Proyecto del gobierno prevé penas más duras para delitos cometidos en manifestaciones
Cardozo confirma agravamento de penas para crimes cometidos em manifestações
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, confirmou hoje (18) que, até o final desta semana, deve apresentar à Casa Civil da Presidência da República um projeto para regulamentar as manifestações de rua. Ele confirmou que irá propor um endurecimento das penas aplicadas aos condenados por crimes previstos no Código Penal que forem cometidos durante protestos, como os que, desde junho de 2013, tomaram as ruas das principais cidades do país.
«Há certos delitos que estão [tipificados] no Código Penal, mas que estão ocorrendo em manifestações lícitas, praticados por pessoas que desvirtuam os atos para danificar o patrimônio público e privado, lesionar [outras pessoas] e, agora, lamentavelmente, cometer homicídios. Por isso, estamos discutindo uma elevação das penas para esses casos. Ou seja, um agravamento da pena», disse Cardozo ao explicar que o principal objetivo do projeto de lei será disciplinar dispositivos legais, como o que proíbe o anonimato em manifestações populares.
De acordo com Cardozo, o projeto deverá ser encaminhado ao Congresso Nacional em regime de urgência para que seja aprovado e possa entrar em vigor «o quanto antes». O ministro explicou que a iniciativa não pode ser confundida com uma tentativa de limitar o direito à liberdade de expressão ou de reunião.
«O conteúdo da lei está sendo alinhavado e será objeto de apreciação, mas não queremos – e nem poderíamos – cercear a liberdade de manifestação ou de reunião previstas na Constituição», afirmou Cardozo. «A lei vai disciplinar procedimentos [já existentes] para garantir a todos os cidadãos o direito de participar [de forma pacífica e com segurança] das manifestações. Para garantir a integridade de quem está na região. Dos jornalistas e de quem estiver acompanhando os atos por obrigação», acrescentou Cardozo.
A elaboração do projeto de lei foi um dos temas discutidos durante reunião com representantes de entidades de empresas de comunicação e de jornalistas. Participaram do encontro representantes da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abratel), Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner), Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal.
Ao fim da reunião, o ministro voltou a defender a padronização dos procedimentos das polícias durante os atos públicos. A medida vinha sendo discutida e, na última quinta-feira, foi debatida durante a 53ª Reunião do Colégio Nacional de Secretários de Segurança Pública, em Aracaju. O manual de procedimentos permitiria aos policiais saber como atuar em atos públicos e ajudaria os cidadãos a identificar eventuais abusos da força repressiva. Além disso, Cardozo defende que o manual traga um capítulo específico sobre como garantir a integridade dos jornalistas. A proposta do ministério é que o manual esteja pronto até meados de março.
Uma medida para punir os crimes contra a imprensa foram a criação de um observatório nacional para acompanhar os casos contra jornalistas, propondo medidas corretivas e punitivas quando necessário. Outra medida é passar para a esfera federal a apuração dos crimes, medida que o presidente do presidente do Colégio Nacional de Secretários Estaduais de Segurança Pública, o secretário de Rondônia, Marcelo Bessa, defendeu com ressalvas.
«O entendimento unânime do colégio de secretários é mais moderado. A federalização não pode ser adotada como regra, mas como subsídio, quando ficar demonstrado que o estado não tem capacidade ou isenção necessária para investigar ou for omisso», disse Bessa, que elogiou a proposta de padronização da atuação policial e, principalmente, a capacitação dos policiais para lidar com as manifestações e, ao mesmo tempo, assegurar a integridade dos jornalistas.
Como transformar manifestantes em terroristas
No final do último mês de janeiro, em uma das mesas de debate do Conexões Globais, em Porto Alegre, o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, resumiu o sentimento da classe política em relação às manifestações que viraram o país de ponta cabeça desde junho. “Passamos muito tempo para entender o que aconteceu nas ruas, e ainda estamos tentando entender.”
O comportamento dos movimentos sociais, permeado por novas táticas de ações nas ruas, como as sugeridas pelo grupo Black Bloc, e ampliado pelo poder das redes sociais, se modificou para além das passeatas repletas de coros ensaiados, faixas e bandeiras. O que se viu foi uma série interminável de conflitos entre manifestantes e forças policiais, que, sem conseguir dialogar com essa nova realidade, reagem com força cada vez mais bélica.
