Carlos Reyes, dirigente sindical del Frente Nacional de Resistencia Popular de Honduras: «Era ingenuo pensar que los sectores económicos y políticos iban a entregar el poder así nomás»
EUA querem tomar recursos naturais do Brasil e da região, diz líder da resistência hondurenha
Um dia depois de o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) hondurenho considerar “irreversível” a liderança do candidato governista, Juan Orlando Hernández, sobre Xiomara Castro, do partido Libre (Liberdade e Refundação), as principais missões de observação eleitoral começaram a divulgar seus relatórios.
Nos documentos, representantes da UE (União Europeia) e da OEA (Organização dos Estados Americanos) reconheceram a presença de diversas irregularidades, tais como os repetidos casos de compra de votos e de uma campanha eleitoral muito desigual e nada transparente.
Ainda assim, as missões ratificaram a aparente transparência do processo eleitoral, ignorando as denúncias e não aceitação do resultado por parte do Libre e do partido Anticorrupção (PAC). Segundo os relatórios, tais problemas não alteram os dados apresentados pelos juízes do TSE.
Paralelamente, vários países da América Latina começaram a reconhecer Hernández como o novo presidente de Honduras.
A confusão que caracterizou o processo eleitoral do último domingo (24/11), somada às denúncias apresentadas pelos dois partidos, que representaram quase metade dos votos apurados, requerem uma reflexão mais séria e profunda sobre o que aconteceu em Honduras.
Carlos H. Reyes, histórico dirigente sindical e membro da direção da FNRP (Frente Nacional de Resistência Popular), base social do Partido Libre, disse a Opera Mundi que a prioridade, agora, é que o partido reaja de imediato, com planos muito concretos frente ao que acaba de acontecer.
Segundo ele, o contexto eleitoral do país está estreitamente vinculado às eleições do ano que vem na Costa Rica e em El Salvador, assim como a uma “ofensiva neoliberal no restante da América Latina, que tem a intenção de retomar o Brasil e voltar a implantar a ideia fracassada da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas).” Leia a entrevista abaixo.
Opera Mundi: Como você analisa o processo eleitoral que acaba de acontecer em Honduras?
Carlos H Reyes: O processo eleitoral aconteceu em um país onde a falta de valores é notória, e onde a violação dos direitos humanos e os atentados contra a vida são constantes e se repetem. Em um país onde, cada vez mais, o Estado diminui e se entrega mais poder aos empresários privados, no marco de um golpe de Estado que não foi superado e que foi dado para aprofundar o modelo neoliberal. Nesse sentido, o processo foi marcado, desde o começo, por fraudes anunciadas, e o partido Libre optou por aceitar as regras do jogo impostas por essas mesmas instituições desacreditadas. Seria ingênuo pensar que esses setores iriam entregar o poder político e econômico assim, sem mais.
OM: Foi uma decisão certa?
CHR: Aqui não é questão de definir se foi uma decisão “certa” ou “errada”, mas de ressaltar a grande democracia do processo. A decisão de formar o partido Libre foi tomada em uma grande assembleia da qual todos e todas participamos e a imensa maioria votou a favor da via político-eleitoral. Ou seja, já sabíamos que iríamos jogar as regras do jogo do inimigo e não podíamos esperar nada além disso, mas o que realmente não esperava é que fosse tão descarado.
OM: E agora, o que vem pela frente?
CHR: Temos um homem e uma mulher que estão se declarando ganhadores e há dois partidos, que somam quase 50% dos votos, que não reconhecem o resultado. Isso torna claros, uma vez mais, os altos níveis antidemocráticos do país.
O que fazer agora? Protestos expondo a repressão ao povo? Buscar a via legal sabendo que as instituições estão totalmente controladas pelo próprio Partido Nacional? Estamos praticamente em situação de desamparo e temos de agir com muita inteligência e valor.
Temos de apresentar todas as provas de fraude em todas as instâncias internacionais porque estamos assistindo a um plano perfeitamente orquestrado pelas forças nacionais e internacionais, que deram o golpe e querem que em Honduras ganhem apenas os partidos tradicionais.
OM: Uma situação muito difícil…
CHR: E vai piorar. Imagine que os empresários e transnacionais recebem todos os nossos recursos naturais, nossa água e terra, nos inundando de maquilas [plantas industriais de montagem], palmas africanas e cana de açúcar, terceirizando e tornando mais precários os empregos, militarizando o país.
Estão tentando ir além do que o próprio neoliberalismo vem promovendo, de olho no continente latino-americano. Além disso, não se trata de uma luta política entre dois partidos, mas de uma luta de classes. Há uma investida sem precedentes desses setores, que querem validar ainda mais o golpe de Estado e neutralizar a proposta mudança de modelo.
OM: Em fevereiro do ano que vem acontecerão eleições em El Salvador e na Costa Rica. A situação que está tomando forma em Honduras poderia afetar esses processos eleitorais?
CHR: Não tenho a menor dúvida — e são manobras que têm como objetivo desarticular a área centro-americana da América Latina. Seu objetivo é atacar o processo de integração que está sendo promovido no continente, tomar posse dos enormes recursos naturais, de olho especialmente no Brasil, em sua biodiversidade, petróleo e gás.
Por isso, tantos presidentes, incluindo Lula, lutaram para derrotar o projeto norte-americano da ALCA, que tinha justamente o propósito de tomar posse do Brasil e do restante dos imensos recursos naturais da região.