoje, por exemplo, a necessidade de promover um ajuste fiscal, que é necessário para o país, não posso cobrar da CUT que apoie. Mas o partido precisa ter consciência de que faz parte de uma coalizão de governo, e a nossa atuação tem que ser de grande responsabilidade.
Há uma sensação de que uma parte importante de pessoas do PT alcança espaços, seja no governo ou no partido, aparentemente, como sendo um fim em si mesmo.
Isso tem que ser absolutamente afastado. É obvio que esse risco existe, Gramsci já falava sobre isso, no começo do século passado. Temos que ter, sempre, a coragem de lembrar que estamos no governo não por um fim em si mesmo, não o poder pelo poder, ou o espaço administrativo pelo espaço administrativo, mas para promover políticas que beneficiem aqueles que têm identidade conosco, para promover mudanças alinhadas com a nossa visão ideológica de sociedade.
Objetivamente, nós lidamos dentro de espaços determinados. O espaço que a população brasileira conferiu, através do voto popular, de representação no Congresso Nacional, foi esse. Uma composição extremamente pulverizada e diferenciada. O povo não deu 300 deputados para o PT. Deu 70. A decisão da população é essa, de um governo que tem a base partidária fragmentada e com posições políticas diferenciadas.
Em meio a esse embate polarizado – corrupção de um lado, economia meio paralisada de outro – como o Ministério das Comunicações pode contribuir para construir esse novo ciclo que o Brasil pretende entrar?
Nós temos uma missão, que foi estabelecida durante a campanha eleitoral, que é viabilizar o acesso à internet, com qualidade e preços acessíveis, para a maior parcela possível da população brasileira. Significa implantar fibra ótica no Brasil, ter a maior rede possível interligando as grandes cidades do país, avançando para as cidades médias e, se possível, para as pequenas e, simultaneamente, para as regiões de difícil acesso, o lançamento de um satélite, no ano que vem, que já está em construção, e deverá permitir o acesso por satélite para regiões de difícil acesso para a fibra ótica.
Temos o desafio de implantar fibra ótica subaquática em vários rios da Amazônia e também de assegurar que o acesso à internet que mais cresceu, no Brasil, no último período, que é o acesso por telefonia celular, seja de qualidade e com custo acessível. Capitaneado pela Telebras, em parceria, evidentemente, com o setor privado.
Estamos desenhando algumas engenharias de financiamento que passam por parcerias público-privadas. Simultaneamente a isso, temos um grande diálogo com as operadoras para ampliar a cobertura do 3G e do 4G. Para se ter uma ideia, o acesso à internet por 3G e 4G cresceu quase 700% no governo Dilma. Cresceu mais nas regiões Nordeste e Norte.
Há uma avaliação mundial de que o futuro da internet é móvel. A internet fixa vai ter um papel importante, ainda, especialmente para o transporte de dados. Mas o acesso tende a ser, cada vez mais, via smartphones, tabletes e notebooks, com mobilidade. Estamos desenhando estratégias para que isso seja viável, do ponto de vista de termos operadoras fortes, com capacidade de responder a esse desafio, que é o investimento em infraestrutura, investimentos de muitos bilhões de reais, para manter essa infraestrutura atualizada e ampliar a cobertura, e, simultaneamente, ter preços que o povo possa pagar.
Por outro lado, temos uma política muito específica para a TV digital. O cronograma para o desligamento do sinal analógico é até 2018. Nós temos que garantir que todas as pessoas, ou a imensa maioria, tenham acesso ao sinal.
E o marco regulatório da mídia…
O governo entende que a melhor maneira de contribuir para fomentar esse debate é não apresentar uma proposta agora. Não sair com uma formulação do governo. Tem muitas visões diferentes, na sociedade. É um tema que é artificialmente sectarizado, artificialmente antagonizado, quando precisamos pensar em qual é o interesse público, qual o interesse nacional e qual a forma de termos um diálogo construtivo com todos que defendem posições diferenciadas sobre esse tema, para construir um projeto que seja viável de ser aprovado. E não construir um projeto, simplesmente, para a veleidade de um ministro, ou de alguns, para apresentar ao Congresso sem que haja viabilidade para a tramitação.