De perto, outros dois atores observam e tentam influenciar a opinião pública. Na mídia, discursos apaixonados de setores diversos disputam a narrativa dos protestos desse ano pré-Copa do Mundo. A resposta da classe política é tentar aprovar com celeridade o Projeto de Lei 499, de 2013, que tipifica o crime de terrorismo no país.
A bomba, o cinegrafista e a politização do fato
O cinegrafista Santiago Andrade morreu após ser atingido por um artefato explosivo (Foto: Arquivo Pessoal)
No fim da tarde do dia 6 de fevereiro, no Rio de Janeiro, um episódio fomentou a sanha por repressão aos protestos de rua. Um rojão acertou a cabeça de Santiago Andrade, cinegrafista da TV Bandeirantes, durante uma manifestação contra o aumento da passagem de ônibus no Rio de Janeiro. Quatro dias depois, o repórter faleceu.
Na última terça-feira (11), o auxiliar de serviços Caio Silva de Souza, de 22 anos, se entregou à polícia e confessou ter acendido o artefato que vitimou o cinegrafista. Ele recebeu o rojão das mãos do tatuador Fábio Raposo, que teve seu depoimento envolvido em uma tentativa de incriminar o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ).
Fábio Raposo recebeu apoio jurídico do advogado Jonas Tadeu e de seu estagiário Marcelo Mattoso. Enquanto o tatuador prestava depoimento, a ativista Elisa Quadros, conhecida como Sininho, teria ligado para oferecer assistência ao jovem preso.
Segundo o estagiário, durante a conversa, a ativista teria dito que Caio, autor do disparo que até então era desconhecido, seria ligado a Freixo. Um dia depois, em depoimento na polícia, Sininho negou que tenha feito essa associação e que conhecesse Caio de Souza. O deputado também afirmou não conhecer o manifestante que acendeu o rojão.
O fato foi o estopim para que Jonas Tadeu insinuasse, pela imprensa, que há “aliciadores” nas manifestações e que “carros com rojões e máscaras estão à disposição dos manifestantes” antes dos protestos. O advogado, que foi defensor do miliciano Natalino Guimarães, alvo da CPI das Milícias presidida por Freixo, chegou a afirmar que jovens recebem dinheiro para participar dos protestos.
Juliana Brito, pesquisadora e integrante do Comitê Popular da Copa, rebate as acusações de Tadeu. “Posso afirmar que se há pessoas que estão recebendo para participar das manifestações são de grupos de direita, que querem outras coisas, que não são as nossas.” Menos de 24 horas após envolver o parlamentar no episódio que vitimou o cinegrafista da TV Bandeirantes, Tadeu pediu desculpas a Marcelo Freixo e afirmou que estava “desestabilizado” quando divulgou a acusação.
A forma como a notícia foi divulgada por parte da mídia reforçou a politização do fato. O portal G1 chegou a publicar um título/texto que se tornou piada nas redes sociais. “Estagiário de advogado diz que ativista afirmou que homem que acendeu o rojão era ligado ao deputado estadual Marcelo Freixo.”
O professor de Direito Constitucional da PUC-SP, Pedro Serrano, criticou o fato, em artigo publicado no dia 10 de fevereiro, no site de Carta Capital. “O que significa um dos suspeitos ser uma pessoa ‘ligada’ a Marcelo Freixo em relação ao delito em questão? Certamente nada. Entretanto, o tom das notícias e comentários da internet é de ‘suspeita’ de seu envolvimento no delito, sem evidência ou indício algum. Uma imensa injustiça, própria de um mau jornalismo ‘ligado’ a péssimas intenções políticas”, apontou o jurista.
Juliana comentou os efeitos da repercussão do falecimento do cinegrafista. “A morte dele foi uma tragédia, lamentamos muito, mas muitas pessoas foram mortas e feridas, majoritariamente por ação das policias militares, e nenhuma dessas mortes recebeu esse tratamento”. Para a ativista, “o fato foi usado pela mídia golpista, que também não protege seus profissionais, a fim de justificar o recrudescimento da violência policial e da repressão aos movimentos sociais.”
Celeridade legislativa. Casuísmo?
Desde junho de 2013, 11 pessoas faleceram durante as manifestações.Porém, o falecimento de Santiago Andrade é o primeiro registro de morte provocada por um manifestante, desde o início das jornadas. Ato contínuo, o plenário do Senado foi usado para atacar as manifestações e pedidos por celeridade na votação do projeto, partindo inclusive de parlamentares petistas, o que causou certa perplexidade.
“É evidente que nós temos, junto das manifestações – e aí eu faço a diferença –, a ação de bandidos, de criminosos. E esses bandidos, esses criminosos, parte deles inclusive mascarada, têm de ser tratados como criminosos, como bandidos. Não é preciso esperar que eles matem. Uma pessoa que vai para uma manifestação mascarado, com artefatos, com pólvora, com bomba na mão tem que ser preventivamente ser presa”, afirmou o senador Jorge Viana (PT-AC).
O também petista Paulo Paim (RS), que havia entrado com um requerimento para impedir a votação do PL 499 sem passar por uma avaliação na Comissão de Direitos Humanos e Minoria (CDHM), ameaçou retirar o requerimento para que o projeto fosse direto para apreciação da Casa. “Mediante o acontecido com o cinegrafista, que foi covardemente assassinado, acredito que o Senado tem que responder, não só para esse fato, mas para alguns que já aconteceram e outros que vão acontecer se nada for feito. Por isso, estou disposto a retirar o requerimento e fazer o debate que faríamos na CDH”, afirmou Paim no Plenário.
Porém, em entrevista à Fórum, concedida no dia 12, Paim reviu seu discurso. “O projeto é um absurdo e um tremendo exagero, não há dúvida quanto a isso. Tivemos conquistas importantes nesse país graças aos movimentos sociais, não podemos criminalizá-los agora com esse projeto”, disse, no mesmo dia em que o presidente do partido, Rui Falcão, assinou nota condenando o projeto. Ainda na terça, o senador Humberto Costa (PT-PE) postou em seu Facebook: “Acabo de sair da reunião de líderes. No PT, cremos que esse projeto contra terrorismo é muito amplo e pode criminalizar movimentos sociais. Precisamos de lei que puna os abusos e a violência perpetrados por alguns em manifestações. Mas, para isso, podemos reformar o Código Penal. Uma lei geral demais, como essa do terrorismo, pode levar a excessos do Estado contra o cidadão. O Brasil não precisa de outro AI-5″.
O PL 499 foi criado pela Comissão Mista de Elaboração das Leis do Congresso, presidida pelo deputado federal Cândido Vaccarezza (PT-SP) e que tem como relator o senador Romero Jucá (PMDB-RR). O peemedebista faz coro aos que pedem celeridade na aprovação do projeto. “Vou defender a priorização do texto da comissão.” Para o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) é preciso que se aumente a capacidade do Estado brasileiro ser, ainda mais, repressivo. “Quando se pune levemente, passa-se a ideia para a sociedade de que o crime compensa e o crime não pode jamais compensar.”
O “AI-5 padrão FIFA”
Contra o PL 499 e a classificação de incidentes como o ocorrido com Santiago Andrade como “terrorismo” está o argumento de que o homicídio já está tipificado no código penal brasileiro. “Todas as condutas que são mencionadas nessa lei já são criminalizadas no Brasil, a única novidade é essa ‘intenção de incutir terror ou pânico’, que é absolutamente subjetiva, vaga”, afirma a professora de Direito Internacional do Instituto de Relações Internacionais da USP, Deisy Ventura.
Para Paim, pode-se “ajustar a tipificação sobre crime hediondo”, já que a lei antiterror “tem problemas”. O senador Jucá afirma que o PL 499 é necessário pois o “Código Penal é um texto sucinto, que não cria penalização e é muito menos abrangente do que o meu projeto, o projeto da comissão.”
Jucá, querendo defender seu PL, contraria juristas que enxergam fissuras no texto do projeto. “É preciso ter cuidado quando o processo legislativo se acelera em demasia em função de situações excepcionais. Essa preocupação é especialmente relevante no âmbito da tipificação penal de condutas. Nem sempre uma lei aprovada às pressas produz a melhor normatização”, afirmou Julio Grostein, professor do Damásio Educacional, em entrevista ao Última Instância.
“Há espaço para múltiplas interpretações nesse projeto e podemos caminhar, sim, para uma criminalização dos movimentos sociais e isso é típico de democracias frágeis ou inexistentes”, critica Luiz Guilherme Arcaro Conci, coordenador do curso de especialização em direito constitucional da PUC-SP e presidente da Coordenação do Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB.
Juliana Brito, do Comitê Popular da Copa, também concorda que por trás do PL 499 está uma tentativa de se criminalizar os movimentos sociais. “Todos aqueles se levantarem nesse país contra a violência estatal, contra a violência do transporte público, contra os despejos, todos aqueles que forem às ruas e se reunirem, que é um direito constitucional, estarão ameaçados por essa lei”, sentenciou a ativista.