O ministério vai fomentar esse debate, organizar alguns espaços e estimular que entidades da sociedade civil, movimentos sociais, entidades empresariais e entidades do setor também organizem os seus debates, para que a gente possa, em um prazo razoável, que não quero fixar, ter um afunilamento das contradições e divergências, para poder buscar um entendimento sobre essa matéria.
Existe um plano para a banda larga que dependa menos das operadoras e mais da capacidade do Estado em impulsionar essa universalização?
O desenho que estamos estabelecendo é justamente esse. Não estamos buscando estabelecer algo para que haja dependência exclusiva das operadoras. Vai ter uma ação de governo e as operadoras serão chamadas a participar. Mas, independentemente da participação das operadoras, temos que ter a capacidade de enfrentar esse desafio, que é um desafio de Estado. Nem de governo; é um desafio de Estado.
O Brasil tem, ainda hoje, problemas de abastecimento de água, e reduzimos muito os problemas de abastecimento de energia elétrica através do Luz para Todos, mas ainda têm bolsões que são mal assistidos. E são insumos que são pagos. A banda larga vai se tornar tão essencial para a vida quanto a água e a energia elétrica. Ela é uma política para ser adquirida.
Pode-se criar políticas específicas para garantir o acesso gratuito, em situações específicas, mas, no geral, será adquirida. Mas é preciso garantir que haja um preço razoável, com custo razoável. A questão da infraestrutura é a fase inicial. Precisamos ter infraestrutura para fazer com que a fibra ótica chegue. E 1 mega não queremos considerar mais como banda larga.
O acesso a essa era digital da informação pode até antecipar, em parte, a democratização do acesso à informação.
E reduz, violentamente, o custo das famílias. A família não precisa se deslocar para ter acesso a serviços públicos, para marcar uma consulta, ter acesso a uma biblioteca física, acesso à agência bancária, aos serviços de saúde. As pessoas economizam tempo e dinheiro e têm mais conforto. Essa é uma política pública fundamental.
O governo está se preparando, inclusive, para colocar toda a sua relação com o público em base digital para, a exemplo do Imposto de Renda – um caso de sucesso mundial –, ou da urna eletrônica – outro caso de sucesso mundial –, podermos ter o governo como um todo como um caso de sucesso mundial, com um governo digital. É óbvio que isso tem um custo elevado, e a maneira de financiar exige a busca de parceria público-privada.
Sobre o marco regulatório, a primeira Conferência Nacional de Comunicação, em 2009, que ouviu vários setores da sociedade, não seria uma referência para um início de debate? Não seria o caso de uma segunda?
Melhor do que uma segunda Confecom, que é um evento precedido de vários outros, é dizer o seguinte: está lançado o debate. Vamos debater com todos que quiserem debater. Vamos ouvir quem quiser ser ouvido, quem quiser falar. E vamos falar para quem quiser nos ouvir. Fomentar esse debate e tirar o bicho-papão. Não tem bicho-papão.
Os Estados Unidos têm uma regulação, com viés americano. O Canadá tem, com viés canadense. A Inglaterra tem, com viés de Sua Majestade, a rainha, e do governo. Aliás, o processo na Inglaterra foi interessante porque todos os grandes partidos abriram mão das suas disputas para construir uma legislação que fosse a expressão da vontade do país, naquele momento, da crise que ocorreu por conta daquele tabloide (News of the World). Essas legislações nacionais refletem as discussões do seu país.
Em alguma delas houve o enfrentamento com um sistema oligopolizado tão forte?
Em todas elas, com certeza. A verdade é que o setor quer liberdade total, mas a Constituição já deixa claro, no artigo 220, que a liberdade de expressão é cláusula pétrea, mas combinada com outras cláusulas pétreas da Constituição. Tem que respeitar os direitos humanos, a imagem das pessoas, a intimidade.
Essa é uma questão histórica do jornalismo: até onde você é invasivo, até onde se vai além daquilo que se pode fazer, como aquele rapaz que, recentemente, invadiu o condomínio de um parente do Lula para fazer uma reportagem, que, na cabeça dele, achava que seria o furo da vida dele. Ele está cometendo uma ilegalidade.