O ponto divergente na lei antiterror, e que abre espaço às conveniências, está no artigo 2: “Provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa ou tentativa de ofensa à vida, à integridade física ou à saúde ou à privação da liberdade da pessoa.” Está prevista pena de prisão de 15 a 30 anos para quem infringir o artigo 2. Caso haja morte, a pena mínima será de 24 anos de reclusão. “O que é ‘provocar ou infundir terror’? O que é terrorismo? Essa lei não define nada. As condutas podem ser facilmente caracterizadas como terroristas. Como bem disse, em sua capa, o jornal Correio Braziliense, é o ‘AI-5 padrão Fifa’”, afirma a professora Deisy.
Cezar Roberto Bittencourt, especialista em Direito Penal, se manifestou através de seu perfil pessoal no Facebook e condenou o PL 499. “O projeto pretende criminalizar a participação em movimentos sociais, como os atuais, constitui uma homenagem ridícula ao cinquentenário da Ditadura de 1964. Para completar a homenagem só falta chamar de Lei de Segurança Nacional. Logo no mandado de um governo, cuja titular foi vítima desse período”, escreveu o jurista, lembrando a presidenta Dilma Rousseff (PT), que foi presa e torturada durante o regime militar.
Deisy explica que não há referências de que casos semelhantes ao brasileiro tenham alcançado êxito. “Historicamente, leis que supostamente previnem o terrorismo são ineficazes. Na minha forma de ver, é absolutamente anacrônico falar de terrorismo hoje. Não foi uma lei antiterrorismo que extinguiu praticamente as ações do ETA na Espanha, ou do IRA na Irlanda, foi uma evolução da conjuntura política. Chamar de terrorista é afirmar que você é incapaz de negociar.”
Imposição bélica
No bojo da criminalização dos movimentos sociais, vem a legitimação da repressão policial às manifestações. Em São Paulo, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) prepara um belicoso cenário para recepcionar os cidadãos que porventura queiram protestar durante a Copa do Mundo.
Em 7 de janeiro último, Alckmin criou o 1º Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep), que tem como função cooperar para “ações de controle de distúrbios civis e de antiterrorismo.” Assim como o PL 499, o texto publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo que anuncia a criação do agrupamento não conceitua o termo “terrorismo”.
Em respostas enviadas à Fórum, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) de São Paulo demonstra não estar disposta a colaborar com a elucidação dos fatos que cercam a criação do agrupamento que inaugura o combate ao terrorismo no Brasil pós-ditadura.
Quando perguntada sobre quem teria o perfil de “terrorista”, a SSP respondeu que são “as pessoas que cometem terrorismo”. A linha evasiva continua quando o órgão se recusa a responder se o agrupamento, que tem sua sede em Campinas, agirá em outras regiões do estado durante a Copa do Mundo de 2014, além da cidade em que está situado. Das 32 seleções que vão disputar a Copa do Mundo, nada menos do 15 estarão sediadas em solo paulista, entre elas EUA (São Paulo), Irã (Guarulhos), Rússia e Japão (Itu). Em Campinas, sede do Baep, estarão as seleções de Nigéria e Portugal.
Além do Baep, São Paulo terá um outro agrupamento especial, o Comando de Policiamento para a Copa do Mundo, destacado apenas para o período em que o Mundial estiver sendo disputado. Serão 3.840 policiais militares. A PM paulista já anunciou que não permitirá fechamento de vias e nem reações violentas. Balas de borracha e gás lacrimogêneo serão utilizados pelo Comando. A inspiração para a criação do agrupamento é o Batalhão da Copa, usado pela PM de Minas Gerais durante a Copa das Confederações.
Os mineiros que forem às ruas terão pela frente 2,5 mil homens que vão repetir o modelo de comportamento de 2013. Em entrevista coletiva, o tenente-coronel Hércules de Paula Freitas, comandante do agrupamento, afirmou que espera que “o povo esteja mais ordeiro.”
O governo federal, por sua vez, prepara a Força Nacional para controlar os protestos. Serão 10 mil policiais militares que formarão um grupo de elite distribuídos entre as 12 cidades-sede da Copa do Mundo. Os agentes, que são treinados desde 2011, já atuaram nas manifestações que ocorreram nos arredores dos estádios usados na Copa das Confederações 2013, durante o mês de junho.
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